Berçário das jubartes, Brasil vive aumento do turismo de observação de baleias
População da espécie, que vem para a costa brasileira na época reprodutiva, já é próxima dos 30 mil
Em alto-mar, um borrifo de água, como um chafariz brotando no meio do oceano, chama a atenção da tripulação. É o sinal de que há uma baleia jubarte nos arredores, e o barco precisa se dirigir até aquele ponto, a algumas centenas de metros de distância. Poucos minutos depois, pesquisadores, fotógrafos e curiosos vibram: eles estão diante de um dos maiores mamíferos do mundo, que se exibe ora em mergulhos em que abanam a cauda para fora d’água, ora em saltos de deixar o queixo caído.
Com o aumento da população de baleias que passam pelo litoral brasileiro anualmente, além do maior conhecimento de institutos de pesquisa e a capacitação de barqueiros e guias, está em ascensão no Brasil um turismo de observação: isso mesmo, pessoas que vêm de várias regiões e até de outras partes do mundo para ver o espetáculo da baleia jubarte. A experiência, que antes era quase restrita a paraísos como Abrolhos (BA), ganha tração em quase toda a costa
Em Ilhabela (SP), já existe fila de espera para o agendamento de passeios, que custam cerca de R$350. Semana passada, a professora Ivone Garijo conseguiu avistar 28 jubartes em uma única tarde, número que se tornou um recorde, mas foi rapidamente batido. No dia seguinte, a nova excursão já encontrou mais de 30 baleias.
— Não existia essa observação até poucos anos atrás, achavam que não existiam tantas jubartes. Mas agora estão se interessando, inclusive a própria população percebeu que pode arrecadar muito com isso.
Moradora de Guararema, a 2h30 de distância de Ilhabela, ela admite que nunca havia se interessado muito pelo assunto. Mas seu filho, que faz trabalho voluntário no Projeto Baleia à Vista, a incentivou a fazer o passeio, que agora será repetido todo ano.
— Foi inesquecível. Quando ela subiu e bateu a cauda foi quando caiu a ficha e entendi o que estava acontecendo. Uma experiência maravilhosa e surreal, um encontro com a natureza — descreve a professora. — Depois que eu postei, cinco amigos pediram informações, o interesse é grande. Muitas pessoas sonham com esse passeio, mas antes tinham que ir até Abrolhos ou Arraial do Cabo.
Quando o Projeto Baleia Jubarte começou, em 1988, estimava-se uma quantidade de mil animais fazendo a migração anual para a costa brasileira durante o período de reprodução das fêmeas, de junho a novembro. Hoje, de acordo com o último censo do instituto, a população já está próxima de 30 mil.
Essas jubartes, que tem cerca de 15 metros de comprimento — equivalente a um ônibus — e 40 toneladas de peso, residem a maior parte do ano na Antártida, onde há mais oferta de alimentação, e sobem até o Brasil para os nascimentos dos filhotes. A gestação de uma baleia dura de 11 a 12 meses, e há duas teses principais para explicar a migração: a temperatura mais aquecida das águas, melhores para os filhotes; e fugir das orcas, que são as predadoras das outras baleias.
No século passado, as jubartes, assim como as outras espécies de grandes baleias, estiveram à beira da extinção, com redução de 90% dos indivíduos, alvos da caça industrial, que acontecia principalmente por pescadores do Japão, Islândia e Noruega. Estima-se que somente na Antártida, 2,1 milhões de baleias foram caçadas no início do século 20. Diante do quadro, foi criada a Comissão Internacional de Baleias, em 1945, que decretou regras e impediu a caça.
Hoje, dos grandes países somente o Japão continua com a caça e em 2014 a baleia jubarte saiu da lista do governo brasileiro de espécies ameaçadas de extinção.
— A população está crescendo e provavelmente entrando num processo de estabilização. Além da proibição à caça, que é o fator principal, os pesquisadores estão em campo, monitorando e fazendo ações de conservação. Você só preserva o que conhece e hoje temos ferramentas para amenizar o máximo possível dos impactos — explica Enrico Marcovaldi, coordenador do Projeto Baleia Jubarte.
Logo o crescimento global se refletiu no Brasil. Há 35 anos, quando o projeto nasceu, a população brasileira de jubartes se concentrava basicamente no sul da Bahia, onde fica o arquipélago de Abrolhos. Hoje, porém, o projeto já tem base em 14 cidades da costa brasileira.
— Do Norte de São Paulo até o Rio Grande do Norte já temos muitos registros. Elas estão ocorrendo em todo litoral nordestino. É possível projetar que em breve toda costa brasileira terá a presença de baleias, elas estão reocupando essas áreas — celebra Marcovaldi. — Até pouco tempo atrás a gente trabalhava em cima da falta de baleias. Agora estamos trabalhando em cima da fartura de baleias. O turismo ainda é uma grande ferramenta de conservação, pois oferece alternativa à caça para geração de renda.
Cinco estados já têm passeios turísticos
O turismo de observação acontece em cinco estados — São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Rio Grande do Norte — principalmente associado aos trabalhos de pesquisa. É assim, por exemplo, nas cidades onde o Projeto Baleia Jubarte tem base, como Ilhabela (SP), Arraial do Cabo (RJ), Vitória (ES), Caravelas (BA) e Praia do Forte (BA). No Rio, onde já existem as excursões de pesquisa, os passeios turísticos devem começar neste ano, com operadores parceiros.
Além das pesquisas, o projeto capacita de 150 a 200 profissionais anualmente no país, na maioria barqueiros e operadores de turismo. No Brasil, a atividade atrai, por ano, cerca de 10 mil turistas, movimentando aproximadamente R$3 milhões na economia, fora os impactos indiretos para comunidades locais.
A atividade de observação de baleias acontece em 100 países, com geração de cerca de 2 bilhões de dólares, e aqui é regulamentada por lei federal e uma portaria do Ibama, de 1996, que define as regras. Entre as principais exigências, estão a aproximação de no máximo 100 metros das baleias, e as proibições de permanência por mais de 30 minutos, de interromper seus cursos, e de nadar junto a elas.
— Trabalhamos há 20 anos com isso e continuamos nos emocionando a cada encontro — afirmou Sergio Cipolotti, biólogo do Instituto Baleia Jubarte, na excursão acompanhada pelo GLOBO no Rio. — É um sonho para as pessoas. No caminho, é possível ver diversas aves e golfinhos, mas a baleia é a cereja do bolo. É como um safári no mar.
'Um privilégio''
Este é o segundo ano em que o Projeto Baleia Jubarte realiza uma expedição no sudeste, com saídas semanas de barcos com pesquisadores. Além da observação, o monitoramento serve para identificação de baleias e captura de material genético para mais estudos. Na excursão acompanhada pelo GLOBO, o barco percorreu 75 quilômetros e encontrou 7 grupos de baleias, totalizando 17 indivíduos, a uma distância entre 10 e 20 quilômetros da cidade do Rio.
— É um privilégio ter na frente da casa um animal completamente selvagem. Tem pessoas que pagam uma fortuna para fazer safári na África para ver um elefante. Uma baleia dessas aqui são o tamanho de seis, sete elefantes — diz Marcovaldi, que destaca que nos próximos anos o encontro com baleias pode virar comum para pescadores e velejadores. — Por isso precisamos sempre aprender mais. A principal ferramenta é a informação, ter canais para a sociedade, saber como se aproximar. Temos que cuidar bem desse verdadeiro patrimônio natural.
Baleias chegando mais cedo ao Rio Grande do Norte
Considerando a época da migração, o turismo de observação de baleias é inclusive um trunfo para diversas cidades litorâneas atraírem turistas em época de baixa estação do ano. Em Ilhabela, já existe fila de espera para o agendamento de passeios, que custa cerca de R$350.
No Rio Grande do Norte, a atividade turística é realizada pelo projeto Mamíferos Marinhos do Rio Grande do Norte (PROMMARN). Há seis anos, quando o trabalho começou, os pesquisadores perceberam o aumento da população de jubartes em águas potiguares. Atualmente, as pesquisas no local determinam as áreas de preferência e detalhes da dinâmica social desses animais.
Fundador do projeto, o psicólogo Lídio Nascimento se especializou em comportamento animal no mestrado e doutorado e iniciou as atividades no Rio Grande do Norte após ter trabalhado com o Instituto Baleia Jubarte na Praia do Forte, quando aprendeu os métodos e regras de observação. Durante o período de migração, um barco com 14 vagas, a R$130 por pessoa, sai todo final de semana da praia de Pirangi, ao sul de Natal. As baleias, cada vez mais frequentes, costumam ser encontradas a uma distância de 15 quilômetros da costa.
— As pessoas aqui do Rio Grande do Norte costumavam ir até Abrolhos para ver baleias, mas aí descobriram a gente. Hoje temos recebido muitas reservas de moradores da Paraíba, Ceará e Pernambuco — conta Nascimento, que pretende transformar o projeto em ONG até o final do ano, a fim de facilitar a participação em editais. — Nos últimos anos, a quantidade vem crescendo. É cada vez mais frequente chegar nas 10 baleias em um passeio, o recorde por enquanto foi encontrar 32. E elas estão chegando cada vez mais cedo. Costumavam aparecer só em agosto, agora em junho já encontramos.
Até aqui, Nascimento ainda não conseguiu prospectar patrocínio de empresários locais do turismo, conta, um empecilho para sua proposta de promoção de um polo de capacitação. Mas ele vem sendo procurado por pesquisadores de estados vizinhos, interessados em levar a atividade para suas cidades.
— Antigamente se focava muito na Bahia. Só que as baleias jubarte ocupam todo o litoral nordestino. Essa temporada já tivemos relatos entre o Rio Grande do Norte e Atol das Rocas (Fernando de Noronha). Nos estados vizinhos há muitos grupos que fazem trabalho de resgate e reabilitação das baleias. Ainda não tem muito de turismo de observação, mas acredito que isso vai acontecer nos próximos anos.
Plataforma identifica todas as jubartes pelo mundo
Por enquanto, Rio Grande do Norte é o estado mais ao norte do Brasil onde há registro de baleia jubarte, ao menos pela plataforma Happywhale, que já identificou 84 mil baleias no mundo, 9.151 no Brasil. Pelo site do projeto, qualquer pessoa consegue compartilhar a foto da cauda da jubarte, que é usada como uma "impressão digital" da baleia. É essa parte do corpo que serve como identificação de cada indivíduo no catálogo.
Ao cadastrar a imagem, a pessoa recebe dados sobre a baleia, se ela já fora identificada anteriormente. Caso seja um animal novo no sistema, a pessoa poderá acompanhar se ela for reavistada em outra parte do mundo.
— Esse ano aumentou muito o número de brasileiros mandando imagens — diz Marilia Olio, bióloga marinho e responsável pelo processamento e análise de dados do Happywhale. — Quando o projeto começou, acreditava-se que as jubartes ficavam somente no nordeste da Antártida, na Geórgia do Sul e Ilhas Sanduíche. Com a inserção de dados, vimos que elas vão bem mais ao sul. Além disso, já ocorreram reavistamentos de baleias brasileiras no Equador, Gabão, Angola e África do Sul. A gente supõe que são machos explorando novas áreas.
Os monitoramentos e estudos realizados até hoje mostram que as jubartes têm preferência de se reproduzir onde nasceram e de se alimentar onde a mãe levou o filhote pela primeira vez. Essas são algumas das hipóteses já confirmadas pelo Happywhale, que foi lançado em 2015 pelo americano Ted Cheeseman, que há 25 anos trabalha com expedições turísticas na Antártida. Ao perceber o aumento da população, ele criou a ferramenta para monitorar as jubartes em toda parte do mundo. Agora, o projeto começará a identificar outras espécies de baleias.
— Quando eu entrei no projeto, em 2017, eu só tinha material para trabalhar por cerca de 30 minutos por dia. Hoje em dia já faço um expediente normal de 8 horas — conta Olio, em relação ao aumento da população no mundo. — O turismo de observação gera renda para cidade inteira. Sem contar que serve como oportunidade para pesquisa.
Moradora de São Sebastião (SP), Olio faz saídas de barco para observação em Ilhabela (SP). Segundo ela, esses passeios já estão mais visados que os de mergulho, na cidade.
— Acreditamos que a costa do Brasil antigamente era toda ocupada por baleias, mas depois se concentraram em Abrolhos quando a população diminuiu muito. Agora é comum elas voltarem a ocupar áreas que já ocupavam - explica Olio, que acrescenta outra vantagem desse aumento populacional. — Antigamente, alegavam que era preciso caçar baleia para que elas não acabassem com os peixes de uma região. Mas a ciência hoje mostra que as fezes das baleias servem como adubo, o que cresce a oferta de algas e plânctons, ou seja, de alimentos para os peixes. Quanto mais baleia, maior a chance de um mar saudável.