Nicarágua

Entenda por que o bispo Rolando Álvarez voltou para a prisão do regime de Ortega na Nicarágua

Religioso não aceitou deixar o país e exigiu liberdade sem imposição de condições para ele e outros presos políticos, em negociações que envolveram representantes do Vaticano

O bispo Rolando Álvarez discursa durante missa em Matagalpa, na Nicarágua - Reprodução

A pretensão de Daniel Ortega e Rosario Murillo, era, mais uma vez, que o bispo Rolando Álvarez aceitasse o exílio, agora por meio de contatos estabelecidos pelo regime sandinista com o Vaticano para negociar a liberação do religioso de Matagalpa — a voz mais crítica da Igreja Católica na Nicarágua. A negociação começou e naufragou em menos de 30 horas, esta semana.

A ideia de enviar Álvarez em um avião para Roma foi confrontada pela convicção do religioso — condenado a 26 anos de prisão, em fevereiro — de que não deixará “sua pátria” porque “não cometeu nenhum crime”.

Foi a segunda tentativa frustrada do casal presidencial de expulsar o sacerdote. Em fevereiro, quando 222 presos políticos foram mandados para os Estados Unidos, o bispo se negou a entrar na aeronave fretada para a viagem. Com isso, impediu a tentativa do regime de se livrar do custo político de manter presos por questões ideológicas em condições desumanas nas carceragens do país, desde junho de 2021. Ao mesmo tempo, a firmeza do religioso contra o exílio não só manteve o apelo nacional e internacional por sua libertação, mas também pela liberdade de outros 30 prisioneiros políticos como ele.

A primeira tentativa de exílio frustrada desencadeou a ira do casal presidencial. O bispo foi logo condenado a 26 anos de prisão por “traição à pátria” e transferido para a penitenciária, depois de estar em detenção domiciliar deste a captura, em agosto do ano passado. Em um discurso no dia da condenação, Ortega chamou Álvarez de “terrorista”. A partir daí, a perseguição aos católicos se intensificou.

Analistas políticos acreditam que toda essa pressão — que inclui proibições a procissões na Semana Santa, expulsão de freiras do país e cobrança de impostos de igrejas — se destina a forçar o Vaticano a tirar o bispo incômodo da Nicarágua.

Álvarez se converteu no maior apoio moral da Igreja neste contexto de repressão à liberdade de exercer a fé católica. Uma pesquisa do CID Gallup, encomendada pelo portal de notícias Confidencial, revela que 76% das nicaraguenses são contra a condenação do bispo.

Negociação fracassada
O casal presidencial atravessa um profundo isolamento internacional por causa da repressão e totalitarismo do Estado nicaraguense. É quase impossível manter pontes com o governo da Nicarágua sem que sejam dinamitadas pelos líderes. O regime “suspendeu” relações diplomáticas com o Vaticano, em março, depois do Papa Francisco classificar o governo sandinista como uma “ditadura hitleriana”. Com isso, o canal de diálogo com a Santa Sé se rompeu.

Mesmo assim, o presidente da Conferência Episcopal da Nicarágua (CEN), o bispo Carlos Herrera, insistiu na abertura de conversas com o governo para liberar o companheiro de Diocese, o que não prosperou. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, durante viagem a Roma, no mês passado, que intercederia pela liberação de Álvarez.

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Os contatos que ocorreram de fato foram mantidos em segredo, até terça-feira, quando fontes diplomáticas informaram que o bispo havia sido retirado da penitenciária La Modelo. Foi revelada uma negociação em curso do regime com o Vaticano e a CEN para viabilizar a libertação do religioso. O suspense sobre o paradeiro do bispo se manteve durante todo o processo de negociação. Fontes diplomáticas e religiosas ouvidas pelo El País concordaram que a negociação foi “dura e tensa”. Um representante da Secretaria de Relações Exteriores do Vaticano participou de uma chamada de vídeo com autoridades do governo e os religiosos. No entanto, Álvarez rejeitou os termos do acordo proposto pelo regime de Ortega para seu exílio.

A negociação não avançou e naufragou quando o bipo impôs sua postura inabalável de exigir, além de permanecer no país, que seja libertado sem condições, assim como todos os demais sacerdotes condenados pelo governo sandinista. O religioso também pediu o desbloqueio de contas bancárias ligadas à Igreja da Nicarágua. Todas as demandas de Álvarez foram rejeitadas pelos sandinistas.

O cardeal Leopoldo Brenes procurou diminuir o interesse da imprensa no caso e chamou de “pura especulação” a notícia de que o bispo teria sido retirado da prisão.

— Ele se mantém na cela em La Modelo — disse o cardeal, criticando a cobertura da imprensa e alegando que não teve contato com o preso.

Álvarez insistiu que abandonaria a Nicarágua apenas se recebesse uma ordem expressa do Papa Francisco. Até agora, não há confirmação de que o Pontífice tenha emitido qualquer ordem nesse sentido.

— Francisco não mandou que ele abandone o país para viajar a Roma, nem antes, nem nesta negociação — afirmou a fonte diplomática.

Com o fracasso da negociação, Álvarez voltou para a penitenciária, na manhã de quarta-feira, onde está preso em uma cela solitária, desde fevereiro.