Email, Whatsapp e reflexo na foto: entenda "trapalhadas" que ajudaram nas investigações sobre joias
General Mauro César Lourena Cid; o ex-ajudante de ordens Osmar Crivelatti e o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef estão entre os alvos da operação
A Polícia Federal deflagrou nesta sexta-feira (11) a Operação “Lucas 22”, que investiga um suposto esquema de venda de presentes dados ao Estado brasileiro durante missões oficiais no exterior.
As investigações encontraram uma série de brechas que permitiram desenhar uma rede que liga as provas sobre o que seria um esquema para vender presentes recebidos pela Presidência da República durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL).
Entre os alvos da ação estão o pai do tenente-coronel Mauro Cid, general Mauro César Lourena Cid; o ex-ajudante de ordens Osmar Crivelatti e o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef. Uma das provas contra Mauro Cid seria uma sequência de mensagens que ele enviou para si mesmo via WhatsApp.
O militar tirou sete fotos do conjunto e do certificado de autenticidade dele (composto por um anel, abotoaduras, um rosário islâmico e um relógio Rolex — uma caneta da Chopard também aparece nas imagens), como adiantou a coluna de Lauro Jardim.
A PF diz que ele chegou a enviá-las a terceiros e, depois, apagá-las antes que fosse alvo de busca e apreensão, em maio.
A PF, no entanto, recuperou o conteúdo por meio da janela de diálogo do WhatsApp que Mauro Cid usava para “conversar” consigo mesmo. Os registros da investigação mostram que ele enviou a si mesmo não só as sete fotos em questão, como o endereço onde parte das joias foi parar (incluindo o da Seybold Jewelry Building, em Miami) e o endereço virtual que mostrava o Rolex à venda no site de outra loja de revenda.
Reflexo na fotografia
O reflexo do rosto do general do Exército Mauro Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, aparece em uma das imagens identificadas pela Polícia Federal.
A foto que mostra a imagem do general foi usada para negociar a venda, nos Estados Unidos, de esculturas recebidas pelo governo como presente oficial, apontam as investigações.
A imagem está nos documentos da operação realizada nesta sexta-feira. O rosto do general apareceu na foto no momento em que ele fotografava uma das caixas dos itens para pedir uma avaliação do valor em lojas especializadas. No reflexo, aparece o rosto de Mauro Lourena Cid enquanto ele segura, com as duas mãos, o aparelho celular na horizontal, logo abaixo do queixo.
Várias tentativas
Nesta semana, a “Folha de S.Paulo” já havia revelado outro episódio que sugere o modus operandi de Mauro Cid perante os eventuais rastros virtuais deixados por sua atuação junto a Bolsonaro.
Assim como apagou mensagens no WhatsApp, o militar também tentou acessar o antigo e-mail de trabalho 99 vezes em março deste ano (três meses após Bolsonaro deixar a presidência), quando o governo Lula já havia bloqueado seu acesso. Antes disso, acessou a conta mais de 500 vezes.
Também era por meio de e-mails que Cid tentava negociar com joalherias a venda de um dos relógios ganhos pelo presidente durante seu mandato.
Ele negocia em inglês a venda de um relógio Rolex por R$ 300 mil, conforme revelado pelo Globo em 4 de agosto, sendo um dos indícios utilizados pela Polícia Federal para a operação desta sexta-feira, que investiga os supostos crimes de peculato e lavagem de dinheiro.
Passo a passo
A PF cumpre ao todo três mandados de busca e apreensão — dois em Brasília, em São Paulo e um em Niterói. As ações foram autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, no Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do inquérito das milícias digitais.
Segundo a corporação, os alvos são investigados pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro.
"Os investigados são suspeitos de utilizar a estrutura do Estado brasileiro para desviar bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes do Estado brasileiro, por meio da venda desses itens no exterior", diz a nota da PF.
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Os valores obtidos da comercialização desses objetos teriam sido convertidos em dinheiro vivo e "ingressaram no patrimônio pessoal dos investigados, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores", segundo a PF.
A operação foi batizada com o nome de um versículo da Bíblia - Lucas 12:12 -, que diz que “não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”. O ministro Alexandre de Moraes afirmou que foram identificados cinco "eixos principais" da suposta organização criminosa envolvendo os auxiliares de Bolsonaro.
Os cinco eixos são:
ataques virtuais a opositores;
ataques às instituições (STF, TSE), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral;
tentativa de golpe de Estado e de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia;
uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens
O último item, por sua vez, seria subdivido em outros três eixos:
uso de suprimentos de fundos (cartões corporativos) para pagamento de despesas pessoais
inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid19 nos sistemas do Ministério da Saúde para falsificação de cartões de vacina
desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao ex-Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação com o fim de enriquecimento ilícito