Transtornos e dificuldades: a rotina de quem depende do transporte público no Grande Recife
Especialistas apontam soluções para diminuir os problemas
“Trabalhador, trabalhador brasileiro…” Se você gosta de música brasileira, provavelmente leu essas palavras no tom da canção do músico Seu Jorge. A letra retrata uma rotina de dificuldades que perpassam a vida de grande parte dos trabalhadores do País. Como diz o início da canção, essas pessoas estão “na luta, no corre-corre, no dia-a-dia”.
E, muitas vezes, os transtornos iniciam já no começo da manhã, no caminho para o emprego, quando precisam lidar com ônibus e metrô lotados, longas esperas pelos veículos e dificuldades das mais variadas. Situações desgastantes e estressantes que milhares de pessoas precisam enfrentar diariamente. Afinal, o “trabalhador, trabalhador brasileiro”, costuma depender do transporte público em nosso País.
É o caso da cabeleireira Rozivana Maria da Silva, de 27 anos, que precisa pegar metrô e ônibus, passando pelo Terminal Integrado Joana Bezerra, para ir da sua casa, no bairro de Jardim São Paulo, na Zona Oeste do Recife, ao bairro das Graças, na Zona Norte, onde trabalha.
Para a cabeleireira, assim como para a maior parte da população que utiliza o transporte coletivo na Região Metropolitana do Recife (RMR), a situação da mobilidade urbana e da qualidade do serviço oferecido é precária.
“O metrô já é um absurdo. Quando está chovendo, a gente tem que armar a sombrinha dentro do metrô. Além de ter muito assalto, não só no metrô, mas também nos ônibus. Eu acho um absurdo essa questão de você pagar uma passagem no valor alto e correr vários riscos”, disse.
“Aí, depois do metrô, ainda pego outro ônibus, que demora bastante. Já gravei uma hora e meia para esse ônibus chegar. E ele demora e vem cheio”, desabafou.
O pedreiro Marcos José da Silva, de 40 anos, também vivencia diariamente os transtornos relacionados ao sistema de transporte coletivo. Todos os dias, ele sai de casa, no bairro da Caxangá, na Zona Oeste da capital pernambucana, em direção ao bairro de Boa Viagem, na Zona Sul.
O caminho na ida para o trabalho, conta, considera até razoável, mas o retorno para casa é repleto de dificuldades.
“Eu pego duas linhas de ônibus. Na vinda, pego um ônibus da Caxangá até a Joana Bezerra e da Joana Bezerra para Boa Viagem. Na volta, é o caminho contrário. De manhã, dá em média 40 minutos o trajeto, agora já a volta para casa, vai até duas horas. Eu saio de cinco da tarde e chego em casa às sete da noite. O transporte sempre muito lotado, todo mundo xingando os ônibus e o trânsito também. O ônibus que era para passar de 15 em 15 minutos, passa de meia em meia hora, e olhe lá. É um transtorno, cada dia mais está piorando”, comentou.
A situação não é diferente para o porteiro Ednaldo Rodrigues, de 32 anos. Ele mora no bairro de Dois Unidos, na Zona Norte do Recife, e trabalha em Boa Viagem. São duas conduções para ir e duas para voltar do emprego.
“É muita dificuldade. E com esse transtorno quem sofre é a população”, disse. “Normalmente o ônibus costuma demorar 20 minutos para passar, mas em dia de greve ninguém sabe, demora muito”, comentou. Na última quarta-feira (26), os rodoviários iniciaram uma greve que se estende até o fechamento desta edição. A categoria reivindica, entre outros pedidos, o reajuste salarial de 10%, incluindo inflação e ganho real.
Segundo o Censo 2022, promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a concentração urbana do Recife, que inclui as cidades da RMR mais a o município de Paudalho, é de quase 4 milhões de pessoas. Números que a fazem ser a quinta maior do País.
Em 2018, a Pesquisa Origem-Destino realizada pelo Instituto da Cidade Pelópidas Silveira e o Grande Recife Consórcio de Transporte apontou que mais de 60% da população da Região Metropolitana utiliza ônibus e metrô para se deslocar até o trabalho.
Dados do IBGE também indicam que moradores do Recife gastam, em média, 24 minutos a mais por viagem do que a média nacional.
Os especialistas são taxativos quanto às ações para solucionar os problemas relacionados ao trânsito na RMR: não há outro caminho senão priorizar e investir de fato no sistema de transporte público.
“Essa questão do transporte aqui na Região Metropolitana do Recife não vai ser equacionada enquanto não houver estabelecida de forma muito clara a prioridade do transporte público de passageiros. Porque enquanto alguém imaginar que pode resolver esse problema de transporte usando medidas que somente beneficiem o transporte de uso individual, não vai sair do lugar. Porque nós só vamos de fato conseguir resolver essa questão quando tivermos um transporte público que assegure às pessoas condições de se deslocar em toda a Região Metropolitana”, comentou o engenheiro Maurício Pina, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e uma das principais referências na área.
Entre as medidas apontadas pelo especialista, estão a implantação e conclusão de corredores perimetrais, que possuem capacidade de articulação e de transportar um grande número de passageiros.
Também a ampliação das faixas exclusivas para ônibus, com estudos sobre o tipo mais adequado para cada região (a exemplo do ônibus de trânsito rápido, o BRT), e a expansão da malha metroviária. Na visão do engenheiro, é preciso “pensar grande” e a longo prazo.
“É necessário que se articule já de agora a questão dos equipamentos de transporte que vão operar na Região Metropolitana do Recife daqui a 20 ou 30 anos. Em 2037, o Recife completa 500 anos, será que lá, ou em 2040 ou 2050, nós vamos ter o mesmo sistema de transporte que temos hoje? Com todas as deficiências que ele apresenta? Nós temos que ter um transporte moderno, com alguns corredores operando sobre trilhos, tipo VLT, tipo monotrilho, tipo metrô, com grande capacidade de transportar pessoas. Mas para que isso aconteça, é necessário que as medidas sejam tomadas desde hoje”, destacou Pina, que é mestre e douto5r em engenharia civil.
“Só vai resolver esses problemas de congestionamento aqui na cidade, essas reclamações tão recorrentes da população quando tiver um sistema de transporte público de qualidade. Tem que investir pesadamente para deixar os corredores viários em plenas condições. Estudar realmente quais os tipos de equipamento mais apropriados para cada um desses corredores e trabalhar para valer. Não vai ser num estalar de dedos que isso vai se resolver, mas não pode continuar do jeito que está”, completou.
O engenheiro Rodrigo Aguiar, doutorando em Sistemas de Transportes na Universidade de Coimbra e professor do Centro Universitário Tiradentes (Unit–PE), reforça a necessidade de priorizar o transporte coletivo e desestimular o uso constante do automóvel individual.
“A gente tem um grande problema que é a questão de muitos carros nas rodovias e nas ruas das cidades. Os engarrafamentos ocorrem também porque a gente tem muitos veículos com apenas uma pessoa, então é preciso investir no transporte coletivo”, disse.
Mestre em Engenharia Civil e com MBA em Infraestrutura de Transportes e Rodovias, Aguiar também incentivou o uso de bicicletas como meio de locomoção nos centros urbanos, além do investimento no metrô como um modal capaz de diminuir os congestionamentos nas vias.
“Também precisamos entender a importância do BRT, agora desde que tenha fiscalização boa, desde que tenha uma boa infraestrutura. As faixas exclusivas de ônibus são viáveis e importantes. A gente tem que ter a mentalidade de dar condições e boa infraestrutura para que as pessoas peguem os ônibus e tenham esse transporte público fluindo normalmente”, completou.