Brasil perde o balanço de João Donato
O músico acreano faleceu aos 88 anos e deixa uma obra multifacetada, mesclando bossa nova, jazz, música caribenha e eletrônica, dialogando com diversas gerações
“Tem músico que é Ré bemol, outros são Lá sustenido... Donato é Dó natural!”, disse Gilberto Gil sobre o amigo e parceiro João Donato, que nos deixou nesta segunda (17), aos 88 anos. O pianista, natural do Acre, estava internado havia uma semana, no Rio de Janeiro, com infecção pulmonar. Instrumentista e compositor multifacetado, na mesma medida em que foi um dos expoentes da bossa nova, trouxe às suas composições jazz, samba, funk, música latina/caribenha e eletrônica, com um balanço inconfundível. Clássicos da música brasileira são parcerias de Donato com nomes ilustres da MPB: “A paz”, “Emoriô” e “Bananeira” (Gilberto Gil), “A rã” (Caetano Veloso), “Cadê você” (Chico Buarque). Também são da lavra de Donato “Nasci para bailar” (Paulo André Barata) e “Flor do maracujá” (com o irmão Lysias Enio).
Suas músicas foram gravadas em especial por cantoras: Gal Costa, Nara Leão, Fafá de Belém e Zizi Possi estão entre as vozes que entoaram suas melodias. Donato foi responsável, ao lado de nomes como Tom Jobim, João Gilberto e Eumir Deodato, por alçar a música brasileira a voos mais altos no exterior. Em 2010, ganhou o Grammy Latino pela excelência musical da sua obra.
MÚSICA DE CORES VIBRANTES
Nascido em 17 de agosto de 1934, em Rio Branco, estudou piano clássico e, no final dos anos 1940, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Donato parecia realmente predestinado à música. Aos 12 anos, fez sua primeira composição. Em 1949, aos 15, sua primeira gravação: tocou acordeon no disco de estreia do flautista Altamiro Carrilho.
Donato sonhava ser piloto da Aeronáutica, como o pai, mas o daltonismo acabou frustrando esse desejo. Decidiu mergulhar de vez na música e, por ironia do destino, tornou-se mestre em criar um som de cores vibrantes e paisagens tropicais. Seu primeiro disco, “Chá dançante”, foi lançado em 1956. O trabalho trazia versões de músicas famosas à época, como “Carinhoso”, “Baião” e “No Rancho fundo”. Em 1958, acompanha João Gilberto em “Minha saudade” e “Mambinho”, período em que a bossa nova despontava. Dois dos seus discos mais importantes viriam depois: “Muito à vontade” (1962) e “A bossa muito moderna de João Donato” (1963).
Em 1970, lançou “A Bad Donato”, disco dos mais celebrados da música instrumental. Gravado no período em que viveu nos EUA, acrescia ao seu som jazz fusion, psicodelia, funky rock e eletrônica. Assim como o exemplo desse álbum, Donato sempre foi afeito às novidades. Ao longo dos anos, esteve atento aos jovens artistas. Tulipa Ruiz, Arnaldo Antunes, Marcelo D2, DJ Marcelinho Da Lua são alguns deles. Seu último álbum, “Serotonina”, de 2022, traz parcerias com Céu e Rodrigo Amarante.
REPERCUSSÃO
Artistas e celebridades repercutiram o falecimento de João Donato. Em suas redes, o presidente Lula lamentou sua partida, ao dizer que Donato “foi um dos gênios da música brasileira”.
“Manteve-se criando e inovando até o fim. Que encontre a paz que tanto cantou. Sua música permanecerá conosco. Meus sentimentos aos familiares, amigos, músicos que nele se inspiraram e fãs no mundo todo”, escreveu.
"Gratidão por tudo! Beijo imenso na família que tanto gosto", escreveu a cantora Maria Gadú, nos comentários do post do Instagram de Donato que anunciou a morte do artista. Tulipa Ruiz postou a letra da música “Tafetá”, do seu álbum “Dancê”, que traz participação de Donato, cuja letra encerra com: “Depois sempre, infinito/ Que bonito, viver assim/ De elegância, não se morre”.
O velório de João Donato acontece nesta terça (18), das 11h às 15h, no Theatro Municipal do Rio. Em seguida, o corpo do músico será cremado, em cerimônia reservada à família e amigos, no Memorial do Carmo.