MORADIA

Dois desabamentos em dois meses: tragédias evidenciam problema habitacional na RMR

Desabamento de prédio em Paulista deixa vários mortos e reacende discussão sobre políticas de habitação

Desabamento no Janga, em Paulista, reacende debate sobre crise habitacional - Foto: Alexandre Aroeira/Folha de Pernambuco

Um prédio residencial desabou na manhã de sexta-feira no Conjunto Beira-Mar, no bairro do Janga, em Paulista, Região Metropolitana do Recife (RMR), e deixou ao menos oito mortos, até o fechamento desta edição. O desabamento aconteceu pouco mais de dois meses após a queda do Edifício Leme, em Olinda. A recorrência desse tipo de caso na RMR faz com as seguintes questões venham à tona: como evitar que tragédias como essas se repitam? E o que a ocupação desses prédios diz sobre as políticas de habitação em Pernambuco?

Segundo o arquiteto e urbanista Roberto Montezuma, as tragédias, que deixaram mais de 14 mortos em um intervalo 70 dias, evidenciam um problema habitacional. As ocupações de prédios condenados, comuns nos municípios do Grande Recife, são reflexos da falta de alternativas de moradia e de políticas públicas voltadas às populações mais vulneráveis. 

“Há um problema de desigualdade imensa, de emprego e renda; nesse contexto, há a ocupação desses edifícios, que já estão abandonados, e essas estruturas tendem a ruir. Tudo isso porque essas pessoas não têm para onde ir, é um problema complexo que requer um planejamento a longo prazo. Se a gente não tem visão de futuro, vamos ficar só apagando o fogo a cada ano, a cada inverno, sem resolver nunca o problema”, disse o arquiteto, defendendo a adoção de um plano integrado de habitação entre as cidades da Região Metropolitana. 

Para Roberto Montezuma, a resolução real desse problema não passa por ações imediatas. “Não é um problema de um governo, é um conjunto de demandas que não foram cumpridas durantes várias gestões. Essas coisas só se resolvem em um espaço de uma geração, de 25 anos, dentro de um plano de ação integrada que contemple a habitação popular”, afirmou. 

“Habitação não é só a casa, é um conjunto de coisas que fazem a moradia. Tudo isso tem que ser planejado, se não houver planejamento, não dá certo. A gente não pode deixar que a cidade seja feita ‘solta’, porque quem vai suprir a infraestrutura se não for o governo, a esfera pública? Os próprios edifícios são construídos com investimentos precários e que não têm manutenção. Isso vira uma coisa insuportável, um caos social. É preciso, portanto, uma política habitacional que dê conta desses problemas”, disse.

Diante da urgência do problema e da recorrência nos casos de desabamentos com vítimas, no entanto, há medidas que precisam ser tomadas de imediato. A intensificação da fiscalização e a evacuação dos imóveis condenados, com alternativas de moradia sendo oferecidas aos ocupantes desses prédios, são medidas que podem ser adotadas a curto prazo. 

No caso do Conjunto Beira-Mar, que desmoronou ontem, houve uma interdição de 2010, quando os moradores proprietários deixaram o prédio. No entanto, o imóvel foi ocupado dois anos após a interdição. Em 2018, uma vistoria executada pela gestão municipal confirmou a interdição e o risco de desabamento, mas os ocupantes seguiram no local. Na quinta-feira, véspera da tragédia, equipes da seguradora SulAmérica, chegaram a visitar o local.

Desabamento no Janga | Foto: Arthur Mota/Folha de Pernambuco

A Defesa Civil de Paulista diz que a gestão municipal não possui competência para evacuar prédios condenados que possuem ocupações irregulares. Segundo a secretária executiva da Defesa Civil do Paulista, Cíntia Silva, “mais de 200” imóveis se encontram em condições precárias no município. Em maio e junho, 32 vistorias foram realizadas no bairro do Janga, em um trabalho que, de acordo com a prefeitura, é realizado em conjunto com outras instituições.

Os laudos elaborados nas vistorias foram, então, encaminhados à Procuradoria-geral do Município e ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) para que a questão fosse judicializada, diz a prefeitura. Sobre a ocupação do prédio, a gestão municipal alegou que a responsabilidade de fiscalização é das empresas responsáveis pela gestão do imóvel, no caso, a SulAmérica. 

Em nota (confira abaixo), a SulAmérica lamentou o ocorrido e afirmou que atua como "prestadora na operação de apólice pública do seguro habitacional do Sistema Financeiro de Habitação". Segundo a empresa, o programa habitacional é administrado pelo Fundo de Compensação e Variação Salarial (FCVS), vinculado à Caixa Econômica Federal, que seria a responsável por questões legais relacionadas ao seguro habitacional. A seguradora também destaca que "não tem poder para retirar os ocupantes dos imóveis ou para demolir os prédios", complementando que a prerrogativa é exclusiva das autoridades públicas. Ainda em nota, a seguradora afirma que "fez vários alertas sobre a situação de risco do bloco D7 (torres A e B)" e que não conseguiu acesso à torre B, já que "o imóvel estava ocupado irregularmente". 

Enquanto o problema não é solucionado, alternativas são pensadas e propostas pela sociedade civil ao poder público. Em nota divulgada na sexta-feira, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU/PE) citou como uma possível alternativa a "utilização dos espaços ociosos das cidades, desde que devidamente requalificados e ressignificados”; recomendações desse tipo têm sido endossadas por movimentos sociais que lutam por moradia e ganhado força entre os urbanistas. 

Assistência às vítimas
Sobre a assistência às vítimas da tragédia, a prefeitura disse que cadastros estão sendo feitos em regime de urgência para a solicitação de auxílios para as famílias afetadas pela tragédia; abrigos também foram disponibilizados pelo município nas escolas Paulo Freire e Edson Gomes. No entanto, a Defesa Civil diz que os desalojados têm optado por buscar socorro em casas de parentes.

Já o Governo do Estado, por meio da governadora Raquel Lyra (PSDB), se solidarizou com as vítimas e parentes e afirmou que "dará todo suporte necessário".

Confira abaixo a íntegra da nota da seguradora SulAmérica:

"A empresa explica que não é proprietária ou seguradora do prédio. Sua participação, assim como de diversas outras seguradoras, foi como prestadora de serviços na operação de apólice pública do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação (SH-SFH). Esse seguro habitacional é suportado pelo governo federal, por meio do Fundo de Compensação e Variações Salarial (FCVS), administrado desde o ano 2000 pela Caixa Econômica Federal (Caixa), responsável pelas questões legais relacionadas a esse seguro habitacional. 

O Supremo Tribunal Federal concluiu, em junho de 2020, pela responsabilidade da Caixa pelas apólices públicas do SH-SFH, decisão essa que é  definitiva e vinculante, dada a sua repercussão geral.

Apesar da conclusão do STF, há decisões de outras instâncias judiciais que determinam que a empresa preste serviços de guarda e vigilância de alguns desses imóveis, além do pagamento de aluguel a moradores desalojados. A empresa tem cumprido integralmente as decisões, apesar de não concordar com a atribuição de responsabilidade pelo seguro público.

A seguradora não tem poder para retirar os ocupantes dos imóveis ou para demolir os prédios. Essa prerrogativa é exclusiva das autoridades públicas, conforme correto posicionamento do Ministério Público, confirmado por decisão judicial assim assentada: “que os municípios tomem as devidas precauções para a proteção do patrimônio e vida das pessoas em casos que constatem riscos” (ação civil pública 0008987-05.2005.4.05.8300). 
 
Desde 2011, a SulAmérica fez vários alertas sobre a situação de risco do bloco D7 (torres A e B) do Conjunto Beira-Mar, inclusive tendo relatado isso no processo judicial em curso, situação confirmada pela Defesa Civil. 

É importante ressaltar que, apenas para atender às melhores práticas de governança, a SulAmérica decidiu proceder a vistorias, dentre as quais, a visita recente de engenheiro ao aludido conjunto. Ressalta-se que não se teve acesso à torre B, porque o imóvel estava ocupado irregularmente."