Opinião

"Reforma tributária simplifica e padroniza o sistema", diz Décio Padilha

Membro do Comitê de Sustentabilidade, Riscos e de Capital do BNB acredita que reforma tributária é necessária face ao ambiente de negócio degradado atual do País

Alexandre Aroeira/Arquivo Folha

O membro do Comitê de Sustentabilidade, Riscos e de Capital do Banco do Nordeste (BNB), Décio Padilha, acredita que a reforma tributária, já aprovada Câmara dos Deputados e que seguiu para o Senado, é necessária face ao ambiente de negócio degradado atual do País. Segundo o ex-secretário estadual da Fazenda, hoje há uma “enorme insegurança jurídica, alto custo para declarar e pagar tributos, travamento de investimentos, ampla guerra fiscal e tributos analógicos desconectados dos mercados internacionais e da economia digital”. 
Nesta entrevista, ex-presidente do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) comenta a relevância de algumas alterações feitas na PEC antes da aprovação pela Câmara.

IVA Dual
“Vai ter uma substituição com a criação do IVA, que se chama IBS para os estados e CBS para a União. O IVA Dual substitui o ICMS, IPI, PIS, COFINS, ISS. Isso é espinha dorsal da proposta. Então, esses cinco tributos (o federal IPI), duas contribuições federais (PIS e COFINS) e também o imposto mais importante sobre consumo da federação, que é o ICMS; e o ISS, um tributo aos municípios. O ICMS sozinho tem uma força de quase R$ 700 bilhões por ano; o ISS, na faixa R$ 81 bilhões. Então, veja como o ICMS é importante e os estados realmente estão flexibilizando bastante para fazer uma reforma”.

Manicômio tributário
“Troca-se cinco tributos atuais, que são analógicos, regressivos, ultrapassados, cumulativos por um novo sobre valor agregado e esse novo tem as melhores práticas de administração tributária no mundo, porque o IVA tem na Comunidade Europeia, no Canadá, na Índia. Então, esse tributo novo que se cria vai conectar o Brasil a um mercado internacional com as melhores práticas tributárias, saindo de um sistema arcaico e extremamente caótico. Na realidade caótico, muito caos e pouquíssima ordem. Vivemos um verdadeiro manicômio tributário e esse manicômio tributário dá um passo para o seu fim, o primeiro passo ao criar esse novo IVA”.

Justificativas
“Alguns aspectos justificam a reforma tributária. O primeiro é a guerra fiscal que começou nos anos 1990 como competição fiscal, cada estado reduzindo sua tributação para atrair empresas e hoje em dia é uma coisa predatória. Não é mais competição fiscal, é uma verdadeira guerra. Praticamente se abre mão de toda e qualquer tributação – até os estados pobres do Norte e Nordeste – para poder atrair uma empresa. Então, a gente hoje está no sistema que é uma autofagia, que é uma coisa que vai cair num desequilíbrio grande no futuro”.

Marketplace e sellers
“Outro aspecto que enseja uma reforma tributária é o tecnológico, a economia 5.0. Tem-se agora marketplace (site que reúne variados vendedores e lojas), tem-se sellers, que são as lojas virtuais. Um único marketplace pode ter 200 mil sellers. Os tributos antigos com a sistemática de fiscalização antiga não têm como acompanhar esse novo rearranjo econômico e do mercado. A gente realmente precisa de tributos mais digitais que acompanhem essa nova economia. Só essa mudança tecnológica e o aspecto da guerra fiscal já justificam uma reforma tributária”.

Padronizar e simplificar
“A padronização e a simplificação são verdadeiros eixos dessa proposta da reforma tributária. Padronização, pois hoje se vive um problema grave, que é cada ente federativo. São 5.600 municípios, 27 estados e o Governo Federal cada um criando legislação o tempo todo. Além da pessoa do Poder Executivo – governador, prefeito ou presidente –, há também a casa legislativa, o Congresso Nacional, uma Assembleia Legislativa, uma Câmara Municipal ou até um secretário de Fazenda (que muda a legislação) por meio de portaria. Com a nova proposta da reforma tributária isso acaba, porque só o Congresso vai legislar. É uma padronização e simplificação”.

Consumo
“Essa proposta de reforma tributária não é sobre renda e patrimônio. Essa é só sobre consumo. (O ministro da Fazenda) Fernando Haddad ainda vai apresentar a segunda parte da reforma. Tem muita gente na imprensa debatendo uma coisa de forma ainda precipitada, porque o ministro Haddad declarou que vai fazer a mudança tributária em partes. A primeira, a reforma sobre o consumo; a segunda, sobre renda e patrimônio. A reforma sobre renda e patrimônio vai vir ainda. Vai debater tributação sobre lucros e dividendos, progressividade, alíquota de imposto. Tudo isso vai vir em outro momento”.

Conselho Federativo
“O que foi aprovado na Câmara tem alguns itens que precisam ser ajustados no Senado, que já está atento a isso. Um deles é o quórum do Conselho Federativo. Tem que existir um órgão que trabalhe o litígio entre os estados, que tenha um controle da arrecadação centralizada. Agora, a proposta que foi aprovada na Câmara veio com um equívoco que precisa ser ajustado. Esse equívoco é o quórum para deliberação. Então, quando se diz que tem que ser maioria absoluta cumulativamente que represente, no mínimo, 60% da população do Brasil, isso foi o governador de São Paulo que sugeriu no fim, num processo debate na Câmara, que para poder aprovar a proposta e ter o apoio de São Paulo e de alguns outros estados, cedeu-se nesse ponto, que precisa ser ajustado porque esse quórum de 60% fere o Pacto Federativo, mas se ajustar esse quórum para 50%, ele não fere mais o Pacto Federativo, porque vai ser uma maioria simples”.

Busca por solução
O Brasil, com um tributo de origem e destino que ninguém tem, está certo e o resto do mundo errado? A gente estudou no Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) mais de 13 sistemas internacionais. O IVA canadense, que é dual, muito parecido com esse, roda muito bem; o IVA indiano e o europeu rodam muito bem. Não tem o que pensar, a gente tem que sair dessa mesmice, parar de criar problemas, tem que buscar uma solução. A solução é essa. Agora, tem que ser de médio prazo mesmo. Não se aperta o botão é muda o sistema, não.