GUERRA NA UCRÂNIA

Em guerra e instável, Rússia é entrave para bloco e banco do Brics

Sob sanções internacionais, Kremlin impõe dificuldades para o crescimento do NDB e até mesmo para funcionamento da instituição dentro dos parâmetros financeiros globais

O presidente russo, Vladimir Putin - Gavriil Grigotov/SPUTNIK/AFP

Apesar de todo o interesse em torno do Brics, a Rússia é hoje um grande obstáculo à expansão do bloco ou a uma avaliação internacional mais favorável. A análise nos bastidores do mercado é que o Banco do Brics (NBD, na sigla em inglês) terá dificuldades para avançar se o terremoto geopolítico provocado pelo presidente russo, Vladimir Putin, não retroceder logo.

— Nós temos agora uma situação geopolítica internacional em que um dos membros está envolvido numa guerra. Isso faz com que haja alguma dificuldade de o banco ir ao mercado de capitais e fazer uma captação a custos competitivos — explica Luciana Acioly, pesquisadora do Ipea.

Captação mais cara
Alguns analistas chegam a prever um custo quatro vezes maior para a captação do banco em dólar, nos próximos anos, se o conflito na Ucrânia se arrastar. Em abril, o NDB voltou ao mercado de capitais depois de um hiato de 16 meses desde o início da guerra. O banco lançou US$ 1,25 bilhão em títulos verdes com prazo de três anos. A operação incluiu uma cláusula em que a instituição garante que nenhum recurso captado será investido no sócio sob sanções internacionais.

— Essa captação foi cinco vezes mais cara que o empréstimo anterior. Houve por parte de Wall Street uma desconfiança da capacidade de pagamento, embora o banco acertadamente tenha feito uma provisão de liquidez de modo a não ficar vulnerável — analisa Acioly.
 

Após a invasão da Ucrânia, em fevereiro do ano passado, o Ocidente aplicou sanções à Rússia, que incluíram restrições de operação para bancos russos no sistema financeiro internacional e o congelamento de aplicações em bancos europeus. Um mês depois do início da guerra, o NDB anunciou a paralisação dos repasses de financiamentos para projetos na Rússia, assim como de novas aprovações no país, para se adequar às sanções. Mas o banco seguiu recebendo os pagamentos de obrigações russas com a instituição.

Outro fator importante para viabilizar a competitividade no mercado é a nota das agências de classificação de risco. Em maio, a Fitch melhorou a perspectiva da nota AA do NDB de negativa para estável depois de uma revisão para baixo, em julho do ano passado, quando a agência frisou que o banco poderia enfrentar desafios para emitir títulos de longo prazo no mercado de capitais americano pelo risco associado à participação acionária russa.

O relatório mais recente destaca que a agência acredita que é mais provável que o banco tenha capacidade de executar sua estratégia de médio prazo, incluindo a atração de novos sócios. A solidez financeira dos membros do conselho do banco é uma variável crucial na avaliação das agências.

Em maio, o vice-presidente do NDB, Vladimir Kazbekov, disse à agência de notícias Reuters que o NDB busca meios de cumprir suas obrigações com a Rússia sem deixar de estar enquadrado nas necessidades impostas pelas sanções internacionais:

— A Rússia tem um papel significativo no processo decisório e, pelo seu papel como membro fundador, o NDB pretende pensar como preencher suas obrigações ao mesmo tempo em que está em conformidade com as restrições aplicáveis introduzidas no capital financeiro — declarou Kazbekov.

Putin na cúpula?
Talvez a figura mais polêmica da atualidade nas relações internacionais, Putin terá um salvo conduto para ir à África do Sul se quiser participar presencialmente da reunião de líderes do Brics. Putin foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra em sua ação na Ucrânia e, em uma avaliação reservada de interlocutores do governo brasileiro envolvidos com o tema, o líder russo nunca precisou tanto do bloco como agora.

Putin vem tentando angariar apoio dos países dos Brics para contornar as sanções impostas pelo Ocidente, mas esse tipo de atitude vai contra o que querem Brasil e Índia, que preferem uma posição de neutralidade, pois têm grandes interesses em manter boas relações com europeus e americanos. A Rússia já anunciou que se encontra em processo de redirecionar seu comércio e suas exportações de petróleo para países do grupo do Brics. O Kremlin também defende a criação de uma moeda comum no Brics para impulsionar um novo sistema capaz de desbancar o euro e o dólar como divisa mais usada no comércio mundial.

Para Christopher Mendonça, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, a Rússia tem grande importância no bloco. Mesmo com a perda de capacidades sofrida com o fim da Guerra Fria nos anos 1990, os russos mantêm uma condição privilegiada em razão do seu grande território e da disponibilidade de importantes recursos energéticos, como gás natural e petróleo, além da sua produção agrícola, que também é bastante considerável.