Mesmo após pedido da defesa, Anderson Torres depõe com tornozeleira eletrônica
Ex-ministro de Bolsonaro chegou a ficar preso por suspeita de omissão
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres depôs à CPI do 8 de Janeiro com a tornozeleira eletrônica, uma das medidas cautelares estabelecidas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ao mandar soltá-lo da prisão, em maio.
A defesa de Torres havia solicitado ao Supremo a dispensa do uso do aparelho de monitoramento durante a oitiva. O pedido se deu pela necessidade de carregar o equipamento.
Em decisão, o ministro Alexandre de Moraes autorizou que o ex-ministro pudesse ficar em silêncio, se fosse instado a responder perguntas cujas respostas pudessem resultar em seu prejuízo ou em sua incriminação.
Moraes também autorizou que ele se comunicasse com advogados, mas manteve outras medidas, como a proibição de visita dos senadores Marcos do Val e Flávio Bolsonaro a Torres. Apesar disso, o presidente da CPI, Arthur Maia, autorizou Flávio a fazer perguntas na sessão.
Secretário de Segurança do Distrito Federal à época da invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, Torres afirmou nesta terça-feira, no depoimento, que a minuta golpista encontrada pela Polícia Federal durante uma operação em sua casa é "fantasiosa" e uma "aberração jurídica".
Ele afirmou que o documento era apócrifo, sem data e, por um descuido, segundo ele, não fora descartado. O mandado de busca e apreensão foi cumprido em 10 de janeiro, dois dias após a ação golpista na capital federal.
Ele começou a prestar depoimento por volta das 9h40. Na largada, ele apresentou informações sobre a formação acadêmica e trajetória profissional e afirmou ser um dos principais interessados em esclarecer os fatos referentes ao atos antidemocráticos.
—A polícia encontrou um texto apócrifo, sem data, uma fantasiosa minuta, que vai para coleção de absurdos que constantemente chegam aos detentores de cargos públicos. Vários documentos vinham de diversas fontes para que fossem submetidos ao ministro. Em razão da sobrecarga de trabalho eu normalmente levava pasta de documentos para casa. Os documentos importantes eram despachados e retornavam ao Ministério, sendo os demais descartados. Um desses documentos deixados para descarte foi o texto chamado de minuta do golpe — afirmou.
O ex-ministro acrescentou que não sabe quem foi o responsável pela redação e entrega do papel.
— Basta uma breve leitura para que se perceba ser imprestável para qualquer fim, uma verdadeira aberração jurídica. Este papel não foi para o lixo, por mero descuido. Não sei quem entregou este documento apócrifo e desconheço as circunstâncias em que foi produzido. Sequer cogitei encaminhar ou mostrar para alguém. Soube pela imprensa que outras pessoas haviam recebido documentos com teor semelhante e que estes circulavam pela internet. Esta é a verdade. Nada mais posso dizer sobre isso — afirmou o ministro, ressaltando que está presente ao colegiado com "espírito cooperativo" e com "todo o interesse em esclarecer os lamentáveis fatos do dia 8 de janeiro".
Torres foi ministro na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e é investigado atualmente em inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente sabotar o esquema de proteção montado para evitar os ataques às sedes dos Três Poderes.
Durante a invasão e depredação nos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Federal e do STF, ele estava nos Estados Unidos, sendo preso ao desembarcar no Brasil.
Após falar em depoimento que nenhum brasileiro deixou de votar no segundo turno das eleições, o ex-ministro da Justiça afirmou que reconheceu prontamente a derrota do ex-presidente:
— Eu nunca questionei o resultado das eleições. Fui o primeiro ministro a receber uma equipe de transição, no caso a do atual Ministro da Justiça Flávio Dino, que seria meu sucessor. Entreguei relatórios, agi de forma transparente e sempre no sentido de facilitar. Durante a transição não foi registrado qualquer contratempo e tudo correu dentro da normalidade em relação ao Ministério da Justiça.
Após a apresentação de Torres, a relatora da CPI, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), iniciou suas perguntas ao ex-ministro da Justiça. Entre os questionamentos, a parlamentar citou a movimentação financeira do delegado e o fato de ele ter perdido o telefone celular e não ter entregue o aparelho aos investigadores.
Ela também o perguntou sobre a suposta interferência dele em blitzes montadas pela Polícia Rodoviária Federal durante o segundo turno das eleições presidenciais, que teria prejudicado a movimentação de eleitores.
À relatora, o ex-ministro afirmou ter embarcado com a família para os Estados Unidos “extremamente tranquilo” porque não havia indícios de que os prédios públicos seriam invadidos e depredados em 8 de janeiro.
Além disso, Torres argumentou ter assinado o chamado Protocolo de Ações Integradas (PAI), com o previsão de todos os procedimentos a serem adotados em caso de qualquer intercorrência, pelas Forças de Segurança e demais autoridades competentes.
Torres disse que a Polícia Militar do Distrito Federal não enviou efetivo suficiente para conter os ataques do dia 8.
– A parte operacional nesse caso, na Esplanada, ficou pela Polícia Militar do Distrito Federal. A parte da execução ficou com a Polícia Militar do Distrito Federal – declarou. – Eu acredito que pelo que a gente viu nas imagens faltou policiais ali naquele dia.
A relatora da CPI cobrou Torres e afirmou que ele tentou evitar assumir a responsabilidade pelos ataques.
– Ou seja, o senhor sai do país dois dias antes (em 6 de janeiro), cumpre na verdade ali umas férias, acaba sendo algumas coincidências que a gente precisa entender. No período de 2 de janeiro a 8 de janeiro vários alertas eram enviados e nós recebemos do Saulo (Cunha), que era da Abin, que claramente isso ocorria. O senhor participava de alguns desses grupos, inclusive do grupo Difusão, que recebeu alguns desses alertas.
A senadora disse também que a ação da PM do DF é integrada à Secretaria comandada por Torres na época:
– O senhor sai do país dois dias antes como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, que tem a responsabilidade da ação ostensiva em relação à Praça dos Três Poderes. Está dizendo: "A culpa não é minha, é da Polícia Militar", que estava dentro da própria organização da Secretaria de Segurança Pública.
Ao determinar a expedição do mandado de prisão preventiva contra Torres, em janeiro, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, descreveu as atitudes do delegado como "descaso" e "conivência" e sustentou não haver qualquer justificativa para a omissão do então secretário de Segurança. Em maio, o magistrado decidiu por soltá-lo, alegando que a segregação cautelar já havia “alcançado sua finalidade”, não sendo mais necessária após “novas diligências policiais”.
Nesta segunda-feira, Moraes concedeu a Torres o direito de ficar em silêncio durante o depoimento. Na última sexta-feira, ele entrou com um pedido para que "lhe seja assegurado, na condição de 'investigado', o direito constitucional ao silêncio, com a consequente expedição de salvo-conduto, ou, ao menos, lhe seja salvaguardado o direito constitucional ao silêncio no tocante aos questionamentos que, porventura, possam acarretar autoincriminação".
Na petição, a defesa diz que o ex-ministro quer comparecer à CPI, "porquanto é o maior interessado nos esclarecimentos dos fatos". "Isso, contudo, não desnatura que a CPMI convocou Anderson Torres para depor na qualidade de testemunha, o que, como já antecipado, apresenta-se equivocado. Nesse panorama, impõe-se que Vossa Excelência assegure ao requerente o direito constitucional ao silêncio na “condição de investigado”, com a consequente expedição de salvo-conduto", dizem os advogados.
“No depoimento à CPMI agendado para o dia 08/08/2023, seja ouvido na condição de testemunha, tendo o dever legal de manifestar-se sobre os fatos e acontecimentos relacionados ao objeto da investigação, estando, entretanto, a ele assegurado o direito ao silêncio e a garantia de não autoincriminação, se instado a responder perguntas cujas respostas possam resultar em seu prejuízo ou em sua incriminação”, escreveu o ministro.
No despacho, Moraes também determinou que, “quanto ao pedido de dispensa do cumprimento de proibição de visitas dos Senadores Marcos do Val e Flávio Bolsonaro, considerando a evidente conexão dos fatos em apuração e as investigações das quais ambos fazem parte, fica mantida a proibição de contato pessoal e individual com ambos”.
Atualmente, a liberdade de Torres está condicionada ao cumprimento de uma série de medidas, como o uso de tornozeleira eletrônica, o recolhimento domiciliar de noite e nos fins de semana e a proibição de deixar o Distrito Federal. Além disso, ele também está proibido de utilizar redes sociais e de conversar com outros investigados.