Opinião

Uma nuvem de poeira no caminho da servidão

A umidade relativa do ar estava próxima de 10%. Clima de deserto em pleno cerrado brasileiro. No início da tarde, uma nuvem de poeira vermelha ocre toldava a visão dos militares em adestramento no Campo de Instrução de Formosa, um município de Goiás.

Sob condições ainda desconhecidas, um helicóptero Super Cougar, em voo para adestrar tropas no desembarque em áreas de difícil acesso, perde sustentação, cai rapidamente, chocando-se violentamente contra o chão de terra batida para, em seguida, ser consumido pelas chamas.

Do lastimável acidente resultou duas mortes e doze feridos, além da destruição total de uma aeronave de asa rotativa da Marinha do Brasil.

Autoridades civis e militares, em seguida ao acidente, expressaram condolências e irrestrito apoio às famílias dos falecidos no cumprimento da missão de defender o nosso país, assegurando nossa soberania.

A atividade militar está intrinsicamente ligada ao risco. Ao incorporar às Forças Armadas, o militar o reconhece em juramento solene.

Como uma homenagem aos fuzileiros navais que honraram a farda que os vestiu ao longo dos anos, a missão continuou.

Cidadãos, estejam uniformizados ou não, precisam reconhecer os sacrifícios aos quais os homens e mulheres do mar, da terra e do ar são submetidos ao se dedicarem como sacerdócio a defender a sociedade brasileira.

Um sacerdócio que impõe do profissional, na vida particular, e à sua família, constantes mudanças de sede, a privação do cônjuge de um trabalho estável e aos filhos, uma educação planejada.

Um sacerdócio que exige do profissional, na vida castrense, uma rigorosa preparação psicológica, uma
elevada condição física, habilidade técnica aprimorada e uma prontidão temporal incontornável.

Um ano de pesquisas na base Comandante Ferraz no continente Antártico, em ambiente congelante. Um ano de missão nas selvas do Congo para cooperar pela paz, convivendo com doenças tropicais fatais. Um ano de missões aéreas humanitárias na selva Amazônica para levar apoio aos pelotões de fronteira, pousando em pistas instáveis e perigosas.

Esses são alguns exemplos de tarefas assumidas por marinheiros, soldados e aviadores em cumprimento da missão constitucional de defender a Pátria, além de garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.

Tarefas de marinheiros, como os sargentos Luís Fernando Tavares Augusto e Renan Guedes Moura, vítimas do acidente dessa terça-feira (08 de agosto de 2023), em Formosa, quando se adestravam para o combate.

De soldados como sargento Michel Augusto Mikami, morto em confronto no Complexo da Maré quando levava a paz social àquela comunidade tomada pelo tráfico e pelas milícias.

De aviadores como o capitão Mauro Fernandes Naumann, que perdeu a vida pilotando um caça da Força Aérea, após arriscada manobra de recuperação da aeronave.

De 18 militares, coronéis, majores, tenentes, sargentos, soldados - soldados da paz - vítimas do devastador terremoto no Haiti, em 12 janeiro de 2010.

De tantos outros, em tantos locais e tantos momentos.

Perdas humanas em ações a serviço do país e da paz são irreparáveis. São famílias destroçadas e Forças enlutadas. Nossas reverências são eternas aos que partiram no cumprimento da missão. 

Suas lápides servem de estímulo a continuar na marcha. Suas almas fortalecem a resiliência. Suas lembranças, a servidão.

Em um país em que a sensação de perigo pela perda de valores, tradições e riquezas não se alinha com o cotidiano do cidadão, cuja principal luta é pela sobrevivência de sua família, o tratamento dado aos aspectos anímicos da profissão militar precisa ser reavaliado.

Que o acidente no Campo de Instrução de Formosa não seja apenas um lamento sem ação, mas sim uma oportunidade para que a sociedade em geral e as autoridades em particular valorizem ainda mais o papel dos militares na defesa de nosso país. 

Caros leitores, somos parte de um todo. A vitória dos filhos fardados da nossa sociedade, também é nossa. O luto por suas perdas, também é nosso.



*General de Divisão da Reserva


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