Marielle Franco

'Só escutei a rajada; começaram a cair cápsulas na minha cabeça', diz Élcio sobre morte de Marielle

Em delação premiada, ex-PM admitiu ter sido o motorista do atirador na noite do crime e detalhou todos os passos de antes e depois do assassinato

Imagens de câmera mostram Marielle Franco deixando evento antes do crime e outro carro saindo atrás logo depois - Reprodução

O ex-policial militar Élcio de Queiroz, preso em 2019 suspeito de participar dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes, revelou, em delação premiada, como foi o momento do assassinato da vereadora e do motorista. À Polícia Federal, ele contou que o também ex-PM Ronnie Lessa passou para o banco da frente do carro e estava com uma touca ninja quando atirou. "Ele já estava com o vidro aberto e eu só escutei a rajada; da rajada, começaram a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço". Segundo ele, foi "um barulho danado".

— No momento em que a gente avança e eu entro a primeira à direita naquele Largo do Estácio, o carro estava parado transversalmente e aguardando um veículo passar por ele para ele poder entrar naquela rua, para atravessar ali o viaduto... Aquele viaduto ali; o veículo estava parado esperando uma oportunidade para poder entrar, e nesse momento ele falou: "É agora e emparelha". Emparelha no caso a minha janela com a... porque no caso ela estava... Emparelha a minha janela com a de trás do lado direito... O mesmo que ele falou lá atrás retomando... Vai ter que ser pelo lado direito do carona direito, eu me lembrei agora desse fato, traseiro direito.

Indagado pelo delegado federal Guilhermo Catramby se o carro foi posicionado daquela forma porque os dois sabiam onde estava a vereadora, Élcio confirma:

— Isso, justamente. Ele já estava de touca esse tempo todo depois que a gente saiu; ele já estava com a touca ninja. Nesse momento que está parado, esperando pra entrar, eu emparelhei e botei meu vidro... A minha janela paralela ao carona do carro do Anderson; não vi, pois o vidro é escuro. Ele já estava com o vidro aberto e eu só escutei a rajada; da rajada. Começaram a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço.

Na delação, Élcio destaca que, quando Ronnie Lessa atirou, o barulho da rajada foi intenso:

— Quem pensa que silencioso... mas faz um barulho danado, não tinha nem noção. Quem pensa que é pouco barulho... mas é muito barulho. Aí caíram as cápsulas em mim e ele falou: “Vão bora”. Eu nem vi se acertou quem, se não acertou — revelou.

Touca ninja, silenciador e medo de policiais: como foi a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes

A preparação do crime
Elcio de Queiroz estava trabalhando como segurança de uma transportadora quando recebeu uma mensagem de Ronnie Lessa na tarde de 14 de março de 2018, horas antes do assassinato. A comunicação ocorreu por uma aplicativo em que as mensagens se autodestroem após lidas.

O motorista do crime foi ao encontro do parceiro no Vivendas da Barra, onde Lessa morava. O atirador levava uma bolsa de viagem, onde a arma usada no crime estava guardada. Eles embarcaram no carro pessoal do atirador e foram em busca do Cobalt prata usado no crime. No primeiro carro, deixaram seus telefones desligados para tentar evitar serem rastreados pelos sinais de celular.

Já no carro usado no crime, eles passaram pelo Alto da Boa Vista, pela Praça Sãens Peña, na Tijuca, até chegarem à Rua dos Inválidos, na Lapa, onde Marielle participava de um evento.

A Casa das Pretas
No caminho para a Rua dos Inválidos, o motorista perguntou a Lessa "qual era a situação". O atirador respondeu ser a vereadora Marielle Franco, mas Élcio diz não ter reconhecido quem era: “O que é a situação? Tem dinheiro nisso aí?”, questionou novamente Queiroz, e obteve como resposta do amigo ser "algo pessoal" sem o envolvimento de dinheiro.

O ex-Bope teria visto nas redes sociais que a vereadora participaria de um evento no local às 19h. A dupla chegou próximo ao horário e Lessa ficou preocupado de terem se atrasado. O atirador demonstrou conhecer bem a região: Élcio conta ter recebido instruções de onde poderia parar o carro para evitar câmeras de segurança.

Com o carro já parado próximo à Casa das Pretas, Ronnie Lessa começou a se preparar. Pediu ajuda para passar para o banco de trás sem sair do veículo. Ele tem uma perna amputada e usa uma prótese, o que dificultaria o movimento. Depois de mudar de posição, ele começou a se equipar: colocou um casaco (preto com detalhes vermelho e branco, de algum time estrangeiro), tirou a metralhadora da bolsa, colocou o silenciador e ficou observando o movimento com um binóculo.

O carro estava fechado e desligado para evitar chamar atenção, mas os vidros começaram a embaçar. Élcio de Queiroz liga o veículo para poder ligar o ar-condicionado. Ao girar a chave na ignição, o painel do carro acende. Para tampar a luz, Lessa entrega uma touca ninja para cobrir a iluminação.

“Eu já sabia que era execução; quando a senhora apareceu, ele falou assim, com essas palavras: “tô pensando em pegar aqui mesmo”...; pegar a gente já sabe que é matar; aí eu falei: tá louco, fazer isso aqui no meio (...) eu falei, olha as câmeras; ele disse não... a gente não vai fazer nenhuma loucura”, disse.

O assassinato
Marielle entra no carro com o motorista Anderson Gomes e Fernanda Chaves, sua assessora que sobreviveu ao assassinato. Ao ver que havia outra passageira, Élcio questiona se Lessa abortaria a missão: “Me falou para ficar tranquilo que não ia pegar nela”.

O carro com os três foi embora e a dupla foi logo atrás. Lessa orientou manter distância. Além da oportunidade de cometer o crime no carro, o atirador já tinha mapeado um bar onde Marielle costumava ir. Em outro momento o motorista hesita novamente. No caminho passam por um carro completamente preto e Élcio pensa ser de um policial — o que poderia atrapalhar a execução. Ele comenta com Lessa, que orienta o amigo em continuar a seguir o carro da vereadora.

Mas ao se aproximar do carro de Marielle parado em um cruzamento, Lessa, de touca ninja, deu a ordem: “emparelha a minha janela com a de trás do lado direito. Pelo carona”.

“Eu só escutei a rajada; da rajada, começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço; Ele falou “vão bora”; eu nem vi se acertou quem, se não acertou” , detalha Queiroz na delação.

A fuga
Élcio arrancou com o carro e foram embora. No banco de trás, Lessa colocou um carregador cheio na submetralhadora para “fazer barulho” caso “alguém os roubasse”. Eles pegaram a direção da Leopoldina para depois acessar a Avenida Brasil. De lá passaram pela Linha Amarela no sentido Barra da Tijuca e desceram antes do pedágio, no Méier, Zona Norte do Rio. Passaram então em frente à casa da mãe de Lessa e estacionaram próximo a uma casa de festas. O atirador então chamou pelo irmão, pediu para ele guardar a bolsa e pedir um táxi para a dupla.

Blindado, lancha e terreno em Angra: luxo de Ronnie Lessa após morte de Marielle e Anderson impressionou delator

Os dois embarcam no novo carro e pegam novamente a Linha Amarela em direção à Barra da Tijuca. Eles voltam ao local onde tinham deixado o veículo pessoal de Lessa e foram para um bar na Olegário Maciel, famoso point da noite carioca.