GUERRA NA UCRÂNIA

Propaganda: Rússia usa games para levar aos jovens mensagens de apoio à invasão da Ucrânia

De tutorial para construir bandeiras russas no Minecraft a jogadores identificados pela letra "Z", símbolo das tropas do país na Ucrânia, narrativa do Kremlin para justificar a guerra entrou no mundo dos jogos

Imagem mostra a destruição do prédio após o ataque - Handout/Serviço de Emergência da Ucrânia/AFP

A propaganda russa contra a Ucrânia está invadindo o mundo dos videogames. No Minecraft, jogadores russos reencenaram a batalha por Soledar — uma cidade ucraniana que as forças russas capturaram em janeiro — e postaram o vídeo do jogo na rede social mais popular do país, a VKontakte.

Um canal na versão russa do World of Tanks — um jogo de guerra online com múltiplo jogadores — comemorou o 78º aniversário da derrota da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, em maio, com uma recriação do desfile de tanques da União Soviética em Moscou em 1945.

Na popular plataforma de jogos Roblox, um usuário criou um conjunto de forças do Ministério do Interior, em junho, para marcar o feriado nacional do Dia da Rússia.

Esses jogos e os sites de discussão, como Discord e Steam, estão se tornando plataformas online para a "agitprop" russa, levando a um público novo e majoritariamente jovem, uma enxurrada de propaganda usada pelo Kremlin para tentar justificar a guerra na Ucrânia.

Nesse mundo virtual, os jogadores adotaram a letra Z — um símbolo das tropas russas que invadiram o território ucraniano no ano passado — apoiaram reivindicações russas sem base legal sobre a posse de territórios na Crimeia e em outras regiões e repetiram tentativas do presidente russo, Vladimir Putin, de associar ucranianos a nazistas e culpar o Ocidente pelo conflito.
 

“Glória à Rússia”, dizia um tutorial em vídeo sobre como construir um mastro com uma bandeira russa no Minecraft. As imagens mostravam uma bandeira russa sobre uma paisagem urbana chamada de Luhansk, uma das províncias ucranianas anexadas pela Rússia no ano passado.

— O mundo dos jogos é uma plataforma que realmente pode ter impacto na opinião pública, atingir um público, especialmente os mais jovens — disse Tanya Bekker, pesquisadora da ActiveFence, empresa de cibersegurança que identificou vários exemplos de propaganda russa no Minecraft para o New York Times.

O presidente da Microsoft, Brad Smith, divulgou em abril que as equipes de segurança da empresa identificaram recentes esforços russos “de basicamente penetrar algumas dessas comunidades de jogos”, citando exemplos de grupos de discussão no Minecraft e no Discord. Smith disse que a Microsoft aconselhou governos sobre eles — sem especificar quais — mas minimizou a importância das informações.

— Na realidade, não é a primeira coisa com a qual devemos nos preocupar — disse ele, em uma conferência em Washington organizada pelo site de notícias Semafor. E completou — eles vão publicar informação em algum lugar, você sabe, é apenas um bom local para eles circularem as informações.

O chefe da equipe de análise de risco da Microsoft, Clint Watts, disse a pesquisadores da Escola de Negócios Stern da Universidade de New York que o paramilitar Grupo Wagner promoveu “narrativas malignas” no Discord e no Steam, em apoio a versões do Kremlin. Também sugeriu que eles poderiam ter promovido o encorajamento de russos a se alistarem quando o número de baixas em combate nas tropas russas estava muito elevado.

“A propaganda busca basicamente fazer o Wagner e os militares russos parecerem interessantes e ameaçadores”, disse Watts aos pesquisadores que estavam estudando o extremismo nos videogames.

A Microsoft não quis comentar as declarações de seus executivos ou responder a perguntas sobre os exemplos russos. A companhia se limitou a dizer, em um comunicado, que revisa conteúdos que violem seus padrões comunitários.

Embora parte do material reflita as opiniões de civis russos, há exemplos que sugerem envolvimento do governo. A investida do Kremlin no mundo dos videogames mostra como o governo Putin buscou promover seus objetivos políticos por meio de mídias sociais e produtos ocidentais, apesar do isolamento diplomático e econômico.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, a Microsoft anunciou a suspensão de novos fornecimentos de produtos e serviços para a Rússia, em respeito às sanções impostas pelos Estados Unidos e Europa, mas os russos continuaram a encontrar maneiras de usar os jogos e sites como Discord e Steam para alcançar audiências mais amplas. Muitos dos exemplos estão em russo, sugerindo que o alvo da mensagens eram russos que estão no país ou em nações próximas, incluindo a Ucrânia.

— A máquina de propaganda russa está tentando coisas novas para promover seu regime — disse Artem Starosiek, chefe da Molfar, uma consultoria ucraniana que analisa ameaças online.

Os pesquisadores da Molfar identificaram mais de uma dúzia de casos de propaganda pró-Kremlin no Minecraft, no Roblox, nas versões russas de World of Tanks e World of Warships, no Fly Corp, no Armored Warfare e no War Thunder. Quase todos os exemplos exaltavam a vitória soviética sobre a Alemanha nazista — um tema que Putin e seus assessores vem usando para obter apoio para a guerra atual. Alguns deles tinham links explícitos para partidos políticos ou agências governamentais.

Não está claro se a Microsoft ou outras empresas tomaram medidas para bloquear os esforços russos ou o que teria sido feito. O Wargaming Group — criador de World of Tanks, World of Warships e outros jogos — com sede em Chipre, transferiu seus negócios na Rússia e na Bielorrússia, no ano passado, para o Lesta Studio, uma subsidiária em São Petersburgo. “A Wargaming é veemente no apoio ao povo da Ucrânia, ao nosso estúdio em Kiev e a nossos funcionários lá”, disse Alex Brewer-Disarufino, porta-voz da Wargaming na América do Norte, por e-mail.

Jacob Davey, o chefe de pesquisa sobre extrema direita e movimentos de ódio no Instituto para Diálogo Estratégico em Londres, acredita que o Minecraft e outros jogos poderiam ser ferramentas úteis para quem busca influenciar jovens vulneráveis, especialmente se esses indivíduos já entraram em grupos privados com a intenção de discutir ideologias periféricas.

— Sabemos que atores hostis que buscam fazer a cabeça e influenciar pessoas são oportunistas — disse Davey, que estuda a presença de conteúdos extremistas no mundo dos jogos online — eles vão aonde pensam que vão encontrar uma audiência receptiva e adotam uma ampla gama de plataformas tecnológicas para propagar sua mensagem — completou.