Seca

Principal represa do Uruguai tem 2,4% de volume e governo inicia "vale água mineral"

Em Montevidéu, devido ao período de seca, o racionamento de água começou a ser feito pelas autoridades

Reservatório seco de Canelon Grande ao norte de Canelones, no sul do Uruguai, em 14 de março de 2023, enquanto o país atravessa uma forte seca - Pablo Porciuncula / AFP

"Que agonia tem o lago!", exclama Gustavo Aguiar, contemplando a redução do volume da represa Paso Severino, a principal fonte de água doce de Montevidéu e seus arredores, a área mais populosa do Uruguai, onde vivem cerca de 1,8 milhão de pessoas, e que, segundo as autoridades, poderá em breve ficar desabastecida, devido a uma forte seca que já dura mais de três anos.

Nos dia ensolarados e frios de inverno, muitas pessoas vão observar o estado do reservatório do rio Santa Lucía Chico, localizado a cerca de 90 km ao norte da capital.

— Está resistindo à seca, mas a chuva ainda não veio — acrescenta Aguiar, morador da região, à AFP, apontando o que “era um enorme espelho d’água”.

A forte seca que assola o Uruguai há mais de três anos levou as reservas de Paso Severino a níveis historicamente baixos: em 28 de junho, restavam apenas 1.652.547 m3, 2,4% de sua capacidade total.

A água represada não só não corre mais sobre o concreto cinza do vertedouro, como está vários metros abaixo dele. E o fluxo controlado que segue em direção à estação de tratamento de água, localizada 35 km a jusante, mal atinge as rochas à frente.

Uma placa lembra a data de inauguração da barragem: 30 de outubro de 1987. Foi então que o terreno ao redor foi alagado. Mas hoje a queda de água é tão acentuada que surgiram pontes submersas há mais de três décadas.

"Problema tremendo"
Aos 60 anos, José Luis Deniz lembra muito bem de quando atravessava de bicicleta a Ponte Velha do Severino.

— Desapareceu com o reservatório, ficou literalmente coberta — ele diz.

Oo esqueleto enferrujado reapareceu no meio de uma paisagem apocalíptica. Onde antes havia água, agora há lama rachada. Os caracóis brancos incrustados no barro seco brilham ao sol do meio-dia.

— É impressionante — comenta Rebeca Imbert, de 18 anos, que nasceu e foi criada ali perto, ao chegar de moto com dois primos, determinados a ver com os próprios olhos o que seus pais lhes contaram.

Raúl Damiano tem 53 anos e muitas lembranças do lago.

— Eu vinha sempre para pescar. Vê-lo assim é realmente impressionante pela quantidade de água que falta — afirma.

O reservatório de Paso Severino tinha uma área de 1.487 hectares quando a barragem operava acima de sua cota de 36 metros, segundo dados da Obras Sanitárias do Estado (OSE), empresa estatal que fornece água potável no Uruguai.

Já ocorreram secas antes, mas nenhuma como esta, diz Julio Sánchez, um agricultor aposentado de 78 anos que faz parte de um grupo de historiadores locais.

— Hoje passei por Canelón Grande e isso é realmente assustador — diz ele sobre um reservatório próximo que fornecia água para Montevidéu e que se esgotou em março. — Toda a sociedade tem que se conscientizar de que estamos diante de um problema tremendo.

Distribuição de água mineral
Para aliviar a falta de chuvas, há dois meses a OSE tem misturado a água do Paso Severino com outra de cursos próximos ao Rio da Prata, mais salobra porque vem do estuário. Isso forçou um aumento temporário nos níveis máximos de cloreto e sódio permitidos, válido até 20 de julho. Segundo o último relatório diário, em uma linha de bombeamento da região metropolitana esses níveis estavam acima do autorizado.

O presidente Luis Lacalle Pou, que decretou emergência hídrica há dez dias para facilitar a tomada de medidas, afirmou na quinta-feira que não há solução imediata.

— Estamos tentando administrar da melhor maneira possível as reservas que temos e realizando obras que levarão 30 dias — declarou a repórteres, referindo-se à barragem projetada no rio San José. — Se não chover, haverá um período em que a água não será potável, [podendo ser utilizada apenas para] lavagem, banho e saneamento.

Lacalle Pou informou ainda que a água potável representa, em média, 5% do total da água consumida em uma casa. E garantiu que quase um terço dos afetados terá água mineral "grátis", enquanto o restante a terão "sem impostos".

Na quinta-feira, o governo anunciou que a partir da próxima semana mais de 500 mil pessoas residentes na região metropolitana receberão dinheiro para comprar dois litros de água mineral por dia. A isenção fiscal para a água engarrafada foi aprovada pelo Parlamento em 21 de junho.