Entenda em 6 pontos por que Bolsonaro está inelegível e Trump, não
Nos EUA, há poucos limitantes para que alguém fique inapto de concorrer à Presidência
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) votou nesta sexta-feira, por cinco votos a dois, para deixar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível até 2030 por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação ao disseminar inverdades sobre o sistema eleitoral brasileiro durante uma reunião com embaixadores faltando três meses para as eleições de 2022. O ex-presidente americano Donald Trump, réu em dois processos criminais, contudo, está não só apto para concorrer à Casa Branca em 2024, como é o grande favorito para ser o candidato republicano. Entenda por que apenas um deles está inelegível.
Regras eleitorais nos EUA e no Brasil são diferentes
Isso ocorre em parte porque as diferenças entre os processos eleitorais de ambos países são significativas: a maior delas é que no Brasil há uma Justiça Eleitoral cujos atributos incluem organizar, fiscalizar e apurar as votações, e há regras unificadas para todo o país. No caso americano, cada um dos 50 estados determina suas próprias diretrizes — não há padrão em como a votação ocorre e os procedimentos com frequência são alvos de tentativas de manipulação de grupos que buscam tirar proveito político.
Os pormenores do sistema eleitoral americano foram inclusive citados pelo ministro Kassio Nunes Marques durante seu voto. O magistrado indicado por Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 votou para absolver o ex-presidente, mas ao ressaltar a lisura das urnas eletrônicas e chamar o sistema eleitoral brasileiro é o "mais avançado do mundo" disse que nos EUA há "tormentoso debate" sobre as regras americanas.
— Enquanto nos Estados Unidos da América há tormentoso debate sobre a necessidade da apresentação de documento para votar, que divide os dois principais partidos, republicanos se põem a favor e democratas, contra, temos aqui a identificação biométrica do eleitor como exigência para habilitar a urna — disse ele.
O imbróglio ao redor da identificação ocorre porque não são todos os americanos que tem acesso a documentos de identidade com foto. De acordo com dados do projeto Indivisible, 18% dos eleitores com mais de 65 anos, 16% dos eleitores latinos, 25% dos eleitores negros e 15% dos eleitores de baixa renda não têm a documentação necessária — todos grupos que historicamente tendem a apoiar o Partido Democrata.
Do que Trump é acusado?
Trump é réu em duas ações criminais, uma na Justiça federal e outra no estado de Nova York, além de ser alvo de outras investigações que podem complicá-lo ainda mais com a Justiça.
Em abril, o ex-mandatário declarou-se inocente das 34 acusações na Justiça Estadual de Nova York referentes à falsificação de registros comerciais antes das eleições presidenciais de 2016, incluindo o suposto suborno de US$ 130 mil da atriz pornô Stormy Daniels para abafar um caso extraconjugal que mantiveram dez anos antes, e que ele sempre negou.
No início de junho voltou ao banco dos réus, desta vez no braço da Justiça Federal na Flórida, para ser imputado das 37 acusações de que pôs em risco segredos de Estado e obstruiu a Justiça de recuperar documentos sigilosos que armazenou ilegalmente consigo ao deixar o poder em 20 de janeiro de 2021. Nenhum dos casos, contudo, o impede de concorrer.
Por que ele pode ser novamente candidato?
Se no Brasil há a Lei da Ficha Limpa, que determina a inelegibilidade por oito anos de candidatos condenados por crimes de várias naturezas ou têm processos em andamento já aprovados na Justiça Eleitoral, entre outros, nos EUA há poucos limitantes federais para candidaturas. A Constituição americana não tem nada que impeça um réu de concorrer à Presidência da República.
Os únicos critérios listados pela Carta são que o postulante deve ser um cidadão nato americano e ter mais de 35 anos. Portanto, mesmo que venha a ser condenado, Trump poderia eventualmente voltar a à Casa Branca caso seja eleito.
O ex-presidente é não só pré-candidato, mas o favorito para representar os republicanos nas eleições gerais de 2024. De acordo com o agregador de pesquisas RealClearPolitics, Trump tem 52,4% dos votos dos republicanos, contra 21,5% do vice-líder, o governador da Flórida, Ron DeSantis.
A projeção da disputa geral com o presidente Joe Biden é mais acirrada: segundo o mesmo compilador, o antigo mandatário tem 44,1% dos votos, 0,6 ponto percentual a mais que seu sucessor, com 44,1%. A qualidade e os critérios de várias pesquisas, contudo, são questionáveis, e o democrata aparece na dianteira em vários levantamentos questionáveis.
Por que Bolsonaro está inelegível?
O TSE votou por cinco votos a dois para deixar Bolsonaro inelegível por oito anos — os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Floriano Marques e André Ramos Tavares votaram para condená-lo, enquanto Raul Araújo e Kassio Nunes Marques votaram pela absolvição. O tribunal concordou que o ex-presidente cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na reunião com embaixadores em 22 de julho do ano passado no Palácio da Alvorada.
Bolsonaro usou o encontro, transmitido ao vivo pela TV Brasil e pelas redes sociais, para atacar o sistema eleitoral brasileiro, buscando deslegitimá-lo. A ação de investigação judicial eleitoral (Aije) protocolada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) analisou ainda a "minuta golpista", um documento que sugeria uma espécie de intervenção no TSE encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Ele pode recorrer?
A inelegibilidade, na prática, passará a valer no momento que o TSE publicar o acórdão com a decisão colegiada, o que deve ocorrer apenas depois do recesso do Judiciário, marcado para o mês de julho. Bolsonaro contudo, ainda pode apresentar recursos na própria Corte eleitoral e no Supremo Tribunal Federal (STF) — algo que sua defesa já indicou ter planos de fazer.
Caso a decisão do TSE ficar mantida, Bolsonaro não estará apto para participar dos pleitos municipais de 2024 e de 2028, além da disputa nacional de 2026. Curiosamente, por uma diferença de apenas quatro dias, o ex-presidente poderá voltar a participar de eleições já em 2030.
A penalidade de oito anos vale a partir da eleição na qual o candidato concorreu ou da data que tenha sido diplomado. No caso do ex-presidente, a contagem começa em 2 de outubro de 2022, quando ocorreu o primeiro turno do pleito em que foi derrotado.
A pena, portanto, se encerra em 2 de outubro de 2030. Como o primeiro turno das eleições de 2030 está previsto para ocorrer no dia 6 de outubro, Bolsonaro já terá, teoricamente, cumprido a suspensão quatro dias antes do pleito.
Mas Trump também não pôs em xeque a lisura das eleições dos EUA?
Trump fez ataques consistentes à lisura do sistema eleitoral americano desde antes da eleição de novembro de 2021 acontecer, e insistiu em sua cruzada antidemocrática após a votação. Mais de 50 processos foram abertos em estados-pêndulo, mas não teve sucesso em nenhum.
Diferentemente do Brasil, a eleição americana é indireta, com cada unidade federativa essencialmente elegendo os delegados que a representarão no Colégio Eleitoral — cada delegação tem seu tamanho determinado pela quantidade de habitantes em um determinado estado. Em grande parte dos processos, Trump tentava fazer com que os delegados fossem na contramão do desejo dos eleitores ou buscava questionar a lisura dos pleitos, alegando fraudes nunca comprovadas.
A retórica trumpista atingiu seu auge em 6 de janeiro de 2021, quando o ex-presidente incitou seus apoiadores a invadirem o Capitólio americano durante a sessão que confirmaria a vitória de Biden. O evento, dois anos e dois dias depois, inspirou os ataques de apoiadores de Bolsonaro contra prédios dos Três Poderes em Brasília.
Os atos de Trump, contudo, estão sob investigação. O Departamento de Justiça americano investiga a conduta do ex-presidente no que diz respeito ao ataque ao Capitólio e, no ano passado, uma comissão bipartidária da Câmara recomendou que ele fosse acusado por insurreição e fraude. O estado da Geórgia, por sua vez, investiga suas tentativas de intervir no pleito — trabalho cujas evidências incluem uma ligação do então presidente para as autoridades eleitorais locais "encontrarem" os votos que faltavam para garantir sua vitória.