Entenda em três pontos o voto do ministro Raul Araújo contra inelegibilidade de ex-presidente
A análise do caso foi retomada nesta manhã, com divergência a respeito também da inclusão da chamada "minuta do golpe" na ação
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recomeçou nesta quinta-feira (29) o julgamento da ação que pode tornar Jair Bolsonaro (PL) inelegível. A análise do caso foi retomada a partir do voto do ministro Raul Araújo, que divergiu do relator, Benedito Gonçalves, e afirmou não entender ter havido abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante uma reunião entre o Bolsonaro e embaixadores, no Palácio da Alvorada, antes das eleições de 2022:
"Nem todo o discurso veicula afirmações inverídicas. O Estado deve respeitar o direito das pessoas difundirem suas opiniões por meio dos diversos canais."
Raul Araújo chegou a reconhecer que Bolsonaro se “excedeu” no discurso, classificando alguns trechos de suas falas como “censuráveis”, mas argumentou que o ex-presidente não conseguiu deslegitimar as urnas, o que diminuiria a gravidade de suas declarações.
"Embora não se possa negar que as eleições de 2022 experimentaram um conjunto de percalços e dificuldades oriundo de discursos de discursos inverídicos, no qual a fala do então presidente Jair Messias Bolsonaro é exemplo significativo, há de se igualmente reconhecer que a Justiça Eleitoral foi capaz de conduzir o pleito de forma orgânica, com ampla e livre participação popular" afirmou.
O ministro também rechaçou as acusações de que houve uso indevido dos meios de comunicação, já que a reunião foi transmitida ao vivo pela TV Brasil e pelas redes sociais do próprio Bolsonaro.
"Tendo em vista que se tratou de evento organizado pela Presidência da Republica, em que presentes chefes de missão diplomática, à referida emissora de televisão compete prestar serviço no campo de radiodifusão de transmitir atos e matérias do governo federal. A reunião foi um ato solene, cujo protagonista foi o presidente da República, o que por si só justifica a atuação da referida empresa pública" destacou o ministro.
Na ação, o PDT pede que Bolsonaro seja considerado inelegível por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. O partido afirma que o então presidente criou um ambiente propício para a “propagação de toda sorte de desordem informacional”. A legenda ressalta que, ao transmitir o discurso na TV Brasil e em redes sociais, Bolsonaro teve “expressivo alcance na difusão de informações falsas já reiteradamente desmentidas”.
Em parecer lido na última quinta-feira, a Procuradoria-Geral Eleitoral defendeu que o ex-presidente seja considerado inelegível, alegando que o discurso “atacou as instituições eleitorais” e que isso contribuiu para “inquietar ânimos pessimistas com relação à legitimidade do pleito”.
Além da própria reunião, uma das principais provas é a justamente a minuta que sugeria uma espécie de intervenção no TSE, encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres. O PDT considera que a minuta era a “materialização da última fase de um plano milimetricamente traçado para derrubar o Estado Democrático de Direito”.
"Fatos sabidamente inverídicos"
No voto, o ministro Raul Araújo afirmou que na reunião entre o ex-presidente e embaixadores foram apresentados "fatos sabidamente inverídicos" e que já foram já desmentidos. Ele reconheceu ainda que o evento teve caráter eleitoral, mas pontuou que Bolsonaro abordou temas, como o voto impresso, que podem ser discutidos:
— Numa democracia não há de ter limites ao direito fundamental à dúvida. Cada cidadão é livre para duvidar".
Inclusão de "minuta golpista"
Raul Araújo também foi contra a inclusão da chamada "minuta do golpe" no processo, seguindo o entendimento da defesa do ex-presidente, considerando que o documento não guarda relação com o caso. Segundo os advogados de Bolsonaro, a minuta encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres é um "documento apócrifo que não pode ser considerado juridicamente" como prova e, por isso, "chancelar sua inclusão seria admitir relação dos investigados com a minuta".
"Inexiste qualquer elemento informativo capaz de sustentar para além de ilações a existência de relação entre a reunião e a minuta de decreto, a qual permanece de autoria desconhecida —argumenta o ministro — Articulo inexistir qualquer conexão com a demanda, além de perfazer documento apócrifo, que nem sequer pode ser juridicamente considerado como documento. Chancelar sua inclusão seria admitir relação dos investigados com a minuta" completou.
Liberdade de expressão
Durante o voto, Raul Araújo abordou temas constitucionais, como a livre participação política e a liberdade de expressão. O ministro ponderou que essas garantias são essenciais para a manutenção do Estado Democrático de Direito:
"Avanços à democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático."