Nicarágua

Nicarágua avalia a adoção do sistema de pagamento russo MIR para fugir das sanções

Especialistas apontam que, apesar da movimentação, a alta dependência do dólar pode frustrar os planos do regime

Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, durante discurso comemorando o aniversário da Revolução Sandinista - Cesar Perez/AFP

O ministro das Fazenda do regime de Daniel Ortega, Iván Acosta Montalbán, revelou que o governo da Nicarágua está avaliando a adoção do sistema de pagamento russo MIR, criado pela Rússia para escapar das sanções internacionais impostas pelo Ocidente.

— Como é feito em Cuba e na Venezuela, para neutralizar e derrotar as agressões financeiras dos EUA — comentou em entrevista a um meio de propaganda de Moscou.

O anúncio foi feito pelo economista em meio ao aprofundamento das relações entre Manágua com o Kremlin, Pequim e Teerã, numa tentativa de aliviar o isolamento internacional devido à repressão e à consolidação do regime totalitário.

— O povo tem o direito de buscar e usar as melhores ferramentas para o bom funcionamento social, econômico e político do país. As sanções, a coerção, são ilegítimas, são ilegais e são injustas — disse Acosta Montalbán no mesmo tom em que, normalmente, o casal presidencial da Nicarágua se queixa das sanções que vem sofrendo desde 2018.

As últimas sanções impostas por Washington a Manágua ocorreram em julho passado, em meio à comemoração do aniversário da revolução sandinista: 13 funcionários do regime foram incorporados à lista de Atores Corruptos e Antidemocráticos, conhecida como Lista Engel. Esses operadores são responsáveis pela desnacionalização, banimento e confisco de mais de 300 opositores, incluindo 222 ex-presos políticos.

— Portanto, diante dessa situação, isso eleva as técnicas da ferramenta econômica para poder ter os melhores desenvolvimentos, os melhores resultados ideais para poder evitar medidas coercitivas unilaterais, que são, repito, ilegítimas, ilegais e injustas — argumentou o ministro. — Temos todo o direito de usar as melhores medidas do ponto de vista da funcionalidade do sistema de pagamentos. Estamos avaliando o sistema de pagamento MIR, mas também outro sistema de pagamento que garanta neutralizar e derrotar essas agressões. Não é útil para um país dolarizado.

Manuel Orozco, pesquisador do Diálogo Interamericano, explicou que o regime de Ortega está imitando todos os procedimentos que os "satélites conectados à Rússia precisam realizar para fazer pagamentos". Entretanto, ressalta o especialista, "isso não tem muito significado, funcionalidade e utilidade para um país com uma economia dolarizada como a da Nicarágua, independentemente de considerações políticas".

Apesar das sanções impostas pela comunidade internacional, especialmente por Washington, o principal parceiro comercial da Nicarágua continua sendo os Estados Unidos. O comércio entre Manágua e Moscou é insignificante em comparação com o comércio da Nicarágua com os Estados Unidos. Por exemplo, durante os dois primeiros meses de 2022, os EUA pagaram à Nicarágua US$ 300 milhões (R$ 1,4 bilhão) em exportações. Enquanto o "crescimento de 266,7% em termos de volume" das exportações para Moscou mal correspondia a US$ 13 milhões (R$ 61 milhões).

O filho do casal presidencial, Laureano Ortega Murillo, reconheceu no mesmo programa em que o ministro da Fazenda participou que as relações comerciais com a distante Rússia ainda são mínimas.

— De nossa parte, vemos uma grande oportunidade para que os produtos russos cheguem à Nicarágua e para que os produtos nicaraguenses sejam colocados no mercado russo... É algo que ainda temos de promover mais fortemente e aproximar esses círculos de negócios — disse o assessor de investimentos estrangeiros do pais.

Por sua vez, Orozco insiste em lembrar a dependência da Nicarágua "do mundo desenvolvido e industrializado, ou seja, dos Estados Unidos, do Canadá e da União Europeia".

— 99,9% do comércio nicaraguense é predominantemente em dólares. Portanto, o uso de uma rede de pagamento como essa, a rede MIR, não é de grande importância. Além disso, a Rússia tentou implementar o sistema de pagamento no contexto dos Brics, que estão tentando criar sua própria moeda digital, e isso não teve nenhum tipo de impacto — diz o diretor do Programa de Migração, Remessas e Desenvolvimento do Diálogo Interamericano.

Nos últimos meses, o regime de Ortega e Murillo assinou dezenas de acordos comerciais, culturais e comerciais com a Rússia, a China e o Irã. Entretanto, o impacto que essas potências poderiam ter sobre a economia da Nicarágua ainda é imperceptível. Em junho passado, o casal presidencial recebeu o presidente iraniano Ebrahim Raisi com honras em Manágua, mas além do intercâmbio comercial real, o analista político e ativista da oposição Eliseo Núñez acredita que "a estratégia de Ortega" é usar essas alianças, que são desaprovadas pelo Ocidente, "em troca de não continuar sendo sancionado e não continuar a exigir democracia para a Nicarágua". Outros especialistas internacionais também sugeriram que o regime sandinista está tentando aprender com os aiatolás outras maneiras de contornar as sanções internacionais.

Na mesma linha, Orozco argumenta que a avaliação do ministro Acosta Montalbán para adicionar a Nicarágua ao sistema de pagamento MIR é "mais do que apenas propaganda".

— É desinformação para mediar um aspecto que é de pouca relevância, mas que faz barulho entre a população. De certa forma, o efeito imediato é continuar assustando os nicaraguenses com a radicalização em relação aos países menos amados do mundo — diz o especialista.

Outro cenário abordado por Núñez é que a família Ortega-Murillo está demonstrando total submissão ao sistema russo, embora isso "não vá dar respostas à economia da Nicarágua, mas dará respostas políticas".

— Ortega está basicamente tentando criar um modelo alternativo e veremos se o banco nacional começará a usar esse sistema — disse Núñez, sublinhando que o casal presidencial "está se preparando para eventualmente fechar o SWIFT". — Isso é o que pode acontecer se o regime continuar nesse caminho. Portanto, eles estão prevendo um modelo de sanções muito mais rígido e forte do que o que receberam até agora. E isso implica que eles não estão pensando em ceder nas questões de repressão e nas questões de isolamento da Nicarágua.