Poluição das águas é 'bomba-relógio' para a saúde global, mostra estudo da Nature
A pesquisa alerta que no pior dos cenários, parte da América do Sul, a África subsaariana e o sudeste da Ásia serão expostas à águas poluídas
A poluição da água criará uma crise de abastecimento hídrico até o final do século. É o que revela um novo estudo publicado na Nature Water nesta segunda-feira. Ele mostra que o problema é uma "bomba-relógio" em nível global. As simulações, feitas por cientistas holandeses, apontam que uma média de 5,5 bilhões de pessoas em todo o mundo podem estar expostas à água poluída pelo menos até 2100.
De acordo com a pesquisa, é esperado que a situação das águas superficiais mude drasticamente no futuro, tanto por influência das grandes mudanças nas quantidades de poluentes no ar, quanto pela retirada dessas águas e regimes hidrológicos, impulsionados pelas mudanças climáticas e desenvolvimento econômico das sociedades humanas.
Neste ano, a Organização das Nações Unidas já ressaltou o "risco iminente" de uma crise global de escassez. O principal motivo para preocupação com o futuro da água do planeta está conectado à sua importância para a vida humana. Ela possui diversas funções para a saúde, como o transporte de nutrientes, digestão, excreção de substâncias tóxicas, a absorção de nutrientes, e as reações que garantem um bom estado fisiológico.
— Uma boa qualidade da água reduz determinadas doenças aquela chamadas de doenças de veiculação hídrica e outros tipos também. Outro fator é a mortalidade infantil, que sempre apresenta uma queda absurda a partir do momento que você fornece água potável para a população — explica Marcelo Obraczka, especialista em Engenharia Sanitária e professor na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Três possibilidades
Para conseguirem visualizar esse impacto na qualidade dessas águas, os cientistas utilizaram três indicadores: a temperatura da água e indicadores de salinidade (sólidos totais dissolvidos), poluição orgânica (demanda biológica de oxigênio) e patógena (coliformes fecais). A partir disso, eles investigaram essa qualidade usando três cenários climáticos futuros usados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em períodos de 20 anos, com início em 2005 e fim em 2100.
O primeiro cenário segue uma trajetória 'business-as-usual' (negócios usuais, traduzida do inglês), definida por forte progresso tecnológico contínuo com preocupação limitada com o aquecimento global. Enquanto o segundo, conta com um futuro "verde" otimista, no qual a sustentabilidade se torna uma prioridade de todos. Já o terceiro, o panorama com piores resultados, é descrito uma futura 'estrada esburacada' de crescentes rivalidades nacionais juntamente com lento progresso econômico e ambiental.
— Estamos definitivamente sentados em uma bomba-relógio — alerta o pesquisador Joshua Edokpayi, especialista em gestão da qualidade da água na Universidade de Venda em Thohoyandou, na África do Sul, em entrevista ao site da Nature.
América do Sul, África subsaariana e sudeste da Ásia sofrerão os efeitos
Como resultado da análise, os dados apontaram que a partir de todos os cenários, a qualidade da água tem tendência a piorar em níveis alarmantes nos países com economias emergentes. Em contrapartida, nos países muitos ricos os níveis atuais de poluentes orgânicos e substâncias que podem causar doenças tendem a diminuir, devido a um melhor tratamento da água.
Com a capacidade de consumo comprometida, as regiões identificadas como mais poluídas, no pior dos cenários apresentados pela pesquisa, correm risco de sofrer crises de abastecimento de água, frisa o professor Marcelo Obraczka.
— Como gerimos muito mal a pouca água potável disponível, a tendência é uma piora do cenário atual. E a corda vai estourar justamente nas mãos da população mais vulnerável, em lugares pobres, com baixa disponibilidade hídrica e que ainda por cima não tratam devidamente seus resíduos líquidos e sólidos. Aliado ao crescimento da população e as crescentes demandas de irrigação que consomem boa parte da água disponível — ressalta o especialista.