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Entenda por que a Ucrânia ainda não entrou na Otan

Embora tenham concordado em facilitar a adesão do país, um convite formal e um cronograma para a adesão de Kiev ainda não foram definidos

Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky - Sergei Chuzavkov/AFP

Durante a cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Vilnius, Lituânia, os líderes dos países-membros concordaram que "o futuro da Ucrânia está na aliança", assegurou o secretário-geral, Jens Stoltenberg. Embora tenham aceitado facilitar a adesão do país ao remover uma extensa etapa do processo, um convite formal e um cronograma para a adesão de Kiev ainda não foram definidos — o que, para o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é "absurdo" e representa um sinal verde para a continuação da ofensiva russa, que já se estende por quase um ano e meio.

A expectativa para a declaração final do encontro é reforçar a ideia de que a Ucrânia é bem-vinda no grupo, mas, segundo Stoltenberg, o convite será feito somente quando "os membros concordarem e as condições forem atendidas", sem especificar quais condições são essas.

Entenda abaixo como funciona o processo de expansão da Otan e o por que a Ucrânia ainda não ingressou no grupo:

Plano de Ação para Adesão
Para ingressar na Otan — bloco militar liderado pelos Estados Unidos e criado no fim da Segunda Guerra Mundial para conter o avanço da influência soviética em direção ao Ocidente —, um país precisa atender a certos requisitos. Foi na cúpula da aliança em Washington, em 1999, que foi aprovado o Plano de Ação para Adesão (MAP, na sigla em inglês) como um passo importante no processo de convite a novos membros. Tais diretrizes foram influenciadas pela experiência adquirida durante o processo de adesão da República Tcheca, Hungria e Polônia, que se tornaram membros na primeira fase de expansão da Otan após o fim da Guerra Fria.

Resumidamente, o MAP requer que os países candidatos apresentem relatórios anuais sobre seu progresso em cinco áreas, incluindo a resolução pacífica de disputas, compromisso com o Estado de direito e direitos humanos, controle democrático das Forças Armadas, recursos adequados para a defesa e compatibilidade legislativa com a Otan.

Além dos requisitos gerais, o processo envolve também uma avaliação abrangente que considera a interoperabilidade militar, capacidade de defesa e impacto na estabilidade regional. Cada país candidato passa por um processo de adesão individual, no qual a Otan, em consenso geral entre seus 31 membros — em breve 32, com a adesão futura da Suécia —, avalia suas qualificações e realiza negociações com o governo correspondente, além de fornecer aconselhamento prático para que os requisitos sejam devidamente cumpridos.

Como resultado, é estabelecido um cronograma no qual cada país convidado deve apresentar o plano para concluir as reformas necessárias.

Protocolo de Adesão e ratificação
A etapa subsequente para um país que deseja se tornar membro da Otan é a assinatura do Protocolo de Adesão, um acordo negociado individualmente entre o país candidato e os membros da aliança. Após a assinatura, o documento é submetido à ratificação pelos parlamentos dos países-membros da Otan. Cada um deve aprová-lo internamente para que ele entre em vigor.

Uma vez que todos os países-membros tenham ratificado o documento, o país convidado se torna um membro pleno da Otan. Essa etapa final é conhecida como "Aceitação". O país-membro pode, então, participar plenamente nas estruturas e processos da aliança.

O tempo entre o MAP e a aceitação como membro pleno pode variar significativamente, dependendo das circunstâncias individuais e da dinâmica política envolvida no processo de adesão.

E a Ucrânia?
Segundo Stoltenberg, os membros da Otan concordaram em facilitar o caminho para a Ucrânia — cuja adesão começou a ser ventilada em 2008 — ao remover o primeiro requisito, a etapa do MAP, mas disse que há outras condições a serem cumpridas.

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Embora não as tenham especificado, os líderes afirmaram que a aliança ajudará Kiev a avançar na interoperabilidade militar, além de realizar reformas adicionais no setor democrático e de segurança — o El País cita mudanças previstas no sistema judicial e leis para prevenir oligarquias.

Também foi decidido o estabelecimento do Conselho Otan-Ucrânia, um novo órgão conjunto em que os Aliados e Kiev têm igualdade de membros para promover o diálogo político, o engajamento, a cooperação e as aspirações euroatlânticas do país para a adesão.

Zelensky, contudo, considera "sem precedentes e absurdo que um cronograma não seja estabelecido nem para um convite ou para a adesão ucraniana". Segundo o presidente ucraniano, os termos que os países-membros buscam adicionar ao documento final com as "condições" para um convite aos ucranianos são "vagos", cenário que, "para a Rússia, significa motivação para continuar seu terror".

Uma guerra no caminho
A guerra com a Rússia é um grande obstáculo no caminho da adesão da Ucrânia ao bloco militar. Sem um fim próximo para o conflito, um ingresso a curto prazo parece muito improvável, apesar da pressão do presidente ucraniano para que o grupo dê logo um "sinal claro" sobre o processo.

E mesmo com o fim do conflito, o presidente dos EUA, Joe Biden, disse recentemente que não acredita que a Ucrânia "esteja pronta para ingressar na Otan", pois o país ainda não cumpre as qualificações necessárias de "democratização e vários outros assuntos".

— Se a guerra continuar [e a Ucrânia estiver na Otan], então todos nós estaríamos em guerra — disse Biden à CNN, explicitando o temor maior e referindo-se ao Artigo 5º do tratado, o pilar da organização, que considera um ataque contra um dos membros como um ataque a todos.