SAÚDE

Injeção de proteína melhora memória de macacos e abre caminho para tratar doenças neurodegenerativas

Feito inédito com primatas foi observado após restauração dos níveis da proteína antienvelhecimento klotho

Macacos rhesus. - Jean Francois Monier / AFP

De forma inédita, cientistas conseguiram melhorar a memória de primatas não humanos por meio da injeção de uma proteína antienvelhecimento cujos níveis diminuem com o tempo no organismo. O experimento, com macacos rhesus, foi publicado na revista científica Nature Aging, e abre caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos de doenças neurodegenerativas.

Pesquisas anteriores já haviam demonstrado o potencial da restauração do nível da proteína klotho em camundongos, com a injeção tendo prolongado a vida dos animais e melhorado a comunicação entre os seus neurônios. O novo trabalho, porém, é o primeiro com primatas, que são mais próximos dos seres humanos.

“Dados os estreitos paralelos genéticos e fisiológicos entre primatas e humanos, isso pode sugerir aplicações potenciais para o tratamento de distúrbios cognitivos humanos”, afirmou o neurologista do Instituto para Pesquisa em Demência do Reino Unido, da University College of London, Marc Busche, em artigo da revista Nature sobre o estudo.

O trabalho, conduzido por pesquisadores dos Estados Unidos, envolveu macacos com idade média de 22 anos. Eles realizaram testes de memória espacial antes e depois de uma única injeção da proteína. Nos experimentos, os animais precisavam lembrar a localização de uma guloseima.
 

À Nature, a coautora do estudo e pesquisadora da Universidade da Califórnia, Dena Dubal, comparou o teste ao ato de se lembrar onde deixou o carro em um estacionamento, ou tentar recordar uma sequência de números alguns minutos depois de ouvi-la – tarefas que se tornam mais difíceis com a idade.

Os resultados mostraram que os animais que receberam a injeção da klotho tiveram um desempenho significativamente melhor, identificando a localização correta das guloseimas cerca de 60% das vezes, contra 45% antes da aplicação. Essa diferença foi observada de forma sustentada por ao menos duas semanas. Foram utilizadas doses consideradas baixas da proteína.

Um dos desafios ainda é compreender por meio de qual mecanismo exatamente a proteína interfere na cognição. Porém, Dubal destaca que o trabalho “certamente nos dá esperança” e que “há uma razão muito forte para saltar para os ensaios clínicos em humanos agora”.

No artigo, o neurologista da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia Gøril Rolfseng Grøntvedt concorda que são necessários mais estudos, mas afirma que os resultados de fato indicam que esse aumento da proteína tenha efeitos benéficos. Grøntvedt e sua equipe descobriram anteriormente que pessoas com Alzheimer cujos níveis da klotho são mais altos tendem a apresentar menor comprometimento cognitivo.

No ano passado, um estudo brasileiro de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), publicado no periódico Scientific Reports, identificou que uma das ações da klotho é evitar a morte dos neurônios.

“Colocamos mais um tijolo nessa casa de conhecimento que estamos construindo para uma possível nova terapia. Descobrimos que a klotho consegue de fato impedir a morte dos neurônios”, disse na época o coordenador da pesquisa e professor da USP, Cristoforo Scavone, em comunicado.

O cientista é um dos que se debruçam no papel da proteína desde que o seu fator antienvelhecimento foi identificado pela primeira vez no Japão, em 1997.

Os resultados são animadores, mas ele destaca que “ainda é preciso descrever o funcionamento da klotho em outros locais do cérebro em que ela se encontra, como no cerebelo, no hipocampo e no sistema nervoso periférico”. “Assim poderemos avaliar a sua importância para a memória e para outras doenças, como o Parkinson, por exemplo”, disse.