ECONOMIA

Com Pochmann no IBGE, Lula reforça time que diverge da pauta de Haddad. Veja por que queda de braço

Impaciente com a demora do BC em cortar juros, presidente atropela Tebet, escolhe para o IBGE acadêmico com ideias divergentes da pauta econômica do ministro da Fazenda

Márcio Pochmann - Elza Fiúza/Agência Brasil

A indicação do economista Márcio Pochmann, professor da Unicamp, para a presidência do IBGE e a ideia de o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega assumir a presidência da Vale — ventilada pelo próprio presidente Lula, segundo interlocutores do Planalto, e temida pelo mercado financeiro — representaram na semana passada um reforço da heterodoxia econômica no governo e um contraponto aos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet.

Isso num momento em que a atual política econômica começa a cair nas graças de analistas, investidores, empresários e até agências de classificação.

O risco já vinha sendo mapeado há alguns meses pela equipe de Haddad, que, embora também seja integrante do PT, dedica-se a uma agenda de reformas e equilíbrio fiscal que está longe de ser unânime na esquerda. Isso explica parte da impaciência dele com a demora do Banco Central (BC) em cortar a taxa de juros (Selic), hoje em 13,75% ao ano.

O raciocínio é simples, na visão da Fazenda: quanto mais tempo o BC demorar a reduzir a Selic, maiores serão a irritação de Lula e a influência dos economistas desenvolvimentistas sobre o presidente.

Por isso, a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC da próxima quarta-feira é considerada decisiva para o futuro da agenda econômica de Haddad. Se o BC mantiver a Selic em 13,75%, Lula pode acelerar uma guinada heterodoxa, diz um membro do alto escalão do governo.

Esse cenário já é mapeado no mercado. Para o analista Roberto Motta, da Genial Investimentos, o risco de o BC manter a Selic é maior hoje, em função da reação que pode vir do governo.

— O livro-base de política monetária pede conservadorismo do BC. Mas, neste momento, o BC precisa tomar um pouco de risco, até para ser menos vitrine da sociedade — afirmou Motta em uma transmissão on-line recente.

A paciência do presidente Lula estaria chegando ao fim em relação ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, e a manutenção dos juros faria com que Lula acionasse os bancos públicos — BNDES, Caixa, Banco do Brasil — para aumentar as concessões de crédito subsidiado. Essa estratégia foi usada na gestão de Dilma Rousseff sem sucesso.

Ação Gradual

Interlocutores do Planalto afirmam nos bastidores que Lula calcula o tempo para reforçar o viés desenvolvimentista. Quer influência maior do Estado na economia, mas só deve agir quando os indicadores estiverem mais favoráveis, com juros em queda, e o país, mais perto de conquistar o grau de investimento.

Ainda que em um cargo de menor influência, a presidência do IBGE, Márcio Pochmann se somará no debate interno aos economistas Aloizio Mercadante, que preside o BNDES, e Nelson Barbosa, diretor do mesmo banco.

Eles farão coro com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e poderão contar com o reforço de Mantega, cogitado para assumir a Vale, o que demandaria mobilizar fundos de pensão e o BNDES, sócios da mineradora. Segundo o colunista do Globo Lauro Jardim, Lula tem como plano B para o ex-ministro um posto no exterior, como na cúpula do Banco Mundial.

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Na Petrobras, Jean Paul Prates já tem seguido as indicações de Lula, como o fim da paridade dos preços internacionais dos combustíveis e o aumento dos investimentos. A defasagem do diesel e da gasolina em relação ao exterior está na casa dos 20% e tende a afetar resultados da estatal.

O ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BC Henrique Meirelles entende, contudo, que é natural que Lula aumente a presença no governo de nomes ligados ao PT:

— Não são nomes novos. Mantega já foi ministro de Lula e de Dilma. Não estamos falando de uma surpresa, são pessoas já históricas do PT. Acredito que é normal que o PT coloque os nomes que são filiados ao partido, que já trabalharam em governos do PT.

Por outro lado, Meirelles alerta para o risco de se deixar a credibilidade de órgãos como o IBGE em xeque:

— É muito importante a confiabilidade dos números. Nós tivemos exemplos de países vizinhos, como a Argentina, que começou a mexer nos indicadores e foi um desastre.

Dívida com Mantega

A ida de Mantega para a presidência da Vale seria uma decisão pessoal de Lula, por avaliar que tem um dívida com o ex-ministro. Dificilmente ele vai desistir da ideia, afirmou um integrante do PT.

Pode até adiar o plano para abril de 2024, quando termina o mandato do atual presidente da mineradora, Eduardo Bartolomeo. Para antecipar a troca na empresa, o governo teria que percorrer um longo caminho até os conselheiros da Vale, que não é estatal desde a década de 1990.

Em 2021, a ex-presidente Dilma conseguiu tirar Roger Agnelli do comando da Vale porque havia um bloco de controle formado por fundos de pensão das estatais e o BNDES. Isso acabou em 2020. A Previ, fundo de pensão dos empregados do Banco do Brasil, mantém participação relevante na Vale, com dois assentos no conselho, mas não consegue decidir nada sozinha.

A Previ tem 8,72% do capital, a Mitsui tem 6,31% e o fundo Blackrock, 6,10%. As ações em tesouraria somam 4,31% e a maior parte (74,56%) está pulverizada entre acionistas, muitos estrangeiros. A interferência do governo na mineradora poderia se dar via Previ, o que levaria a discussão para o conselho. Atualmente, esse tema não está na pauta, segundo um executivo da empresa. Procurada, a Vale não quis se manifestar. Mantega não retornou.