FRANÇA

Violência popular na França deixa danos de R$ 5,2 bilhões após morte de jovem baleado pela polícia

Em reunião com prefeitos, Macron disse que o "pico" das manifestações já passou e promete "tentar compreender" o motivo dos atos

Quarenta carros foram incendiados durante protesto por morte de adolescente, na França - Zakaria Abdelkafi / AFP

O presidente da França, Emmanuel Macron, disse nesta terça-feira (4) para 220 prefeitos que já passou o "auge" da violência popular no país, uma semana após o jovem Nahel Merzouk, de 17 anos, ser morto com um tiro à queima-roupa pela polícia durante uma blitz de trânsito em Nanterre, na periferia parisiense. Os custos dos distúrbios desencadeados pelos protestos, estima-se, devem ficar ao redor de 1 bilhão de euros (R$ 5,2 bilhões).

O presidente recebeu os governantes locais, geralmente na linha de frente de tais incidentes, no Eliseu após o ataque de domingo contra a casa do prefeito de L'Haÿ-les-Roses, cidade que fica a 10 km ao sul de Paris. Um carro em chamas foi lançado contra a casa do político direitista Vincent Jeanbrun, que estava na Prefeitura no momento do ataque. Ele não ficou ferido, mas sua mulher quebrou a tíbia ao tentar fugir com os dois filhos pequenos do casal.

"É um retorno permanente à calma? Eu serei cauteloso, mas o pico que vimos nos últimos dias passou" disse Macron, de acordo com um dos participantes."Todos nós queremos uma ordem republicana, permanente (...). É a prioridade absoluta."

O presidente afirmou ainda aos governantes das cidades afetadas que tentará "compreender as causas que provocaram os atos".

A morte de Merzouk desencadeou um antigo ressentimento com a polícia, que enfrenta acusações históricas de uso excessivo de força e discriminação em suas práticas, especialmente contra moradores das periferias, mais pobres e com grandes populações imigrantes. A oposição em ambos lados do espectro político usa a crise como evidência de que o governo não consegue garantir a segurança pública e reduzir a disparidade econômica.

Por mais que o motivo por trás da violência seja compreendido, também há forte condenação à onda de violência, que o governo diz ser responsabilidade de uma minoria que busca causar desordem. A avó de Nahel, Nadia, pediu na segunda em entrevista ao canal BFMTV que as pessoas parem os atos de vandalismo, juntando-se aos pedidos de outros parentes e autoridades.

A violência parece ter cessado nas últimas horas, segundo o Ministério do Interior, frente ao grande efetivo de segurança deslocado pelo governo — as autoridades mantiveram um efetivo de 45 mil policiais e outros agentes de segurança nas ruas pela quarta noite consecutiva. Apenas 72 pessoas foram presas entre segunda e terça, incluindo 24 em Paris. Na madrugada anterior, os detidos haviam sido 157.

Em momentos prévios, os presos em uma única madrugada chegaram a 1,3 mil. De sábado para domingo, foram mais de 700 detidos. Ao todo, cerca de 3,5 mil pessoas foram presas na última semana, muitos deles jovens, o que levou Macron a culpar redes sociais como o TikTok e o Snapchat por permitirem que os jovens se mobilizassem livremente.

De acordo com o Ministério do Interior, 24 edifícios foram danificados entre segunda e terça, 159 veículos foram queimados e houve 202 pontos de incêndio nas ruas durante a sétima noite de violência. Ninguém ficou ferido.

Segundo o Movimento das Empresas da França (Medef), o principal sindicado patronal do país, o custo da violência para o setor privado é estimado em 1 bilhão de euros (R$ 5,2 bilhões): ao todo, foram mais de 200 empreendimentos vandalizados, 300 bancos e 250 lojas de tabaco vandalizadas. Os custos não incluem danos a escolas, prefeituras, centros comunitários e outros espaços similares.

"Os vídeos dos distúrbios que circulam pelo mundo prejudicam a imagem da França " disse Geoffroy Roux de Bézieux, presidente do sindicato patronal, em entrevista ao jornal Le Parisien. "É sempre difícil dizer se o impacto será duradouro, mas certamente haverá uma queda nas reservas neste verão [boreal], apesar de a temporada ter parecido promissora. Muitas delas já foram canceladas.'

Na segunda (3), o mesmo período estimou em 20 milhões de euros (R$ 104,43 milhões) o custo dos danos a ônibus, bondes elétricos e outras infraestruturas de transportes públicos incendiados pelos manifestantes.

O ministro das Finanças, Bruno Le Maire, se reuniu nesta segunda com donos de lojas na cidade de Arpajon, no sul de Paris, para discutir as repercussões. A repórteres, ele afirmou que as seguradoras francesas concordaram em prorrogar o prazo para que donos de lojas façam registros de danos causados pelos protestos, passando o prazo de cinco dias para um mês.

As seguradoras também ponderarão reduzir os custos arcados por empresas independentes que foram mais prejudicadas, prometendo pagar as compensações o mais rápido possível, segundo o ministro. O governo também avalia suspender cobranças sociais e fiscais de tais negócios.

"Se sua loja foi incendiada e o trabalho de uma vida foi reduzido a cinzas, o Estado deve estar ao seu lado" disse ele. "Nós faremos tudo que for necessário para que a atividade econômica possa calmamente ser retomada no nosso país da forma mais rápida possível."

Movimentos trabalhistas e manifestações de rua são tradicionais na França, mas ganharam tom mais intenso e conflituoso nos últimos anos, refletindo as divisões na sociedade francesa. Antes dos protestos previdenciários e da pandemia, por exemplo, houve os coletes amarelos — o que começou em 2018 contra um imposto nos combustíveis acabou se ampliando com queixas sobre o custo de vida.

O estopim para os protestos da última semana, contudo, foi o assassinato de Merzouk, um jovem de descendência norte-africana em um incidente cujo vídeo circula nas redes sociais. O jovem, que supostamente dirigia sem documentos, foi abordado por uma blitz de trânsito e, ao acelerar com o veículo, foi alvo de um tiro à queima-roupa. Na gravação, é possível ouvir: "Você vai levar uma bala na cabeça".

A tentativa de fuga acabou alguns metros adiante, quando o carro bateu em um poste. Baleado no peito, o jovem morreu logo em seguida. O policial que fez o disparo não teve sua identidade revelada, mas foi posto sob investigação formal devido às suspeitas de homicídio culposo e detido preventivamente.

A família de Merzouk classificou a reação do policial como "injustificável", e um dos dois passageiros que estavam com o jovem no carro já foi questionado pela polícia e liberado. O outro fugiu da cena após o incidente, mas prestou depoimento na segunda.