ARGENTINA

Fracasso em conter crise argentina dificulta chances de ministro da Economia em eleição presidencial

Pré-candidato da Casa Rosada contratou estrategista que elegeu Petro na Colômbia, mas não consegue decolar nas pesquisas

O ministro da Economia, Sergio Massa - Luis Robayo / AFP

Em recente ato da campanha, o ministro da Economia da Argentina e pré-candidato à Presidência do país, Sergio Massa, disse que gostaria de ser “o presidente que derrote a inflação”. A frase causou certa perplexidade entre analistas, políticos e na sociedade, já que Massa está à frente da pasta que tem como um de seus principais objetivos conter a escalada de preços internos.

O que para alguns foi uma gafe, apesar de seus assessores assegurarem que é parte de seu programa de governo, reflete as dificuldades que o candidato escolhido pela Casa Rosada enfrenta para crescer numa campanha que tem a economia como principal tema da agenda nacional.

As Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) deste domingo, que determinarão quais serão os candidatos que disputarão o primeiro turno em 22 de outubro, mostrarão o tamanho do desafio de Massa.

O pré-candidato terá apenas um adversário interno, o líder social Juan Grabois, que, segundo pesquisas recentes, deve obter em torno de 5% dos votos. Assim, Massa provavelmente será eleito candidato da aliança governista União pela Pátria para as presidenciais. A questão é saber qual é seu real nível de apoio na disputa geral: tem chances de tornar-se um candidato competitivo e passar para o segundo turno?

Por trás de uma campanha que ainda não conseguiu bons resultados está, segundo fontes do governo peronista, o estrategista espanhol Antoni Gutiérrez-Rubí, que no ano passado se consagrou assessorando o presidente Gustavo Petro, primeiro chefe de Estado de esquerda da História da Colômbia. O especialista em comunicação política já tinha trabalhado com a vice-presidente Cristina Kirchner e tem bons contatos com o kirchnerismo. Massa não era o candidato preferido de Cristina: a relação entre ambos é tensa há anos, mas ele acabou sendo a única opção viável para que o peronismo permanecesse unido.
 

A sensação entre analistas argentinos é de que Cristina não acredita numa vitória nas presidenciais e decidiu entregar a campanha a Massa e concentrar esforços no pleito pelo governo da província de Buenos Aires, onde seu discípulo, o atual governador Axel Kicillof, disputará a reeleição. Já o presidente Alberto Fernández está ausente de todas as campanhas.

Os números hoje não são favoráveis ao ministro. Se Massa obtiver menos de 30% dos votos nas Paso, o cenário será sombrio para o governo peronista. Se o resultado ficar acima de 30% e, paralelamente, os dois pré-candidatos que disputarão as Paso da aliança opositora Juntos pela Mudança, Patricia Bullrich e Horácio Rodríguez Larreta, não somarem mais de 40%, as possibilidades de Massa serão maiores.

Será importante também observador o desempenho do pré-candidato da extrema direita Javier Milei, único que não terá adversários nas Paso. Quanto mais alto for o apoio a Milei, mais votos terão perdido, principalmente, os pré-candidatos da Juntos pela Mudança.

— Massa vai sofrer em agosto e em outubro, mas se chegar ao segundo turno [previsto para 19 de novembro] poderia ter um bom desempenho. Ele não é um candidato carismático, mas também não tem alta rejeição — opina Julio Burdman, professor da Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA).

As pedras no sapato do pré-candidato, hoje considerado por muitos o verdadeiro presidente da Argentina — com um Fernández profundamente enfraquecido —, são muitas. Em junho passado, a inflação registrou alta de 6% e acumulou aumento de 50,7% nos primeiros seis meses do ano. Entre junho de 2022 e o mesmo mês deste ano, os preços subiram 115,6%.

Massa assumiu o comando do Ministério da Economia em meados do ano passado, fato que torna muito fácil para seus adversários questionar sua gestão como ministro e, portanto, sua capacidade de resolver, como presidente, alguns dos problemas que mais preocupam os argentinos. Em entrevistas a meios locais e através de suas redes sociais, Bullrich disse que o fato de "um ministro da Economia dizer que começará a trabalhar para combater a inflação no dia 10 de dezembro [dia da posse presidencial na Argentina] parece uma piada”.

Vários indicadores sociais e econômicos complicam a campanha do peronista: no último ano, a taxa de pobreza passou de 36,5% para, segundo estimativas de consultorias privadas, mais de 40%; a inflação anual subiu de 71% para mais de 100%; e a cotação do dólar paralelo, que condiciona a grande maioria das atividades econômicas no país, passou de cerca de 300 pesos para 600 pesos, novo recorde batido nos últimos dias.

Por que, afinal, um ministro de uma das economias mais complexas da região e do mundo acredita que pode ser eleito presidente? Segundo o consultor político Hugo Haime, que trabalhou com Massa em campanhas presidenciais e legislativas em 2013, 2015 (primeira candidatura à Presidência do ministro, que ficou em terceiro lugar) e 2017, o pré-candidato aposta em disputar um eventual segundo turno com Bullrich e acredita poder derrotar a única mulher na corrida presidencial argentina.

— Massa faz a seguinte análise: Milei divide o voto opositor, e Bullrich, por ser tão radical em suas posturas, pode ser derrotada. Mas a verdade é que tudo dependerá de como estiver a economia — assegura Haime.

Num eventual segundo turno com Larreta, com quem dialoga e mantém uma proximidade conhecida e assumida por ambos, o ministro, segundo Haime, teria menos chances. De qualquer forma, disse o analista, o cálculo político de Massa também inclui a possibilidade de derrota e, nesse caso, tornar-se líder da oposição.

— A meta de ser presidente será mantida, mesmo se ele perder — afirma Haime.

Nas ruas de Buenos Aires, quando o nome de Massa surge em conversas informais, as reações são variadas. Para a professora de escola pública Jimena González, de 35 anos, os governos da oposição fizeram muito pouco pela educação pública e somente o peronismo, com todas as suas falências, é garantia de investimento em escolas e universidades. Massa, para esta eleitora de classe média, é um mal menor.

Já o advogado Alejo Martin, de 48 anos, assegurou que, apesar da decepção deixada pelo governo de Mauricio Macri (2015-2019), a Argentina não pode mais ser governada por peronistas, que, segundo ele, são os responsáveis pela decadência do país. Para ele, portanto, Massa está fora de cogitação.