EUA aprova primeira pílula abortiva sem prescrição médica um ano após fim do direito ao aborto
Medicamento promete ser o método anticoncepcional mais eficaz no mercado sem receita
A agência reguladora de alimentos e remédios americana (FDA, na sigla em inglês) aprovou, nesta quinta-feira (13), a venda de uma pílula anticoncepcional sem receita médica pela primeira vez nos Estados Unidos — um marco que pode expandir significativamente o acesso à contracepção um ano após a Suprema Corte reverter a decisão que legalizava o aborto na esfera federal.
O medicamento, chamado Opill, se tornará o método anticoncepcional mais eficaz disponível sem receita médica — mais eficaz na prevenção da gravidez do que preservativos, espermicidas e outros métodos. Especialistas em saúde reprodutiva afirmam que sua disponibilidade pode ser especialmente útil para mulheres jovens, adolescentes e pessoas que têm dificuldade em lidar com o tempo, os custos ou os obstáculos logísticos envolvidos na visita a um médico para obter uma receita.
A fabricante da pílula, Perrigo Co., com sede em Dublin, disse que a Opill provavelmente estará disponível em lojas e varejistas on-line nos Estados Unidos no início de 2024. A empresa não informou quanto custaria a medicação — uma questão fundamental que ajudará a determinar quantas pessoas usarão a pílula — mas Frédérique Welgryn, vice-presidente global da Perrigo para a saúde da mulher, disse em um comunicado que a empresa estava comprometida em tornar a pílula "acessível e econômica para mulheres e pessoas de todas as idades". Welgryn anunciou um programa de assistência ao consumidor para fornecer a pílula sem custo para alguns grupos de mulheres.
"A aprovação de hoje marca a primeira vez que um contraceptivo oral diário sem prescrição médica será uma opção disponível para milhões de pessoas nos Estados Unidos", disse a Dra. Patrizia Cavazzoni, diretora do Centro de Avaliação e Pesquisa de Medicamentos da FDA, em um comunicado. "Quando usado conforme indicado, o anticoncepcional oral diário é seguro e espera-se que seja mais eficaz do que os métodos contraceptivos sem prescrição médica atualmente disponíveis na prevenção da gravidez indesejada."
Desde que a Suprema Corte americana derrubou o direito nacional ao aborto no ano passado, o acesso aos contraceptivos se tornou uma questão cada vez mais urgente. Porém, muito antes disso, a iniciativa de disponibilizar uma pílula sem prescrição médica para todas as idades recebeu amplo apoio de especialistas em saúde reprodutiva como a Associação Médica Americana, o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas e a Academia Americana de Médicos da Família.
Em uma pesquisa realizada no ano passado pela organização de pesquisa em saúde KFF, mais de três quartos das mulheres em idade reprodutiva disseram ser a favor de uma pílula de venda livre, principalmente por causa da conveniência. Quase 40% disseram que estariam propensas a usá-la. Entre as mulheres com maior probabilidade de optar pelo produto estão as que já tomam pílulas anticoncepcionais, as que não têm plano de saúde e as hispânicas, segundo a pesquisa.
E, surpreendentemente, em um momento de grandes divisões sobre a agenda do aborto, muitos grupos "pró-vida" se recusaram a criticar a venda livre do medicamento de controle de natalidade. A oposição parece vir principalmente de algumas organizações católicas e da Students for Life Action.
Em maio, um painel de 17 consultores científicos independentes da FDA — incluindo ginecologistas, obstetras, especialistas em medicina do adolescente, em câncer de mama e em comportamento de saúde do consumidor e alfabetização em saúde — votou unanimemente que os benefícios de disponibilizar uma pílula anticoncepcional sem receita médica superavam amplamente os riscos.
O painel citou o longo histórico de segurança e eficácia do Opill, que foi aprovado para uso sob prescrição médica há 50 anos. A pílula de venda livre será idêntica à versão de prescrição, que é 93% eficaz na prevenção da gravidez com o uso típico.
Vários participantes do painel disseram que havia uma necessidade urgente de saúde pública para uma opção de venda livre em um país onde quase metade de todas as gestações não são intencionais.
"As evidências demonstram que os benefícios excedem claramente os riscos", disse um membro do comitê consultivo, Kathryn Curtis, cientista de saúde da divisão de saúde reprodutiva dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. "Acho que o Opill tem o potencial de causar um enorme impacto positivo na saúde pública".
Para os defensores das pílulas vendidas sem prescrição, a questão principal é o preço acessível.
"Se estiverem disponíveis de forma equitativa, ou seja, se tiverem preços acessíveis e forem totalmente cobertas pelo seguro, as pílulas anticoncepcionais sem prescrição serão um divisor de águas para as comunidades afetadas por desigualdades sistêmicas na saúde", disse o Dr. Daniel Grossman, diretor da Advancing New Standards in Reproductive Health, que liderou a pesquisa sobre contracepção de venda livre.
Segundo a lei federal que versa sobre acessibilidade à saúde (Affordable Care Act), comumente chamada de "Obamacare", os planos de saúde são obrigados a pagar por contraceptivos prescritos, mas não por métodos de venda livre. Alguns estados têm leis que obrigam a cobertura de anticoncepcionais sem receita, mas a maioria não tem. A pesquisa da KFF constatou que 10% das mulheres não poderiam ou não estariam dispostas a pagar nenhum custo direto pela contracepção. Cerca de 40% pagariam US$ 10 ou menos por mês, e cerca de um terço pagaria US$ 20 ou menos.
De acordo com uma recente ordem executiva do presidente americano Joe Biden, o governo federal poderá em breve tomar medidas para exigir que as seguradoras cubram o controle de natalidade de venda livre. E os democratas do Senado reintroduziram uma legislação para exigir essa cobertura.
"Precisamos torná-lo acessível e disponível", disse a senadora Patty Murray, D-Wash, principal patrocinadora do projeto de lei, em uma entrevista em maio. "Vamos oferecer às mulheres o que elas precisam e garantir que seja acessível para que haja equidade, e que as mulheres de baixa renda e as mulheres que, por qualquer motivo, estejam passando por dificuldades não sejam forçadas a não ter nenhum controle de natalidade simplesmente porque não podem pagar por ele hoj"e.
O Opill é conhecido como "minipílula" porque contém apenas um hormônio, a progestina, em contraste com as pílulas "combinadas", que contêm progestina e estrogênio. Uma empresa que fabrica uma pílula combinada, a Cadence Health, também está discutindo com a FDA sobre a solicitação do status de venda livre.