ENTREVISTA

"Não tive força política, e parte do Congresso é negacionista sobre meio ambiente", diz Marina Silva

Ministra reconhece que não teve votos suficientes para barrar esvaziamento de sua pasta e diz que embate entre Ibama e Petrobras sobre foz do Amazonas é 'normal'

Marina Silva - Valter Campanato/Agência Brasil

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente promovido pelo Congresso ocorreu por falta de aderência da base do governo aos temas ambientais e negou que o Palácio do Planalto tenha cedido ao Centrão.

Em entrevista ao Globo, ela disse que o embate entre Ibama e Petrobras após a negativa de licença para a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas é “normal” e defendeu que a cúpula dos países amazônicos, em agosto, dê um passo a mais: assuma compromissos de financiamento e articule um plano de desenvolvimento sustentável.

O Ministério do Meio Ambiente perdeu a gestão sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a Agência Nacional das Águas (ANA), mas manteve a Política Nacional de Recursos Hídricos. O governo cedeu ao Centrão?
Não. O presidente Lula, naquilo que é possível, vetou e restabeleceu as competências do Ministério do Meio Ambiente. Infelizmente, a base do governo é de mais ou menos 150 deputados para temas de meio ambiente, direitos humanos, questão indígena, direitos das mulheres e políticas de juventude e de cultura. A frente ampla que a gente articulou para proteger a democracia e não inviabilizar o Brasil foi altamente necessária, mas essa composição nem sempre caminha unida nesses temas. O ministro (Alexandre) Padilha pode ficar rouco de tanto falar da importância desses temas, mas aí são outros aspectos de escolhas. Numa frente ampla, você não obriga que as pessoas sejam seguidoras. Não vejo no sentido de ceder. Eu simplesmente não tive, no caso, força política e voto suficiente.

O ministério foi esvaziado após o Ibama vetar a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Foi retaliação do Congresso?
Talvez uma falta de compreensão. Há uma parte negacionista, que acha que não tem problema de mudança climática e de desmatamento. Mas existe uma outra parte que acha que o ministério tem uma agenda de fomento. É uma agenda de preservação e de uso sustentável.
 

A senhora chegou a dizer que uma parte do Congresso queria impor a Lula o modelo de gestão de Bolsonaro. Buscou aproximação com os parlamentares depois disso?
Tenho relação com o Congresso 24 horas por dia. Nossos secretários e presidentes de órgãos vinculados também estão o tempo todo nessa relação. Nós recebemos 82 deputados e sempre perguntamos o que será tratado, se é de caráter técnico ou de natureza política. Existem pessoas que vêm aqui com projetos, querendo saber do ministério se realmente aquela ideia é adequada. Não é só uma agenda de enfrentamento e existem concepções diferentes. Tivemos um país dividido meio a meio, e isso não se reflete só nas urnas, mas também no Congresso.

Daniela Carneiro será substituída por um homem no Ministério do Turismo, e outras duas mulheres, Ana Moser (Esporte) e Rita Serrano (Caixa), também podem perder os cargos. Há ameaça à representatividade feminina?
A frente ampla é um conceito que precisa ser trabalhado para além dos partidos. É o esforço que o presidente Lula tem feito. Também deve ser frente ampla com as mulheres, jovens, com a academia, empresários, pretos, indígenas... Infelizmente, há uma parte que nem sempre tem essa compreensão.

Por que a Autoridade Climática não foi criada?
Infelizmente, quando fizemos um esforço muito grande na PEC da Transição para aumentar os recursos do governo para pastas como Meio Ambiente e Direitos Humanos, havia uma resistência para criar novas estruturas. O desenho já está pronto e conseguimos avançar naquilo que não depende de aprovação por lei ou de Medida Provisória.

Como será resolvido o impasse entre o Ibama e Petrobras e Ministério de Minas Energia sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas?
Isso é normal. O empreendedor entra com uma proposta e, se a licença é negada, tem o direito de reapresentá-la, fazendo as correções. Este mesmo pedido de licença já havia sido negado em 2018. Era uma empresa privada, a Petrobras assumiu e reapresentou a solicitação. Mas, na compreensão dos técnicos do Ibama, as soluções apresentadas ainda não eram satisfatórias. Foi feita uma sugestão de como deve ser o encaminhamento correto. A Petrobras e o Ministério de Minas e Energia podem entender que vão fazer dessa forma ou tentar reapresentar o projeto.

Caso os requisitos sejam atendidos, haverá licença?
Não nos pronunciamos a priori. É uma região com alta sensibilidade, e os posicionamentos ocorrem nos autos. Os técnicos fizeram uma avaliação criteriosa. Aqui nós cumprimos a lei, nem facilitamos nem dificultamos. O Ibama já deu mais de duas mil licenças só para a Petrobras. Se não foram ideológicas as licenças dadas, também não são ideológicas as licenças negadas. São processos técnicos.

Qual é a posição do Lula?
Ele quer que o Brasil tenha segurança energética e preserve o meio ambiente. A Petrobras precisa se transformar numa empresa de geração de energia, não apenas exploração de petróleo. O petróleo ainda é uma fonte de energia da qual o mundo não tem como prescindir da noite para o dia, mas todos estão na corrida para a transição e quem pode fazer melhor é o Brasil.

O ministro Alexandre Silveira disse que Lula era o embaixador ambiental do Brasil e que o país não precisava de outro. Entendeu como uma crítica à senhora?
Entendi como um elogio ao presidente Lula, que diz que a questão climática está no mais alto nível de prioridade, que nós vamos chegar ao desmatamento zero em 2030 e que o Brasil será o grande exportador de sustentabilidade. É o porta-voz que todos nós sempre sonhamos. Quando o presidente diz, pressupõe que todos farão o dever de casa: o setor de transporte, de energia, de agricultura… É uma corrida civilizatória pela preservação da vida.

A possibilidade de o Brasil sofrer retaliações comerciais da União Europeia e dos Estados Unidos, com o pretexto de questões ambientais, preocupa?
O Brasil não tem que ter medo. Precisa de altivez, pois estamos fazendo o dever de casa. Já retomamos o Fundo Amazônia, iniciamos o plano equivalente ao que temos para a Amazônia para o cerrado, conseguimos um aumento de quase 200% de nossa capacidade de fiscalização e registramos uma tendência de queda consistente do desmatamento de 33,6%. O Brasil tem que negociar de igual para igual, preservando seus interesses. E um dos nossos interesses é a preservação das nossas florestas e o respeito às comunidades tradicionais.

Haverá um encontro de cúpula dos países amazônicos em agosto. Qual a prioridade?
Há a compreensão dos oito países de que não há como proteger a Amazônia pela ação de um único país, mesmo que seja o maior detentor do bioma, como é o caso do Brasil. Não pode mais ser apenas um evento, tem que ser um momento de assumir compromissos, com os encaminhamentos em relação a financiamento, conhecimento, base tecnológica e uma articulação que vá além dos governos para a implementação de um plano de desenvolvimento sustentável para essa região. Essa cúpula está sendo trabalhada, pelo menos no caso do Brasil, para que a gente saia não só com o enunciado, mas com os resultados que poderão ser produzidos.

Com metas?
É muito difícil estabelecer metas dentro de um encontro. Mas podemos caminhar para um acordo. Há convergência de que se deve enfrentar o desmatamento, a criminalidade e criar instrumentos para a promoção do desenvolvimento sustentável.