ELEIÇÕES 2022

Sob comando de Bolsonaro, um terço das blitzes da PRF no segundo turno ocorreu no Nordeste

Corporação dedicou a maior parte dos esforços para a região, onde Lula teve mais votos; estados representam apenas 17,6% da frota de veículos do país

O EX-diretor-geral da Polícia Rodoviária Nacional, Silvinei Vasques, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro - Divulgação/PRF

Um em cada três veículos parados em fiscalizações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia do segundo turno da eleição de 2022 foi abordado no Nordeste, onde o então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, construiu sua maior vantagem sobre Jair Bolsonaro na primeira etapa da votação.

Os dados foram obtidos pelo Globo via Lei de Acesso à Informação. Apesar de concentrar um terço das ações, a região reunia em outubro do ano passado, quando o pleito ocorreu, 17,6% da frota de veículos do país, segundo informações do Ministério dos Transportes.

Os números da PRF mostram que 2.887 veículos foram parados no Nordeste em fiscalizações de equipamentos obrigatórios e de identificação veicular, tipo de blitz que provocou reclamações de moradores da região no último 30 de outubro. O volume representa 31,6% do total das abordagens no país (9.133). Já no Sudeste, onde circulam 47,8% da frota brasileira, a corporação parou menos veículos no segundo turno, 2.543, o que representou 27,8% das abordagens.

Na primeira fase do pleito, Lula alcançou 66,76% dos votos válidos no Nordeste, contra 26,97% de seu principal adversário. No Sudeste, diferentemente, Bolsonaro saiu na frente, por 47,56% dos votos a 42,63%.

Nas demais regiões, houve um equilíbrio entre o número de veículos parados e o tamanho da frota de cada lugar. Entram na conta todos os tipos de veículos — carros, motos, ônibus e táxis.
 

Os números reforçam a suspeita de que houve uma desproporcionalidade na atuação da corporação no Nordeste, supostamente motivada por razões políticas, o que é objeto de um inquérito da Polícia Federal que tem como alvos o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-diretor-geral da PRF Silvinei Vasques.

A PF apura se os bloqueios montados nos estados do Nordeste tiveram o objetivo de dificultar o comparecimento de eleitores de Lula às urnas. Segundo investigadores do caso, o mero fato de existir uma blitz em uma cidade do interior, onde grande parte dos moradores se locomove em motos — que muitas vezes estão em situação precária —, já é suficiente para intimidar deslocamentos.

Depoimentos
Vasques prestou depoimento à CPI que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro no último dia 20 e negou irregularidades. Ele ponderou que o Nordeste tem a maior malha de rodovias federais — o que ajudaria a explicar, em parte, os números —, mas negou que as fiscalizações tenham sido mais intensas na região. “O Nordeste e o Norte foram os locais em que a polícia menos realizou fiscalização (no segundo turno). Onde mais se fiscalizou foi no Sudeste, depois no Sul e no Centro-Oeste”, disse o ex-diretor-geral da PRF, citando uma suposta média de veículos parados por ponto de fiscalização (blitz), que teria sido menor naquelas regiões. Os registros de veículos abordados em todo o país, no entanto, põem em xeque essa informação. Procurada para comentar, a defesa de Vasques não se manifestou.

Torres também foi convocado a prestar esclarecimentos aos parlamentares e teve seu depoimento marcado para o dia 11 de julho. A atuação da PRF, que estava subordinada a Vasques e Torres no período eleitoral, é uma das principais linhas de investigação nesta fase inicial da CPI, conforme o roteiro traçado pela relatora, a senadora governista Eliziane Gama (PSD-MA).

À PF, o ex-ministro da Justiça disse em depoimento que não interferia no trabalho das polícias e que sua preocupação no segundo turno era com crimes eleitorais em geral, independentemente de candidato ou partido.

Votos mapeados
No inquérito da PF, um dos principais elementos da investigação é uma planilha elaborada entre o primeiro e o segundo turno pela Diretoria de Inteligência do Ministério da Justiça com a lista de cidades onde Lula e Bolsonaro tiveram mais de 75% dos votos na primeira etapa do pleito. A suspeita é que essa tabela tenha servido de base para a programação dos bloqueios nas vias, em especial no Nordeste.

Às vésperas do segundo turno, Torres viajou à Bahia e teve uma reunião de última hora com o superintendente da Polícia Federal no estado, a quem sugeriu que os policiais federais trabalhassem em conjunto com a PRF no dia da votação a fim de reforçar o número de agentes nas ruas. A ideia acabou não se concretizando porque o então chefe da PF na Bahia, delegado Leandro Almada, considerou a sugestão “inadequada”.

Mesmo sem a atuação conjunta das duas corporações, a Bahia teve o maior número de veículos parados entre os nove estados do Nordeste (1.082). Além de ser o maior colégio eleitoral da região, com 11,2 milhões de eleitores, a Bahia foi o segundo estado que mais deu votos proporcionalmente a Lula no primeiro turno — 69,73%, contra 24,31% de Bolsonaro —, atrás apenas do Piauí.

"Fatos novos"
Somente em Feira de Santana (BA), a PRF fez 351 abordagens para inspecionar equipamentos obrigatórios, como para-choques, luzes e outros itens. No dia do pleito, o senador Otto Alencar (PSD-BA) publicou um vídeo nas redes sociais no qual denunciou uma suposta parcialidade da PRF durante sua passagem pela cidade com destino a Salvador, a 100 km de distância, onde fica seu local de votação.

“Quando fui entrando no município de Feira de Santana, fui parado pela Polícia Rodoviária Federal, e eu observei que os carros parados todos tinham os adesivos do 13 à frente do carro, como tem o meu. A polícia parou, pediu meu documento, o do motorista, e depois de algum tempo fomos liberados”, queixou-se o senador na ocasião.

Questionada, a PRF informou que as investigações internas sobre a atuação do órgão no segundo turno foram reabertas em abril e estão sob análise da Corregedoria-Geral. A corporação acrescentou que as “apurações foram retomadas nas superintendências da PRF em todos os estados, pois algumas delas apresentaram, em alguma medida, indicadores operacionais que merecem ser analisados detalhadamente”. O órgão disse ainda que a reabertura foi motivada pelo surgimento de “fatos novos” e em decorrência de “ lacunas técnicas no decorrer do processo apuratório” anterior.