ENTREVISTA

"Há uma epidemia de drama, o mundo é nosso palco para sermos recompensados com likes", diz psicólogo

Depois de descobrir que era "viciado em drama", Scott Lyons pesquisou e escreveu um livro sobre o tema

O psicólogo Scott Lyons - Reprodução do Instagram

Após um divórcio tortuoso, o americano Scott Lyons, de 40 anos, ligou várias vezes para o ex-marido. Ele fazia isso quando estava entediado. Fez também quando começou a se sentir melhor. Mas continuou fazendo quando conseguiu sair do ciclo de desespero em que esteve envolvido durante muito tempo.

A princípio, ele pensou que talvez fosse viciado em seu ex. Mas analisando a situação, percebeu que era ainda pior: era viciado em drama.

Lyons é psicólogo. Ele tinha o conhecimento e as ferramentas para tentar recuar e analisar a situação. Buscou estudos científicos e livros sobre o assunto, e acabou encontrando mais preconceito do que bibliografia útil. Passou seis anos pesquisando e escrevendo para dar forma ao "Addicted to drama: Healing dependency on crisis and chaos in yourself and others" ("Viciado em drama: Tratando a dependência em crises e caos em você e nos outros", em tradução livre), um livro ainda não traduzido para o português.

O psicólogo afirma que as redes sociais estão criando uma epidemia de viciados em drama, e que afeta tanto os usuários quanto a mídia, em uma escalada para chamar sua atenção. E avisa: todos nós conhecemos alguém que se encaixa nesse perfil, mas praticamente ninguém se colocaria ali.

Você traçou um perfil do viciado em drama para definir o que é popularmente conhecido como drama queen (rainha do drama), por que decidiu excluir esse nome de seu livro?
É depreciativo, é por isso que não o uso. Mas ao mesmo tempo é um termo muito interessante de se analisar. Já existe há muitos anos. Todo mundo conhece alguém viciado em drama e geralmente é referido com termos como narcisista, em busca de atenção, histriônico ou rainha do drama. E há algo nesses rótulos que elimina a empatia para entender o que realmente está acontecendo ali.
 

Normalmente, o termo tem sido usado para definir mulheres e homossexuais. Não sei se isso tem algo a ver com sua má fama.
Sim. É um termo que tem muitos preconceitos associados a ele. O dramático se refere a um tipo de comportamento histriônico, que historicamente tem sido mais associado às mulheres, principalmente desde [o psicanalista Sigmund] Freud. É como a histeria, uma doença nervosa associada às mulheres. Não me lembro de nenhum caso de homem que tenha sido hospitalizado por histeria. É fácil reduzir os viciados em drama a um estereótipo, mas a realidade deles é mais complexa. Eles não estão tentando ser notados apenas para serem notados. Eles não exageram por diversão. Para eles, o drama é um mecanismo de sobrevivência.

Você fingiu uma tentativa de suicídio quando adolescente. Por quê?
Foi uma tentativa de forçar alguma empatia ao meu redor. Sofri bullying de alunos e professores e só queria que isso parasse. As ferramentas que eu tinha para administrá-lo, como um garoto de 13 anos, eram poucas. Achei que ninguém ia me ouvir. Então criei um cenário onde acreditava que eles sentiriam a dor que eu sentia. É o que mais tarde vim a chamar de empatia armada, uma forma de forçar alguém a se colocar na sua situação. E agora vejo isso o tempo todo, com pacientes tendo dificuldade em comunicar suas necessidades ou em aceitar um pedido de desculpas. Portanto, a única coisa que eles sabem como fazer as pessoas sentirem empatia por sua dor é replicá-la em outra pessoa.

Ser viciado em drama é um pouco como ser um hipster: estamos cercados por eles, mas ninguém admite, por quê?
Quando procuramos drama, muitas vezes o fazemos inconscientemente e nunca nos vemos como os culpados. Na realidade perceptiva da pessoa viciada em drama, todas as ações e comportamentos são justificados. Não há senso de regulamentação. Apagar uma vela de aniversário com uma mangueira de incêndio pode parecer loucura para todos, mas é razoável para alguém que não consegue avaliar quanta energia, atenção e emoção são necessários para isso.

E esse vício é contagioso...
Sim. Chama-se contágio de estresse. É uma resposta de nossos neurônios-espelho, que nos fazem simpatizar com os sentimentos de alguém próximo. O estresse, como aquele que gera drama, é o estado mais contagioso ou ressonante que temos, aquele que esses neurônios melhor refletem, ainda mais do que o amor. Somos evolutivamente projetados para procurar sinais de estresse em outras pessoas, caso precisemos reagir ao mesmo estressor. É por uma questão de sobrevivência. Se um urso está perseguindo você, nos encontramos no campo e eu vejo seus olhos arregalados, sua respiração rápida... Vou ficar alerta antes que você tenha tempo de me contar qualquer coisa sobre o urso. O estresse é uma emoção projetada para ser contagiosa, por isso não precisamos ter uma conversa verbal para responder a ela.

Em seu livro, você diz que a economia da atenção e as redes sociais fomentaram uma epidemia de drama. Como é isso?
Há 20 ou 30 anos vivíamos o vício do drama de uma forma mais intimista, agora fazemos isso com uma exposição massiva. O capitalismo gerou uma economia de atenção. Esta é a mercadoria mais importante. Captar e manter a atenção do usuário possibilita vender, por meio de anúncios, qualquer coisa. E isso tem um custo. Para capturar e prender a atenção do máximo número de pessoas, algum estresse deve ser induzido. Dessa forma, força-se uma linguagem mais emotiva, mais intensificada. Histórias que geram tristeza, raiva ou medo são as mais compartilhadas. E eles se insinuam em nossas vidas, então começamos a recriá-los, replicando esses cenários e imitando essa linguagem em nossas postagens de mídia social, mesmo que não estejamos vivendo essa experiência em um nível pessoal. E assim, acabamos fazendo parte da economia do estresse.

Nos últimos anos, o Instagram foi preenchido com fotos de influenciadores chorando.
É a "pornografia" da vulnerabilidade ou autenticidade . E é ridículo. Sim, muito autêntico, quantos ângulos você testou para tirar aquela foto chorando? Quantas fotos você descartou? É um equilíbrio difícil porque, por um lado, estão passando a mensagem de que é saudável expressar sentimentos e não apenas mostrar só o lado bom nas redes. Mas, por outro, eles estão fabricando esse conteúdo. Eles estão vivendo através de seu avatar social em vez da vida real. E o que todos os estudos sobre o assunto sugerem é que quanto mais vivemos como nosso avatar social, mais desconectados ficamos de nós mesmos e essa dissonância acaba levando à depressão. Vemos as taxas mais altas de depressão em meninas adolescentes, que recorrem às suas redes sociais, abusam de filtros e correm atrás de curtidas.

Mas o vício do drama nas redes sociais não atinge apenas os usuários particulares. Algumas mídias também caem nisso para conseguir cliques...
Claro. A notícia também replica esses mecanismos. Há uma epidemia de drama. O mundo inteiro agora é nosso palco para representar esse grande drama e ser recompensado com likes. O problema, como em qualquer vício, é que nosso nível de tolerância aumenta. E então precisamos de mais drama para algo chamar nossa atenção. Vinte anos atrás, as notícias precisavam de menos estímulo para chamar a atenção de alguém. Agora eles precisam de mais violência, linguagem mais intensa, mais sexo. Precisamos de ferramentas dramáticas para capturar ou prender a atenção das pessoas.

E como isso afeta o debate público?
Muito, porque aí a política se torna performativa. Nossa cultura é cada vez mais performática para chamar e manter a atenção. E você tem que induzir mais drama, mais tensão. E isso só aumenta. Daqui a 10 anos, precisaremos de muito mais estímulos indutores de estresse para chamar a atenção de alguém. Sabemos que, na ausência desse estímulo, as pessoas entram em abstinência. E sua forma de combatê-lo é buscar ou criar mais drama. Porque o estresse e o trauma funcionam como cola social. Isso nos faz sentir mais próximos um do outro, e é por isso que fazemos o que é chamado de ligação dramática.

Ligação dramática?
Exatamente, significa que nos conectamos com outras pessoas através do apego ao drama do outro. Isso nos faz sentir parte de algo. É por isso que fofocamos.

Quanto drama é muito drama?
É engraçado porque quando você assiste a programas de TV, eles estão o tempo todo falando sobre a necessidade de drama. Pedem atuações mais dramáticas, maquiagens mais dramáticas... Na televisão, o drama e a tensão servem como motores narrativos. E aí eles podem ser divertidos, mas na vida real carregam um custo fisiológico. Você tem que analisar se sabe processar e metabolizar aquele drama, entender o que fazer com todo o estresse que ele gera. Qualquer drama é drama demais se você não souber como processá-lo e isso te leva a errar.