Preço dos grãos sobe por 'risco de escalada' na Ucrânia
Os preços voltaram ao nível do início de abril, reagindo à escalada do conflito após a suspensão do corredor marítimo para o transporte de cereais
Nenhum navio se atreve a atracar em portos ucranianos do mar Negro para carregar grãos depois de que a Rússia deixou de garantir um corredor seguro e bombardeou instalações de exportação, provocando um forte aumento dos preços agrícolas nos mercados europeus.
Dois dias depois que a Rússia se negou a renovar o acordo sobre as exportações agrícolas da Ucrânia, que permitiu a saída de cerca de 33 milhões de toneladas de grãos em um ano, os mercados começaram a reagir.
O preço do trigo brando fechou com fortes altas nesta quarta-feira (19), até 253,75 euros por tonelada no mercado Euronext, somando 8,2% durante o dia, após a intensificação dos bombardeios russos na Ucrânia.
Os preços voltaram ao nível do início de abril, reagindo à escalada do conflito após a suspensão do corredor marítimo para o transporte de cereais e à ameaça de Moscou contra qualquer embarcação que se desloque para a Ucrânia.
Na segunda-feira, a notícia do encerramento desta rota marítima, que outrora fornecia metade das exportações da Ucrânia, mal tinha sido divulgada no mercado, segundo Andreï Sizov, da SovEcon.
Mas após os ataques russos contra Odessa e Chornomorsk, dois dos três portos ucranianos do corredor, e as notícias de que as seguradoras "suspenderam a cobertura" dos riscos no mar Negro, a preocupação aumentou, apontou Damien Vercambre, corretor da Inter-Courtage.
Incertezas
O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, acusou, nesta quarta-feira (19), a Rússia de mirar "de maneira deliberada" as infraestruturas utilizadas para a exportação de grãos pelo mar Negro.
Os bombardeios destruíram 60.000 toneladas de grãos no porto de Chornomorsk, segundo o ministério ucraniano da Agricultura.
Na segunda-feira, Zelensky disse que estava decidido a continuar as exportações marítimas, mas a Rússia advertiu sobre os "riscos" no mar Negro, onde já não havia "garantias de segurança".
"Com intensificação dos bombardeios, a Rússia não dá nenhuma oportunidade para que o corredor siga sem ela. A mensagem é muito clara e os mercados começam a assumi-la", afirmou Darmien Vercambre.
Nesta quarta, a Ucrânia propôs criar patrulhas militares internacionais com mandato da ONU para garantir a segurança de suas exportações de cereais pelo mar Negro, segundo um assessor da presidência.
Mas a Rússia advertiu que considerará como possíveis navios militares aquelas embarcações que se dirigirem para a Ucrânia.
Segundo Sébastien Poncelet, especialista em grãos da Agritel, "abre-se uma nova página de incertezas no mercado dos cereais".
Não obstante, assegura que "não estamos diante do choque que os mercados viveram após a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022", que elevou o preço do trigo a mais de 400 euros a tonelada.
Além disso, "os operadores ucranianos afirmam ter capacidade para exportar até 3,8 milhões de toneladas por mês por rotas alternativas: terrestre, ferroviária e fluvial - pelo Danúbio", explicou Vercambre.
Mas "estamos assistindo a uma escalada nesse momento e que poderia continuar nas próximas semanas ou meses", advertiu Andreï Sizov.
A este último não lhe surpreenderia se os ucranianos "tentassem interromper o transporte de grãos russos, como forma de represália" aos ataques contra Odessa.
Riscos meteorológicos
Até agora, "era importante para a Rússia preservar o corredor para proteger suas relações com a Turquia e China", que compram uma proporção significativa de suas exportações e estavam entre os três primeiros países que se beneficiavam das exportações ucranianas pelo corredor, explicou Michael Zuzolo, da Global Commodities Analytics and Consulting.
Mas "as relações entre esses dois países e a Rússia têm se deteriorado" recentemente, sobretudo com a recente chancela da Turquia à entrada da Suécia na Otan, acrescentou.
Em sua opinião, os preços mundiais não refletem suficientemente os riscos, dadas as condições meteorológicas desfavoráveis nos Estados Unidos e no sudeste asiático.