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Primeiros imigrantes embarcam em "prisão flutuante" no Reino Unido; veja por dentro

Navio, atracado na Ilha de Portland, tem capacidade para 506 pessoas e é anunciado em site como "veículo de luxo"; governo britânico garante que será destinado apenas a homens

Bibby Stockholm, o navio em que o governo britânico pretende abrigar migrantes irregulares, manobra na ilha de Portland - Divulgação

O primeiro grupo de imigrantes embarcou no Bibby Stockholm, o gigantesco navio que mais parece um bloco de apartamentos no porto da ilha de Portland, na costa sul da Inglaterra. A informação é da "SkyNews". Segundo a BBC, 50 estrangeiros serão levados à embarcação, nesta primeira leva, enquanto aguardam uma resposta para o pedido de asilo no país.

A notícia da chegada do navio, que o governo britânico contratou para usar como acomodação (ou uma "prisão flutuante", como apontaram críticos) de imigrantes irregulares, gerou revolta na web.

Pelas redes sociais, circularam vídeos que mostram como é o interior do Bibby Stockholm.

"A primeira impressão é que é um lugar austero que parecerá muito apertado se estiver em plena capacidade", destacou no Twitter uma jornalista da BBC que visitou o local. Veja alguns desses registros do interior da embarcação abaixo:

"O fato disso não ter gerado uma grande revolta internacional só mostra que quase ninguém se importa de verdade com 'direitos humanos'", destacou uma internauta. "Democracia e tal, tudo certo", ironizou um usuário. "Os 'bondosos' ingleses", disse um terceiro, também em tom sarcástico.

 



O governo de Rishi Sunak se fez de surdo às críticas de organizações humanitárias, que também definem a nova aquisição como uma "prisão flutuante", e se prepara para alojar os primeiros migrantes irregulares nela.
 

"Vivendo com luxo a bordo". Assim é anunciado o Bibby Stockholm no site da Bibby Marine, responsável pelo navio. A companhia ressalta que a embarcação tem "ventilação natural e conexão wi-fi por toda parte". Além disso, dispõe de academia (com esteiras e pesos); um bar (com "grande seleção de bebidas e muitos lugares para sentar"); um restaurante (com "comida deliciosa e nutritiva); e uma sala de jogos (com alvos de dardos e mesa de bilhar).

No entanto, mais de 50 organizações humanitárias, como Refugee Council e Asylum Matters and Refugee Action, divulgaram uma carta aberta à Bibby Marine para questionar as condições em que os imigrantes serão alocados no navio. "Os que ficarão contidos na embarcação não são criminosos; eles estão buscando proteção no Reino Unido", diz a carta.

Oficialmente, disseram as organizações, o navio não vai ser usado como prisão. No entanto, detalhes divulgados pelo porto de Portland fazem concluir que "as pessoas serão mantidas em condições de detenção com severas restrições à liberdade de movimento".

De acordo com o porto de Portland, “os requerentes de asilo não terão liberdade para circular pelo porto. Quando estiverem no porto, eles serão mantidos no Bibby Stockholm ou em um complexo seguro adjacente à barcaça". Além disso, a localização remota do porto dificultará o acesso dos imigrantes a comunidades folha da ilha.

Os imigrantes terão apenas 9,10 libras esterlinas para gastar por dia (equivalente a R$ 55, na cotação atual). Com isso, "haverá muito pouco que eles possam fazer e poucos lugares onde possam ir, mesmo quando puderem sair do porto", dizem as organizações.

Na carta, as organizações citam evidências de laços históricos da empresa com o comércio transatlântico de pessoas escravizadas e pedem uma resposta pública sobre as condições análogas à detenção que os imigrantes terão a bordo.

"Acreditamos ainda que a suposta associação histórica de sua empresa com o tráfico de pessoas escravizadas torna ainda mais importante que você reflita profundamente se um contrato que leve à detenção efetiva de pessoas que fogem da guerra e da perseguição é como sua empresa deseja se posicionar em 2023", afirma a carta aberta.

De propriedade da empresa Bibby Marine Ltda, a estrutura tem capacidade para acomodar 506 pessoas. Downing Street já garantiu que serão apenas homens, escolhidos entre os que chegaram irregularmente à costa sul da Inglaterra após a travessia do Canal da Mancha. Os primeiros cinquenta desembarcarão na cidade de Dorset, onde fica a ilha, nas próximas semanas.

O governo britânico calcula que os novos moradores permanecerão no barco por um período entre três e seis meses. Por enquanto, o porto de Portland fechou um primeiro ano e meio de contrato de atracação, mas os protestos e a preocupação dos moradores da área lançam incertezas sobre o futuro da instalação.

Atualmente, mais de 160 mil pessoas aguardam o processamento de seu pedido de asilo no Reino Unido. O governo mantém cerca de 51 mil em unidades hoteleiras espalhadas por todo o país, a um custo superior a 6 milhões de euros por dia.

O Bibby Stockholm dispõe de 222 quartos duplos, cada um com banheiro, chuveiro, janela para o exterior, televisão e armários. Em teoria, ninguém será retido no navio. Os futuros imigrantes que nela residirem, diz o governo britânico, poderão ir e vir todos os dias sem problemas e visitar a cidade vizinha de Weymouth, embora devam assinar a entrada e saída no livro de registo. O Ministério do Interior até preparou um serviço de ônibus para esse fim.

Como já explicado pela empresa proprietária, com fotografias incluídas, o Bibby Stockholm dispõe de serviço Wi-Fi, refeitório, ginásio, lavandaria e ainda uma sala multiconfessional para orações. Os custos estimados em segurança, saúde e alimentação por dia serão de cerca de 23 mil euros, garante o governo.

"Crueldade moral"
A nova Lei de Imigração Ilegal de Rishi Sunak, que se tornou a pedra de toque do mandato do primeiro-ministro britânico, e em uma luta permanente com organizações humanitárias, a Igreja Anglicana e a Câmara dos Lordes (a Câmara Alta do Parlamento), foi finalmente aprovada na manhã de terça-feira. Downing Street conseguiu derrotar as últimas emendas ao texto apresentadas por muitos lordes — a maioria deles independentes, sem filiação partidária.

Pretendiam abreviar o tempo de detenção de menores em situação irregular desacompanhados dos pais, fortalecer a luta contra a escravidão moderna — que o novo texto enfraquece com suas medidas — e inclusive estender por seis meses o período anterior à deportação dos recém-chegados ao Reino Unido. O governo de Sunak, que fez da luta contra a imigração irregular uma bandeira eleitoral, tem sido inflexível. A nova lei já é uma realidade, embora algumas de suas principais disposições levem tempo para serem aplicadas.

Embora a Justiça britânica tenha confirmado a ilegalidade do plano de deportação para Ruanda (na verdade, segundo a lei, para "um terceiro país seguro"), está pendente um último recurso no Supremo Tribunal. No melhor cenário para os objetivos de Downing Street, os voos podem não começar até pelo menos o final do ano.

A nova lei, descrita como "crueldade moral" pelo arcebispo de Canterbury e chefe da Igreja Anglicana, Justin Welby, elimina a possibilidade de que aqueles que chegam ao Reino Unido de forma irregular — muitos depois de cruzar as águas perigosas do Canal da Mancha — possam iniciar os procedimentos para obter o status legal de refugiado. O governo reserva-se o direito de os deportar imediatamente para o seu país de origem, ou para um terceiro país considerado seguro. Durante o mandato de Boris Johnson, foi fechado um acordo de mais de 150 milhões de euros entre Londres e Kigali para enviar a maior parte dos novos irregulares para Ruanda. Nem um único avião decolou, mas o Executivo de Sunak abraçou o acordo e está determinado a levá-lo adiante.

No ano passado, quase 46 mil pessoas desembarcaram na costa sul da Inglaterra, depois de cruzar o Canal da Mancha. Cinco anos antes, os números anuais não chegavam a mil. Apesar de a dimensão da crise ainda ser muito menor do que a enfrentada pelos países do sul da União Europeia, ela tem sido suficiente para transformar o tema em um dos maiores desafios políticos de Sunak.