Foro de São Paulo: mitos e verdades sobre o evento de esquerda, que começa nesta quinta
Encontro reúne lideranças partidárias e movimentos sociais da América Latina e do Caribe
Começa nesta quinta-feira (29), em Brasília, a 26ª reunião do Foro de São Paulo. O encontro, que acontece pela primeira vez após a pandemia da Covid-19, reunirá representantes de partidos políticos e movimentos de esquerda de 27 países da América Latina e do Caribe, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja presença foi confirmada pela assessoria do PT. A articulação, contudo, é alvo de diversas acusações — e dúvidas — entre os brasileiros.
O Foro de São Paulo é frequentemente lembrado durante períodos eleitorais, em meio a questionamentos a políticos de esquerda, sobretudo do PT. Em 2018, por exemplo, o então candidato a presidente Cabo Daciolo (à época do Patriota, hoje no PDT) afirmou em um debate televisivo que o também presidenciável Ciro Gomes (PDT) seria um dos fundadores do coletivo, questionando o rival sobre um suposto “plano Ursal”.
Na disputa do ano passado, polarizada entre Lula e Jair Bolsonaro (PL), o tema voltou a ser frequentemente lembrado por apoiadores do ex-presidente.
Para esclarecer o que representa o grupo que se reúne de hoje até o dia 2 de julho no Distrito Federal, O Globo reuniu as principais dúvidas pesquisadas no Google sobre o termo.
Confira:
O que é
O Foro de São Paulo se apresenta como "articulação de partidos e movimentos políticos latino-americanos e caribenhos". Atualmente, conta com 123 partidos membros, oriundos de 27 países, que se reúnem anualmente para discutir questões políticas e sociais pertinentes a estas regiões. Este ano, por exemplo, o tema do encontro é "Integração regional para avançar a soberania latino-americana e caribenha". Segundo a articulação, a ideia é debater os desafios e os rumos do continente.
Quem criou
O grupo nasceu após a queda do Muro de Berlim, quando Lula e Fidel Castro, líderes políticos de Brasil e Cuba, convocaram uma reunião com partidos, movimentos e organizações de esquerda para discutirem os rumos da América Latina e do Caribe naquele contexto histórico. O primeiro encontro aconteceu em julho de 1990 na capital paulista — e, por isso, recebe o nome da cidade — e contou com 48 partidos e organizações.
Quem faz parte
Do Brasil, além do PT, também constam como filiados no site do Foro o PDT, o PCdoB, o PCB e o extinto PPS, hoje Cidadania. Outros países da América Latina, como Argentina (12), Chile (12), Equador (8), Peru (10) e Uruguai (13), contam com um número bem mais expressivo de integrantes no grupo. Além de partidos políticos, também compõem a organização articulações comunitárias, sindicatos, movimentos sociais, grupos étnicos e de esquerda cristã e ambientalistas, entre outros.
Foro de São Paulo/Olavo de Carvalho
Guru da direita radical e do bolsonarismo, Olavo de Carvalho foi um dos primeiros nomes a disseminar críticas ao grupo, muitas vezes misturadas a desinformação. Ele escreveu o livro "O Foro de São Paulo: A ascensão do comunismo latino-americano". "Voz clamando no deserto durante décadas, Olavo de Carvalho dedicou muito do seu espaço na imprensa à denúncia desse esquema de poder que esteve à frente de nações inteiras", diz a apresentação da obra, que reúne diferentes textos do autor.
Relação com narcotráfico
Não há provas que comprovem qualquer ligação do Foro de São Paulo com o crime organizado, uma das acusações mais recorrentes contra o grupo. No site do PT, que atua como um dos principais articuladores do coletivo, há diversos conteúdos rebatendo essa correlação.
"Desde sua origem, o Foro de São Paulo rejeita a violência na política e em qualquer esfera da sociedade. Não tem e nunca teve qualquer relação com o crime, o tráfico ilegal, grupos armados ou milícias. Defendemos a cooperação internacional, a paz, a integração regional e o multilateralismo", diz uma das notas.
"Avançar com unidade consensual de propostas de ação na luta anti-imperialista e popular".
"Também promoveremos intercâmbios especializados em torno dos problemas econômicos, políticos, sociais e culturais".
"[...]Em oposição à proposta de integração sob o domínio imperialista, (definir) as bases de um novo conceito de unidade e integração continental".
Objetivos
Na reunião que criou o grupo, em 1990, foi aprovado um documento que reúne princípios e objetivos dos movimentos representados no encontro. Denominado como "Declaração de São Paulo", o texto destaca três propósitos centrais:
Ainda existe?
Sim. O último encontro aconteceu em 2019, em Caracas, na Venezuela, com uma pausa na sequência em virtude da pandemia. O texto de convocação do evento que acontece a partir de hoje em Brasília, na retomada das reuniões do grupo, ressalta o "cenário complexo, de vitórias e também de muita luta dos povos da Nossa América".
Ursal
O termo citado por Cabo Daciolo em 2018, durante o debate, faz referência a uma suposta "União da República Socialista Latino-Americana", cuja criação não tem respaldo em fontes oficiais. Na ocasião, o então candidato perguntou a Ciro Gomes:
— Ciro, o senhor é um dos fundadores do Foro de São Paulo. O que você pode falar aqui, para a população brasileira, para a nação brasileira, sobre o plano Ursal? O que o senhor tem para dizer? O plano União da República Socialista Latino-Americana?
Com expressão de espanto e aparentando estar segurando o riso, Ciro respondeu:
— Meu estimado cabo, eu tive muito prazer de conhecê-lo hoje e, pelo visto, o amigo também não me conhece. Eu não sei o que é isso, não fui fundador do Foro de São Paulo e acho que está respondido — resumiu o pedetista, acrescentando não saber do que se tratava o tal "plano Ursal".
Segundo reportagens publicadas à época, o termo "Ursal" remonta ao início do século, quando uma socióloga crítica ao PT cunhou a expressão para se referir ao Foro de São Paulo. A menção à entidade fictícia como se fosse real durante o debate gerou uma enxurrada de memes e piadas nas redes sociais, tornando-se um dos momentos mais marcantes daquela campanha.