Cigarro eletrônico em alta: 1 a cada 4 jovens no Brasil já usou o aparelho, mostra novo levantamento
Maioria dos brasileiros apontam "experimentação e curiosidade" como principal motivação para consumir os dispositivos, que não podem ser vendidos no país
Aproximadamente 1 a cada 4 jovens de 18 a 24 anos no Brasil (23,9%) já utilizou alguma vez um cigarro eletrônico, embora os aparelhos tenham a venda proibida no país. A tendência é de alta, no ano passado esse percentual era de 19,7%, ou seja, 1 a cada 5 indivíduos na faixa etária. O crescimento, em apenas 12 meses, foi de 21,3%.
Os dados fazem parte da pesquisa Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia, Covitel 2023, lançado na quinta-feira (29). O levantamento é conduzido pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e pela organização global de saúde pública Vital Strategies. Além disso, conta com o apoio da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Umane.
Entre janeiro e abril deste ano, o inquérito ouviu nove mil pessoas pelo país, parte de uma amostra representativa da população brasileira. Entre os principais resultados estão os dados referentes ao consumo dos cigarros eletrônicos, que tem crescido rapidamente no Brasil apesar das proibições pela vigilância sanitária.
Dos cerca de 24% de jovens que disseram já ter experimentado os dispositivos, 17,3% afirmaram não utilizar mais. Mas 6,1% dizem consumir os produtos conhecidos como "vape" e "pod" com certa frequência. Já 0,5% os utilizam diariamente. Na comparação, a edição de 2022 trazia apenas o dado de que, na época, 19,7% já haviam usado alguma vez.
O relatório mostra que de fato o consumo dos dispositivos é mais elevado entre os jovens. Considerando todas as faixas etárias, essa taxa de experimentação foi de 8% e apresentou pouca diferença em relação a 2022, quando era de 7,3%. Ainda assim, entre os 25 e 34 anos, houve um aumento semelhante ao observado nos mais novos: o percentual saiu de 10,3% para 13,2%.
Por que o cigarro eletrônico cresce?
A pesquisa mapeou ainda o que motiva as pessoas, de todas as idades, a buscarem os “vapes”. Para 20,5%, o uso foi para “experimentar/curiosidade”. Já 11,6% admitiram que é “porque está na moda”, e somente 11,4% disse consumi-los “porque gosta”. Outros 7,5% afirmaram ter feito o uso “para acompanhar amigos ou familiares”, e 6,8% “pelos sabores”.
Além disso, 4,3% disse utilizar o cigarro eletrônico porque ele “pode ser usado onde cigarro industrializado é proibido”. No entanto, uma nota técnica da Anvisa de maio reforçou que as mesmas regras referentes aos produtos convencionais são aplicadas aos dispositivos. Logo, eles não podem ser utilizados em ambientes coletivos fechados, sejam eles privados ou públicos.
O relatório Covitel 2023 apontou ainda que 5,8% alegaram motivos relacionados a um menor risco comparado com os cigarros tradicionais: “parar de fumar o cigarro industrializado”, por 3%; “não voltar a fumar o cigarro industrializado”, por 1,8%, e “faz menos mal do que o cigarro industrializado”, por 1%. Somente 0,3% associou o uso a um vício.
Cigarro eletrônico é permitido no Brasil? Onde é vendido?
Embora sejam facilmente encontrados em bancas de jornal e tabacarias pelo país, desde 2009 os cigarros eletrônicos têm a importação, a venda e a propaganda proibidas pela Anvisa. No ano passado, o órgão chegou a reavaliar a decisão à luz das evidências mais recentes e de pedidos para que os produtos fossem regulamentados no Brasil, que citavam o aumento no contrabando e a ausência de uma régua sanitária para os produtos que circulam.
No entanto, os especialistas da agência decidiram pela manutenção da proibição, ressaltando os riscos elevados para a saúde envolvidos nos dispositivos. Logo, por mais que tenham se popularizado nos últimos anos, e o consumo não seja proibido, o comércio dos vapes é ilegal, e os dispositivos contrabandeados não passam por uma avaliação.
Apesar dessa proibição, a Covitel mostra que ela não é suficiente para coibir o comércio e aponta quais são os lugares mais frequentes em que os usuários encontram os vapes à venda. A grande maioria (43,1%) citou “lojas, quiosques ou bares”. Outros 29,9% disseram comprá-los pela internet; 10,4% em “máquinas de vendas”; 3,1% de “amigos ou conhecidos” e 1,9% de “fora do país”. Por fim, 11,6% mencionaram “outros locais”.
Além disso, os entrevistados pelo levantamento disseram já ter visto propaganda na televisão sobre os dispositivos (57,3%), ainda que a prática seja vetada no país. Outros 17,6% afirmaram ter observado conteúdo publicitário na internet no geral; 15,7% nas mídias sociais; 1,9% em bares e 1,52% em filmes. 5,86% citaram “outros lugares”.
Quais os riscos do cigarro eletrônico?
Sobre os riscos, além de terem altas doses de nicotina, que podem levar mais facilmente ao vício, uma das maiores preocupações com os cigarros eletrônicos é a chamada “evali”, lesão pulmonar associada ao uso de cigarros eletrônicos. Acredita-se que a causa seja ligada a determinados solventes e aditivos utilizados nos produtos, que provocariam uma reação inflamatória no órgão.
“Já existem dados sobre os efeitos de curto prazo do uso do cigarro eletrônico: diminuição da função pulmonar, maior risco de eventos cardiovasculares, como infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e aumento do risco de crise anginosa, além de danos ao sistema imunológico. Há relatos, ainda, de maior incidência de convulsões entre os adolescentes usuários”, relata posicionamento da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) sobre o tema.
Além disso, análises já encontraram metais como níquel, que é cancerígeno, latão e cobre nos dispositivos. Como o produto vendido no Brasil é contrabandeado, as agências não sabem exatamente qual é a composição deles.
Recentemente, um novo estudo, publicado na revista científica Cells, mostrou ainda que os aparelhos criam reações químicas na boca que podem destruir bactérias consideradas boas para a saúde e aumentar a proliferação daquelas danosas, que causam cáries e doenças gengivais.
A pesquisadora e professora da Faculdade de Medicina da Universidade da Flórida Central, Claudia Andl, dos Estados Unidos, responsável pelo trabalho, diz ainda que essas alterações podem levar a casos de câncer na região.
"Em nossa pesquisa, nos concentramos em uma bactéria específica, Streptococcus mutans, comumente associada à cárie dentária. Em seguida, analisamos como o vapor do cigarro eletrônico afeta essa bactéria e outras comuns ao ambiente na boca. Acontece que o efeito antimicrobiano do líquido do cigarro eletrônico cria um ambiente onde as bactérias saudáveis têm problemas para crescer, mas as bactérias ruins não são afetadas e ficam com mais espaço para assumir o controle”, resume em comunicado.