Motim do grupo Wagner deixa núcleo agrícola da Rússia em estado choque
O presidente russo admitiu que vários pilotos morreram após bombardeios, mas não divulgou um balanço de vítimas
Crateras provocadas por bombardeios, casas destruídas e moradores em estado de choque. O motim abortado do grupo paramilitar russo Wagner provocou cicatrizes profundas no núcleo agrícola da Rússia, a centenas de quilômetros da frente de batalha na Ucrânia.
No sábado (24), colunas de veículos do grupo Wagner partiram do sudoeste do território em direção a Moscou, capital da Rússia, com o objetivo de derrubar o comando militar, acusado de mentiras e incompetência na guerra da Ucrânia.
A rebelião, liderada pelo fundador do grupo de mercenários, Yevgueny Prigozhin, representou o maior desafio ao presidente russo, Vladimir Putin, em mais de duas décadas de poder.
Após 24 horas de negociações, no entanto, Prigozhin aceitou partir para o exílio em Belarus e ordenou o recuo de seus homens.
Durante a ação relâmpago foram registrados confrontos, cujas circunstâncias ainda não estão claras, entre o grupo Wagner e o exército russo na região de Voronezh, 450 km ao sul da capital russa, uma zona agrícola famosa por sua terra fértil.
"Ouvimos o barulho de um avião, mas não o vimos. Deu voltas e voltas, depois ouvimos um apito e um estrondo, em seguida outro", conta Liubov, enfermeira do hospital de Anna, uma localidade próxima a Voronezh.
"As janelas de algumas pessoas quebraram e o gesso do teto da nossa casa caiu. Todos ficaram assustados", contou a mulher de 65 anos enquanto esperava por um ônibus.
"Aqui não precisamos da guerra", disse, antes de acrescentar: "Acredito que tudo ficará bem porque temos Putin neste país. Eu o respeito, o adoro, ele é um homem preparado".
"Bombardeios"
A saída da cidade está marcada pelas crateras provocadas pelos bombardeios contra a rodovia. As explosões também derrubaram árvores e um poste de energia elétrica.
Prigozhin afirmou que suas tropas derrubaram aviões militares russos. Também informou que dois combatentes do grupo morreram e vários ficaram feridos nos confrontos.
Putin admitiu que vários pilotos morreram, mas não divulgou um balanço de vítimas.
Na localidade de Yelizavetovka, em outra região de Voronezh, 19 casas foram danificadas nos combates.
"Houve tiroteio e bombardeios. Graças a Deus era muito cedo e as pessoas estavam dormindo", disse um morador que pediu para não ser identificado.
Uma funcionária do governo local pediu aos correspondentes da AFP que deixassem a localidade. Ela disse que os moradores ainda estavam "muito abalados" para falar e não deseja a divulgação de uma imagem "negativa" da região.
Na capital regional, Voronezh, com um milhão de habitantes, um depósito de combustíveis foi incendiado durante o motim.
"A culpa de Putin"
Algumas áreas incendiadas ficavam em uma das principais avenidas da cidade, próximo de um shopping center.
Os moradores entrevistados pela AFP se mostraram divididos.
Alguns elogiaram a ação do Kremlin e consideraram a crise encerrada, mas outros afirmaram que não se consideram seguros e expressaram apoio ao grupo paramilitar.
"Eles têm razão. Todos os apoiam, mas estão com medo de falar", declarou uma moradora de Voronezh que pediu anonimato justamente por temer a repressão aos críticos do governo.
"Conversamos sobre isso no carro, nas cozinhas, mas ninguém fala nada (em público), inclusive na internet, porque todos têm muito medo. Você pode terminar na prisão", acrescentou.
Inna, uma psicóloga aposentada de 60 anos, contou que ao tomar conhecimento do motim do grupo Wagner, ela correu para o mercado para comprar alimentos e fazer um estoque.
Apesar do fim da crise, ela considera que o cenário "não é tranquilizador".
"A incerteza persiste, há desconfiança sobre o que aconteceu", declarou.
Outra moradora afirmou à AFP que é contrária à operação militar na Ucrânia.
"Eu só quero paz. Considero que a culpa é de Putin. Ele trouxe à tona a escuridão da vida", disse.