Saúde

Longevidade pode ter ligação com habilidade de sentir odores, mostra novo estudo da Nature; entenda

Experimento mostrou que cheiro de substâncias nocivas ativa circuito neural que protege o cérebro

Neurônios de uma região do cérebro chamada estriado são responsáveis por guardar informações que atuam na tomada de decisão. - Freepik

A longevidade pode estar mais associada com o nariz do que se imagina. É o que sugere um novo estudo, publicado na revista científica Nature Aging, nesta quinta-feira, que liga o odor de substâncias nocivas à ativação de um circuito neural positivo para o cérebro. O trabalho foi conduzido por pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular do Medical Research Council (MRC), no Reino Unido – entre eles, um brasileiro.

Os cientistas estudaram vermes microscópicos chamados nematoides da espécie Caenorhabditis elegans. Embora distantes das pessoas em aparência, é comum utilizá-los para compreender mecanismos biológicos básicos do sistema nervoso. Isso porque eles têm funções similares e que, possivelmente, são replicáveis para o corpo de seres humanos.

No estudo, os pesquisadores observaram que um composto exalado por bactérias que provocam doenças, como a Pseudomonas aeruginosa e a Staphylococcus aureus, gerou não apenas aversão pelo verme, que se afastou após “sentir o cheiro”, mas também desencadeou um circuito neural que processou de forma mais eficiente proteínas tóxicas.

“Ao usar o olfato para detectar perigos no ambiente, ele eleva as respostas de estresse antes mesmo de encontrar a bactéria patogênica. A percepção do cheiro preveniu ainda a agregação de proteínas, envolvida em doenças, e aumentou a longevidade”, diz Evandro Araújo de Souza, brasileiro e primeiro autor do estudo, realizado durante pós-doutorado no Laboratório de Biologia Molecular do Medical Research Council (MRC), no Reino Unido, à Agência Fapesp.

Esse efeito é algo importante já que, entre os humanos, esse acúmulo de proteínas tóxicas é associado a diversas doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson. Além disso, sentir o odor de uma substância nociva fez com que os vermes tivessem mais tempo de vida de uma maneira geral quando comparados aos outros que não tiveram contato com o cheiro das bactérias.

Para Rebecca Taylor, pesquisadora do Laboratório de Biologia Molecular do MRC e coordenadora do estudo, a descoberta pode levar um dia ao uso de odores no tratamento de problemas neurodegenerativos em pessoas. Porém mais trabalhos são necessários para vislumbrar essa possibilidade com mais certeza.

“Esse trabalho sugere que manipular a percepção de substâncias químicas pode, um dia, ser uma rota para intervir em doenças neurodegenerativas e relacionadas à idade. No entanto, mais trabalhos precisam ser feitos para estabelecer se vias de sinalização celular e mecanismos similares operam em humanos”, explica.

Os cientistas citam outros estudos que já indicaram que, em camundongos, existe um circuito entre o fígado e o cérebro que é ativado por meio do odor de determinados alimentos. Por isso, acreditam que faz sentido que o sistema nervoso de outros mamíferos tenha mecanismos semelhantes.

“Se encontrarmos uma molécula que faça a mediação desse circuito que vai da percepção do odor até a resposta do organismo, poderemos ter um caminho promissor na busca por novos tratamentos”, diz Souza.

Mecanismo no intestino
De forma mais específica, os pesquisadores observaram que sentir o composto das bactérias ativou uma função no intestino dos vermes chamada de resposta a proteínas mal enoveladas do retículo endoplasmático. Trata-se de uma defesa do organismo que repara ou elimina proteínas defeituosas.

Na doença de Alzheimer, por exemplo, entre as causas estão o acúmulo de duas proteínas no cérebro devido a problemas com o seu descarte, a beta-amiloide e a tau.

Além disso, no novo estudo, eles identificaram que esse mecanismo tinha uma ligação com um gene chamado DAF-7 que, quando inibido, impediu a ativação da resposta no retículo endoplasmático. Os pesquisadores explicam que os humanos têm um gene considerado equivalente, o TGF-beta, e por isso Souza diz termos “um bom caminho para seguir a partir de agora”.