Concurso unificado TSE: falta clareza em cadastro de reserva
Indefinição sobre número de vagas alimenta indústria
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve realizar um concurso unificado para o quadro próprio e para vários Tribunais Regionais do país ainda neste ano. Nos cursinhos, não se fala em outra coisa. Apenas para o cargo de analista judiciário na área de análise de sistemas, o TSE estuda a proposta de criar 565 vagas — uma ótima notícia para quem quer fazer carreira na administração pública. Mas o que chama a atenção é que os TREs convocaram pouquíssimos aprovados nos últimos processos seletivos realizados em 2017, cuja validade foi estendida por causa da pandemia de Covid-19.
Um exemplo é o cargo de analista judiciário da área administrativa no TRE do Rio, um dos mais procurados por pagar salários acima de R$ 13 mil. Neste cargo específico, somente 32 aprovados em 2017 tomaram posse, somando candidatos da ampla concorrência e cotistas. No TRE do Paraná, que realizou concurso no mesmo ano, foram pouco mais de 90 convocados para técnico judiciário, de nível médio, com ganhos na faixa de R$ 8 mil.
Os dois concursos divulgaram um número ínfimo de vagas mais cadastro de reserva. No Rio, foram duas para analista e cinco para técnico na área administrativa. Eram inúmeros os cargos em disputa, quase todos com cadastro de reserva, no qual não há sequer estimativa de quantas vagas poderão ser ocupadas.
Mais problemático é o concurso da Guarda Municipal do Rio, que continua válido 11 anos depois de realizado, graças a manobras da prefeitura, como a extensão da vigência do decreto de calamidade pública da Covid-19. O interessante é que, no caso da GM-Rio, o concurso de 2012 divulgou um número de vagas, portanto, a prefeitura é obrigada a nomear todos os aprovados, a não ser que confirme falta de condições financeiras.
Acostumado a brigas na Justiça contra bancas organizadoras de seleções, o advogado Pedro Auar diz que a administração pública não parece preocupada em selecionar os melhores candidatos e acaba favorecendo bancas e cursinhos. Para ele, o cadastro de reserva leva a uma profusão de novos editais e alimenta a ‘indústria de concursos’.
"Ao que parece, há uma necessidade contínua de se abrir diversos concursos sem dar uma finalidade republicana ou uma conclusão que atenda aos anseios da comunidade. É uma verdadeira indústria de concursos que precisa ser retroalimentada".
A servidora e advogada Cristiane Mezentier faz coro e afirma que, se confirmado um novo concurso para os Tribunais em novembro, os candidatos podem argumentar falta de isonomia e tratamento desigual aos aprovados em seleções anteriores:
"É como pagar adiantado por um produto sem saber quantas unidades há no estoque. Se não sabe quantas vagas têm, o candidato pode estar investindo tempo e dinheiro num concurso que vai chamar um ou dois candidatos. Por outro lado, um concurso pode chamar 32, como o do TRE-RJ de 2017, e o próximo nomear 700/800 analistas. É claramente uma afronta ao princípio da isonomia e da igualdade de direitos".
Cristiane reconhece que é difícil obter decisão judicial favorável porque o cadastro de reserva permite que o gestor “esconda” as vagas. Para ela, o cadastro tira a transparência do concurso porque não permite ao candidato ter uma referência dos cargos disponíveis e o impede de controlar irregularidades: "Se tem pressa de fazer um novo concurso é porque precisa de servidores. Por que não chamar os aprovados?".
O que diz a lei sobre processos seletivos
No caso do TRE do Rio, os candidatos perguntam: por que aderir à seleção unificada do TSE se chamou tão poucos aprovados no concurso que realizou? É hora de desistir do processo seletivo anterior e apostar no próximo ou ainda há esperança de convocação? A resposta deve vir em novembro, caso o TSE publique o edital da seleção unificada.
Ubirajara da Fonseca Neto, doutor em Direito e professor de pós-graduação na UFF, na Uerj e na Emerj, dá uma dica a candidatos em concursos com cadastro de reserva. Eles devem procurar falhas na preparação dos certames e, caso as encontrem, acionar a Justiça com mandados de segurança:
"Eu refletiria se há erros da administração para buscar minha nomeação e, caso não haja, começaria a estudar para o próximo concurso".
Segundo Neto, a Constituição Federal diz que aprovados em um concurso dentro da validade têm prevalência sobre os que vierem a ser realizados. Ou seja, um órgão só pode nomear candidatos em uma seleção quando contemplar todos os aprovados na anterior. O problema é que há alguns anos os Tribunais passaram a adotar o cadastro de reserva, escondendo o número de vagas.
Neto reforça que a Lei 8.112/1990, que rege os concursos federais, diz que “não se abrirá novo concurso enquanto houver candidato aprovado em concurso anterior com prazo de validade não expirado”. Em outras palavras, apenas os aprovados dentro do número de vagas têm direito certo à nomeação:
"A lei não os obriga a informar o número de vagas. É princípio basilar da legalidade para a administração só fazer aquilo que a lei determinar".
Judiciário pode intervir a favor do candidato?
O procurador federal e professor de Direito Administrativo Daniel Almeida Oliveira concorda que a legislação prevê poucos direitos aos candidatos diante da prevalência do interesse público sobre o privado. Mas observa que, para mitigar abusos, o Judiciário passou a decidir a favor de candidatos contra comissões de concursos e garantiu alguns direitos, entre eles o de ser nomeado, independentemente do prazo de validade, desde que aprovado dentro do número de vagas.
"Ocorre que a administração, para não se vir obrigada a nomear todos, tem adotado o cadastro de reserva em vez de número de vagas. Isso é ruim não só para quem disputa como para ela também, porque desestimula bons candidatos a prestarem o concurso".
O procurador não descarta que o Judiciário venha a punir a administração pública por realizar concursos apenas com cadastro de reserva e, inclusive, obrigue gestores a divulgar o número de vagas nos editais. "A meu ver, diante da postura do STF nesses casos e do ativismo crescente, não estaria longe de ocorrer".
No caso do concurso dos TREs, Daniel Oliveira acredita ser difícil sustentar o direito à nomeação de todos os aprovados porque foram muitos candidatos, e os Tribunais não teriam orçamento para custear nem necessidade de tantos servidores.
"A boa notícia para os candidatos aprovados no último concurso, especialmente para aqueles em boa colocação, é que pode vir a ser reconhecido um possível abuso da administração em abrir um novo edital antes de nomeá-los", afirma.
Governo Lula investe
Como muitos previam, o governo Lula voltou a dar atenção às carreiras públicas, praticamente abandonadas nas gestões Temer e Bolsonaro. Prova disso é que o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) anunciou concursos para as carreiras do Executivo federal, o que não contempla os Tribunais, que pertencem à administração judiciária e têm orçamento próprio para pessoal.
A liberação de verbas para todos, porém, passa pelo crivo do Executivo na construção do Orçamento. Então, é de se esperar que o governo abra os cofres para atender à demanda do TSE.
No seu primeiro governo, Lula foi recordista em abertura de vagas e preencheu mais de 80 mil postos no serviço público, contra 24 mil por Bolsonaro. Na campanha eleitoral, prometeu investir sobretudo nas áreas de Saúde e Educação e disse que teria que contratar mais gente para prestar um atendimento melhor à população.
O anúncio de 4,4 mil vagas é uma mostra de que está disposto a manter a estratégia dos primeiros governos. A preocupação dos aprovados em concursos em andamento é que os cofres só se abram para contratar perto da eleição de 2026. A conferir.
O que dizem os Tribunais e a GM-Rio
O TRE do Rio informou que o provimento de cargos ocorre à medida do surgimento de postos vagos no Tribunal.
“Desde o concurso de 2017, tomaram posse 156 servidores (todos os cargos) até o momento. E ainda há previsão de posse de mais 13”, explicou a assessoria do órgão, que não confirmou a participação no certame unificado da Justiça Eleitoral.
O TRE do Paraná também afirmou que só vai aderir ao concurso unificado se houver tempo hábil após fevereiro de 2025, quando acabará a validade de seus concursos.
A Guarda Municipal do Rio explica que, de acordo com a publicação no Diário Oficial do Município do dia 20 de junho, o concurso público para o provimento no cargo de guarda municipal/2012 ainda está em vigor. Até agora, das duas mil vagas previstas no edital, 550 já foram preenchidas.
A validade do concurso – de dois anos — foi renovada por mais dois. No entanto, o prazo de validade somente começou a contar, segundo a GM-Rio, após a homologação do curso de formação da primeira turma de candidatos, em 2016.