Jack Smith: quem é o promotor especial que pode pôr Trump atrás das grades
Smith já comandou diversos casos de corrupção de agentes públicos e se preparava para julgar crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional quando recebeu o convite para assumir os casos contra Trump
Em poucos meses, o promotor especial Jack Smith saiu do anonimato para se tornar um dos alvos preferidos do ex-presidente americano Donald Trump e seus apoiadores.
À frente de duas das três investigações criminais abertas contra o republicano neste ano, o advogado nova-iorquino voltou aos holofotes na terça-feira quando a mais grave acusação contra Trump veio à tona: conspirar contra os Estados Unidos para reverter o resultado das eleições de 2020, que culminaram na invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
Smith também é responsável pelo caso que investiga a apropriação de documentos confidenciais do governo após o magnata deixar a Casa Branca.
Rápido e obstinado, a velocidade de Smith no andamento de duas investigações robustas, ao mesmo tempo em que impressiona colegas, tem sido usada como munição para reforçar a tese trumpista de que o ex-presidente é vítima de uma "caça às bruxas" para prejudicá-lo na corrida à Casa Branca em 2024.
Líder isolado nas pesquisas para as primárias do Partido Republicano, Trump chamou o promotor especial de "enlouquecido" e questionou o fato das denúncias contra ele não terem aparecido há dois anos atrás, quando supostamente ocorreram.
A mesma capacidade de incitação que mobilizou os atos terroristas na sede do Congresso americano em 2021, segundo a acusação apresentada por Smith na terça, pode estar sendo usada por Trump para promover a perseguição de Jack Smith. Nos primeiros quatro meses de mandato do promotor, cerca de US$ 1,9 milhão (R$ 9,1 milhões) foram gastos pelo Departamento de Delegados americano para proteger o investigador, sua família e equipe, ameaçados por apoiadores do ex-presidente.
Durante a breve coletiva de imprensa que o promotor especial concedeu na terça após a acusação do Departamento do Justiça, Smith precisou ser acompanhado por três seguranças enquanto estava dentro do seu próprio prédio.
Apesar da enorme tensão política, casos difíceis como esses estão de longe de ser novidade na carreira de Smith, que atua em processos criminais há mais de três décadas — incluindo passagens pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia.
Trajetória até Trump
No final do ano passado, um ex-procurador até então desconhecido, com barba e um andar rápido, voou de Haia para Washington sem ser notado, após ter sido convocado para uma reunião secreta com o procurador-geral Merrick Garland. A entrevista de emprego permaneceria em segredo até a sua nomeação a promotor especial para supervisionar as duas investigações sobre Trump.
Mas os caminhos que levaram Smith à posição começaram bem antes. Formado pela Faculdade de Direito de Harvard, iniciou a carreira de promotor em 1994, no escritório do procurador distrital de Manhattan, em Nova York, na época sob comando de Robert Morgenthau, conhecido por processar chefes da máfia.
— Havia uma ênfase real, de Morgenthau em diante, em não apenas buscar condenações — disse à BBC Todd Harrison, advogado que trabalhou com Smith no escritório de Morgenthau e depois como promotor federal. —Éramos elogiados quando investigávamos algo e demonstrávamos que o alvo da investigação era inocente.
Em 1999, começou a trabalhar na Procuradoria dos EUA no Brooklyn. Lá, ocupou diversos cargos de supervisão e trabalhou em uma série de casos de corrupção e crimes envolvendo agentes públicos. Um dos mais famosos foi acusação contra Charles Schwarz, um dos ex-policiais que participaram dos atos de tortura e estupro do haitiano Abner Louima.
Em 2008, Smith deixou o cargo para supervisionar casos de crimes de guerra no TPI em Haia. Nessa função, supervisionou investigações de alto nível de funcionários de governos estrangeiros e membros de milícias procurados por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio.
Caça a agentes corruptos
Ele retornou ao Departamento de Justiça em 2010 para chefiar a Seção de Integridade Pública, responsável por investigar crimes federais como suborno e fraude eleitoral, e ficou lá até 2015. Em uma entrevista à AP, ele descreveu a transição de carreira como a saída de "um emprego dos sonhos para um melhor".
Sob o seu comando, o departamento abriu processos contra figuras como o ex-governador da Virgínia Bob McDonnell, um republicano, acusado de corrupção. O caso, porém, foi anulado por unanimidade pela Suprema Corte dos EUA em 2016. A unidade também processou o ex-candidato democrata à vice-presidência John Edwards, que acabou absolvido posteriormente por um júri.
Por outro lado, Smith também conseguiu vitórias notáveis na Justiça, como a prisão do ex-presidente da Assembleia Legislativa de Nova York, o democrata Sheldon Silver, por corrupção. Ele também ajudou na condenação de Rick Renzi, um ex-congressista do Arizona republicano, também acusado de corrupção. Renzi, no entanto, recebeu perdão presidencial de Trump.
O ex-presidente aproveitou os casos para argumentar que o promotor especial "destruiu muitas vidas".
— O que ele fez é simplesmente horrível — disse Trump em entrevista. — O abuso de poder é uma má conduta do promotor.
Em 2015, Smith aceitou um cargo no escritório do promotor federal em Nashville, Tennessee, para ficar mais perto da família. Dois anos depois, ele foi trabalhar em uma empresa privada de saúde após ter sido preterido por Trump em uma nomeação para uma vaga permanente.
Não demorou muito para que Smith voltasse a Haia. Em 2018, ele assumiu o cargo de promotor-chefe do tribunal e participou da formulação acusação contra o ex-presidente de Kosovo, Hashim Thaci, pelos crimes de guerra no conflito na década de 1990. Quando foi convidado para voltar ao Departamento de Justiça americano e comandar os casos contra Trump, ele e sua equipe se preparavam para o julgamento de Thaci no TPI.