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Veja o que se sabe sobre incêndio florestal que atinge o Havaí

Moradores chegaram a se jogar no oceano para escapar das chamas e linha telefônica de emergência ficou fora do ar, o que tornou impossível relatar possíveis incidentes

Incêndios florestais no Havaí mataram dezenas de pessoas e deixaram cerca de mil desaparecidas - AFP

Ao menos mil pessoas estão desaparecidas e outras 55 morreram em decorrência do incêndio florestal que atinge o estado americano do Havaí desde a última quarta-feira. Em entrevista à imprensa local, o governador Josh Green disse que não é possível afirmar que todos os desaparecidos morreram, mas acrescentou que "não há energia, internet, telefone ou rádio", o que dificulta a comunicação.

Intensificadas por fortes ventos causados pelo furacão Dora, as queimadas também destruíram empresas na cidade histórica de Lahaina e causaram cortes de energia. O Serviço Meteorológico Nacional afirmou que o fenômeno foi “parcialmente responsável” por rajadas de vento de mais de 97 quilômetros por hora, o que prejudicou a atuação de helicópteros dos bombeiros.

Alguns moradores chegaram a se jogar no oceano para escapar das chamas, e até mesmo a linha de emergência (911) ficou fora do ar, o que tornou impossível relatar possíveis incidentes. O governador afirmou que cães farejadores foram trazidos dos estados da Califórnia e de Washington para ajudar nas buscas, e que montaram um "centro de assistência familiar" para tentar "reunificar as pessoas".

Na quinta-feira, os bombeiros permaneciam combatendo os focos de incêndio, que foram "amplamente contidos", embora ainda causem fumaça e cinzas. Milhares de moradores e turistas foram retirados, as estradas permanecem fechadas em Maui e na ilha do Havaí e o número de mortos pode aumentar à medida que as equipes de resgate viajam para as partes do estado que foram bloqueadas pelo incêndio.

Como o fogo começou?
Um incêndio florestal foi inicialmente relatado na área de Lahaina por volta das 6h30 da terça-feira, provocando uma evacuação limitada. Funcionários do condado de Maui disseram que o incêndio foi contido algumas horas depois, mas alertaram que os ventos fortes derrubaram as linhas de energia e a eletricidade acabou. O condado disse no Facebook que a causa do incêndio está sob investigação.

No final da tarde, o incêndio teria começado novamente, forçando um aviso de evacuação para alguns moradores, com outros "aconselhados a se abrigar no local". Nas horas seguintes, o fogo se espalhou e, perto da meia-noite, o condado de Maui alertou todas as pessoas que viviam em West Maui para ficarem onde estavam, a menos que recebessem ordem de evacuação.

Por que as pessoas foram pegas de surpresa?
Moradores dizem que o pânico se espalhou por Lahaina quando as chamas começaram a aparecer em bairros que antes eram intocados. Claire Kent descreveu cenas de pânico quando as pessoas na cidade perceberam que tinham que sair imediatamente.
 

“Foi tudo boca a boca, como pessoas correndo pela rua dizendo 'você precisa sair'. "Havia caras andando de bicicleta, apenas gritando para as pessoas irem embora."

Na manhã de quarta-feira, grande parte de Lahaina estava em ruínas. Crystal Kolden, especialista em incêndio da Universidade da Califórnia, em Merced, disse que os moradores pareciam não ter percebido que havia um incêndio perigoso.

"O primeiro pressentimento das pessoas de que há um incêndio do lado de fora de suas casas é ver as chamas pelas janelas. E é tarde demais", disse Kolden, de acordo com o Los Angeles Times. "É muito diferente do que... a grande maioria dos incêndios envolvendo evacuações durante a maior parte do século 20 (que) são lentos o suficiente, onde as pessoas têm várias horas, às vezes até dias, para evacuar."

Por que o fogo se espalhou tão rapidamente?
O lado oeste de Maui não chove muito porque é protegido por um vulcão extinto, mas este ano foi particularmente seco. A forma de uso também mudou.

"As terras rurais a leste de Lahaina já foram plantações intensamente administradas, com valas de irrigação e terraços", disse Thomas Smith, especialista em Geografia Ambiental da London School of Economics.

-A terra cultivada teria sido resistente ao fogo - frequentemente regada e sem plantas estabelecidas há muito tempo. Mas "como a maior parte desta terra foi abandonada, ervas altas, arbustos e árvores jovens criaram raízes, aumentando substancialmente a quantidade de vegetação inflamável ao redor da cidade".

Portanto, o que quer que tenha provocado o incêndio, havia bastante combustível para queimar. Crucialmente, ventos fortes açoitavam a ilha, alimentados por um furacão que se agitava no oceano a centenas de milhas (quilômetros) a sudoeste. A topografia da ilha - o vulcão desce em direção a Lahaina - também foi um fator significativo.

“Os ventos descendentes são secos e quentes, reduzindo ainda mais a umidade na vegetação e levando a um comportamento de incêndio mais extremo”, disse Smith.

A mudança climática desempenhou um papel?
A queima desenfreada de combustíveis fósseis desde o início da revolução industrial liberou bilhões de toneladas de gases que aquecem o planeta na atmosfera. Isso causou temperaturas globais médias mais altas - a Terra acabou de passar por seu mês mais quente de todos os tempos - o que, por sua vez, está mudando nossos padrões climáticos.

Embora os incêndios florestais sejam um fenômeno natural, os cientistas dizem que o aquecimento da nossa atmosfera está piorando desastres como esses.

“A mudança climática está levando a uma atmosfera mais quente em todos os lugares, que tem mais poder de secagem”, disse Yadvinder Malhi, professor de Ciências Ecossistêmicas da Universidade de Oxford. "Portanto, o mesmo fogo que teria sido moderado algumas décadas atrás será mais intenso agora."

Brasileiros atingidos
Quando os estragos causados pela ventania aumentaram, o casal de surfistas brasileiros Pedro Robalinho, de 47 anos, e Rafaela Bentes, de 37, cogitou abandonar a própria casa. Nesta terça-feira, os dois já sabiam que havia focos de incêndio na área, embora a ameaça parecesse distante. Foi só quando viram a fumaça se aproximar e sentiram o calor do fogo que decidiram ir embora.

— Sempre que tem situações de emergência por aqui, costumamos ouvir alarmes e instruções na mídia, mas desta vez não teve isso — disse Rafaela ao GLOBO. — Nossa decisão de sair ocorreu quando os ventos começaram a apertar um pouco mais. Vimos uma fumaça preta muito grande, e meu marido sentiu o calor. Falei para minhas filhas, de 12 e 9 anos, fazerem uma mochila com as coisas delas, e eu já tinha uma pasta com nossos documentos separada. Então, decidimos sair.

De acordo com Rafaela, só deu tempo de pegar os itens mais próximos, como um computador e algumas roupas espalhadas. Para trás ficaram, além da casa, dois carros, cerca de 50 pranchas usadas para dar aulas e todo o material da empresa que eles construíram desde 2016, quando saíram do Rio de Janeiro para morar na cidade de Lahaina. Apesar disso, a decisão de fugir do local veio no tempo certo: segundo ela, a família foi embora 15 minutos antes de precisar dirigir em meio ao fogo, como ocorreu com outros moradores da ilha.

— Para dirigir estava complicado, o vento estava forte. É uma sensação difícil. Não queríamos ficar desesperados, mas também não queríamos dar mole. Tentamos fazer a coisa certa o tempo inteiro — afirmou. — Minha filha mais nova ficou bem apreensiva. Ela conseguiu ver a fumaça, então chorava e sentia medo. Já a mais velha estava com o nosso gato no colo, e ela é um pouco mais madura, mas vi que ficou nervosa, com os olhinhos bem esbugalhados, mas tentando cuidar da irmã. Elas sentiram medo daquilo chegar perto da gente, e estava chegando.

Naquele momento, ela contou também ter sentido “muito medo”, mas disse ter tentado “se colocar no lugar de mãe”. Enquanto o marido dirigia, foi para o banco de trás do carro e abraçou as crianças. A ideia de que a fumaça poderia atingi-los fez com que o tempo parado no trânsito parecesse ainda maior, e o instrutor de surfe cogitou entrar na contramão. Rafaela, porém, pediu que ele não fizesse isso. Para ela, iria piorar as coisas, já que estava “todo mundo esperando”, e “havia carros de bombeiros e da polícia indo na direção contrária”, ressaltou.

— Nós conversávamos e pensávamos que, caso qualquer coisa acontecesse, pularíamos no mar, porque o fogo não chegaria lá. Então, estávamos tensos, dirigindo com um plano B. Imaginávamos o que poderíamos fazer, porque não sabíamos quanto tempo ficaríamos parados no trânsito — explicou ela. — Fomos para o centro da ilha, e agora estamos na casa de uns amigos. Eles disseram que podemos ficar o quanto quisermos, mas sabemos que vamos precisar recomeçar.