BRASÍLIA

A sociedade do espetáculo e a necessidade da política

Consumo e espetáculo andam juntos e não era por mero acaso que Steve Jobs montava um verdadeiro show para anunciar as novidades da Apple

Steve Jobs anunciava os produtos da Apple em um verdadeiro show. Na foto, o primeiro iPhone - Tony Avelar/AFP

A sociedade do espetáculo. Não interessa se é dantesco, sangrento ou cômico. A política precisa cotidianamente. Consumo e espetáculo andam juntos e não era por mero acaso que Steve Jobs montava um verdadeiro show para anunciar as novidades da Apple. Misturava poder, desejo e fascinação. Agora, estamos em plena era do governo-espetáculo. Lula e sua agenda internacional, guerra na Europa, julgamentos midiáticos de Bolsonaro e Trump, o show não pode parar.

Obama consolidou a campanha espetáculo em 2008, transformando a comunicação política em multimídia, mostrando pela primeira vez que estar em todos os lugares ao mesmo tempo dava voto. Assim, ele passou a ser visto e ouvido no YouTube, nas redes sociais, nos sites de notícias, na TV, no rádio, nos santinhos, adesivos e onde mais a criatividade conseguisse colocá-lo. Tenho 2 suvenires da época da primeira campanha: uma caixa de “presidential peppermints” e um pacote de camisinhas “use with good judgement”. Lá se vão 15 anos.

Trump seguiu com seu espetáculo midiático, onde o enfrentamento e a truculência eram os principais ingredientes. A direita europeia se assanhou com o Eric Zemmour, o jornalista judeu de 63 anos que dizia aquilo que ninguém tinha coragem de dizer aos franceses. Mas seu assanhamento durou pouco e o centro de Macron venceu outra vez. Agora a direita volta a crescer na Europa e pode tomar o poder na Espanha, como ocorreu na Itália de Giorgia Meloni.

A civilização do espetáculo privilegiou o entretenimento como motor da ação política e do ato de governar. Na política brasileira, a tendência se tornou cada vez mais forte a partir de 1989 com a campanha presidencial de Fernando Collor e seus efeitos especiais até Lula prometer em 2002 o “espetáculo do crescimento”, que ele agora fala em retomar duas décadas depois. Ninguém vence nem convence se não der show. Bolsonaro governou espetacularizando as redes sociais ao usar e abusar de lives, tuítes ou com os vídeos de super-heróis postados pelos seus apoiadores.

Enéas Carneiro foi um exemplo do político-espetáculo, quando este estilo ainda vivia sua idade da pedra. Conquistando o público com seu bordão “meu nome é Enéééasss”, conseguiu 1,5 milhão de votos em São Paulo no início dos anos 2000, Estado onde também se elegeram Tiririca, Clodovil e o pastor Marco Feliciano – este último um político que não parou de crescer desde que partiu para a briga num embate espetacular com seus adversários na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Enéas e Feliciano são casos típicos de políticos que precisam do processo – não dos resultados – para ganhar votos. A esquerda viu nascerem heróis a partir deste mesmo drive como José Dirceu, que tudo fez para transformar o julgamento do Mensalão num processo de luta política e depois repetiu com a Lava Jato, derrotada por um Judiciário que não admitiu ousadias e molecagens. Moro e seus procuradores amestrados enjaularam Lula, mas ele voltou e agora são eles os alvos. Nem Dias Gomes com seu genial Odorico Paraguaçu ousou tanto. A vida dando de 10 a zero na arte.

Na Argentina, onde teremos eleições este ano, o show é de horrores. Xavier Milei, candidato de extrema-direita é um dos líderes nas pesquisas junto com a ex-ministra da segurança Patricia Bullrich, seguidos por Sergio Massa, ministro da Fazenda de um governo com uma inflação de 3 dígitos. O presidente Alberto Fernández desistiu de concorrer, Cristina Kirchner e Mauricio Macri também. O que vai sair desta Argentina em frangalhos, país do Papa e da Copa, ainda é uma incógnita.

No começo era Roger Ailes, ex-marqueteiro de Nixon e Reagan, da máxima “você é a mensagem”, passamos pela era de marqueteiros como Nizan Guanaes, João Santana, David Axelrod, Duda Mendonça e Steve Whitford da Pepper Communications, que evoluíram para “você é o espetáculo”. Agora vivemos a era do poder-espetáculo, cujos maiores protagonistas são o mandatário e seus adversários de peso. A comunicação focada no entretenimento, no show da mídia e das redes sociais, transformou a política e seus atores. Tudo isso faz parte do show. Como Lula e Janja ou Jair e Michelle.