Da trama golpista à perícia da PF no WhatsApp: conheça o caso Marcos do Val
Relatório aponta que o senador blefou em conversa com o ex-deputado Daniel Silveira ao afirmar que se reportaria à 'inteligência americana'
Uma trama golpista articulada e divulgada pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES) foi o que motivou a Polícia Federal (PF) a fazer uma operação contra o parlamentar em junho, quando apreendeu seu computador e celular. Após analise nos objetos, perícia apontou que o político blefava em mensagens no WhatsApp que se reportava à “inteligência americana”.
Segundo relatório ao qual O Globo teve acesso, Do Val também dividiu a trama para impedir a posse do presidente Lula com dois grupos de WhatsApp privilegiados: o “Chefias” e o “Amigas para a eternidade”.
De acordo com relato do político, o plano, que contava com a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro e do ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), tinha o ministro Alexandre de Moraes como um dos alvos.
O senador é investigado por pelo menos quatro crimes dentro do inquérito sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. A Polícia Federal apura o suposto envolvimento do parlamentar na divulgação de documentos sigilosos; na tentativa, com emprego de violência ou grave ameaça, de abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais; na tentativa de golpe de estado; e ainda por eventualmente integrar uma organização criminosa.
Relembre os fatos que colocaram o senador na mira da PF:
Conversa no Congresso
No dia 7 de dezembro, Daniel Silveira procurou Marcos do Val durante uma sessão do Congresso. Silveira entrega um telefone celular ao senador e o avisa que o presidente Bolsonaro desejava falar com ele.
Na ligação, Bolsonaro falou ao senador do Podemos que precisava resolver uma questão com ele. O presidente pediu a do Val que o visitasse no Alvorada.
O encontro com Bolsonaro foi agendado para o dia 9. Dado o histórico de Silveira, investigado em um inquérito sigiloso presidido por Alexandre de Moraes, Marcos do Val achou prudente alertar o ministro da reunião. Ele disse ter sido aconselhado pelo ministro a ouvir o que o ex-presidente queria dizer.
— Ele disse ‘vai, porque quanto mais informação, melhor’ — contou o senador à imprensa, posteriormente, após as revelações da Veja.
Troca de carros
Uma operação foi montada para levar o senador até o presidente sem chamar atenção. Silveira passou uma localização via GPS onde Marcos do Val deveria encontrá-lo. Tratava-se de um ponto próximo ao Palácio do Jaburu, na via que dá acesso ao Alvorada.
— Ele (Silveira) disse: vamos nos encontrar no meio do caminho, que é importante você não entrar no seu carro oficial.
Do Val chega ao local de carro e encontra Daniel Silveira. Ambos entram, então, em um veículo da segurança da Presidência, que os leva até a residência oficial da presidência. Em uma das versões apresentadas por do Val na quinta-feira, a reunião aconteceu na Granja do Torto.
No Alvorada
Marcos do Val e Daniel Silveira foram recebidos por Bolsonaro, que estava de bermuda e chinelos. Segundo o senador, em entrevista à Globo News, a conversa teve início pelo tema dos acampamentos em portas de quartéis, e Bolsonaro disse que não iria se envolver no assunto por temer ser responsabilizado. Segundo do Val, de início, ele imaginava ser esse o tema do encontro.
Ao longo da quinta-feira, diferentes variações do que ocorreu em seguida foram apresentadas pelo senador em lives e em entrevistas. Em todas elas, é Silveira que introduz a ideia do plano de gravar uma conversa com o ministro do STF.
— Eles colocariam um equipamento de gravação. Teria um veículo já próximo ao STF, captando o áudio. E eu, nessa reunião com o ministro Alexandre, eu conduzindo para ele falar que, em alguns dos processos dele, ele ultrapassou a linha da Constituição — detalhou Marcos do Val, em entrevista coletiva.
No entanto, há divergências entre os relatos. Na versão contada em uma live na madrugada, Marcos do Val disse que Bolsonaro tentou coagir ele. Já na publicada pela revista Veja, o senador diz que o presidente afirmou que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) iria prestar apoio técnico ao plano.
Posteriormente, à Globo News, do Val disse que Bolsonaro permaneceu calado durante todo o encontro e que a afirmação quanto à participação do GSI veio de Silveira. Mais tarde, em outra entrevista ao canal, o senador acrescentou outro detalhe. Bolsonaro, ao fim da conversa, teria dito que aguardava a resposta do senador.
Após deixar a reunião com Bolsonaro, o senador enviou uma mensagem ao ministro Alexandre, na qual afirmava precisar falar com ele sobre um assunto sensível.
Encontro com Moraes
Uma audiência com o ministro foi marcada para o dia 14 de dezembro, e o encontro aconteceu no salão do branco do STF. Segundo o relato do senador à Globo News, ele deu ao ministro detalhes do encontro com o presidente:
— Até estava achando que era uma questão do acampamento, mas era para gravar o senhor — teria dito ao ministro.
Ainda de acordo com o relato de do Val, ele foi em seguida liberado pelo ministro, que não fez nenhum pedido a ele.
'Irmão, vou declinar'
Ao deixar o Supremo Tribunal Federal, Marcos do Val envia uma mensagem a Silveira, na qual afirma ter optado por não se envolver no plano. "Irmão, vou declinar da missão", escreveu.
Operação PF
Em junho, agentes da PF cumpriram mandados de busca e apreensão em endereços de Do Val, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Na ação, foram apreendidos o celular e o computador do político.
A Polícia Federal cumpriu mandados no gabinete de Do Val, no Senado Federal, e em seu apartamento funcional, em Brasília, e também em endereços do parlamentar, em Vitória, no Espírito Santo. Nos locais, foram apreendidos celulares, computadores, além de documentos. A conta dele no Twitter também foi bloqueada.
As medidas cautelares foram deferidas, por Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em razão da suposta tentativa de obstrução do inquérito sobre o 8 de janeiro. O ministro já havia determinado, no início de fevereiro, a abertura de uma investigação sobre o relato de Do Val a respeito de uma suposta articulação de um golpe, com a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro e do ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ).
Blefe em mensagem
Uma perícia realizada pela Polícia Federal no celular do senador identificou que ele blefava em mensagens no WhatsApp em que afirmava se reportar à “inteligência americana”. Em uma das conversas, com o ex-deputado Daniel Silveira, o parlamentar afirmou que informou à "inteligência americana" sobre um suposto plano para gravar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele disse que foi necessário fazer o relato à "inteligência americana" devido à “outra função” que exercia — do Val afirma com frequência que já foi instrutor da Swat, grupo de elite da polícia dos Estados Unidos. "É possível que do Val tenha dito tal afirmação apenas como um “blefe”, diz trecho do relatório da PF, ao qual O GLOBO teve acesso.
A troca de mensagens ocorreu nos dias 13 e 14 de dezembro do ano passado. A conversa ocorreu dentro de um contexto em que, segundo Do Val afirmou em fevereiro à revista Veja, Silveira teria tentado convencê-lo a gravar Moraes para provocar um fato capaz de anular o resultado da eleição que deu a vitória a Lula. Segundo esta versão, o então presidente Jair Bolsonaro participou de uma dessas reuniões, no Palácio da Alvorada.
A perícia também identificou, como noticiou a colunista Bela Megale, que o plano de golpe, tratado com todo sigilo pelo ex-deputado Daniel Silveira, foi compartilhado pelo senador Marcos do Val com ao menos seis pessoas. O relatório aponta que ele dividiu a trama para impedir a posse do presidente Lula com dois grupos de WhatsApp privilegiados: o “Chefias” e o “Amigas para a eternidade”.
As conversas não se limitaram às trocas de mensagens de texto. O senador encaminhou para as amigas não só os prints dos diálogos secretos mantidos com Daniel Silveira, como também a imagem da mensagem que fez para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.