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Forte vigilância em setor cristão no Paquistão após ataques contra igrejas

Ao menos quatro igrejas foram incendiadas, um cemitério cristão vandalizado; e sete casas atacadas, segundo a polícia

Escombros ao lado da Igreja de São João incendiada - Aamir Qureshi/AFP

O policiamento foi reforçado nesta quinta-feira (17) em uma localidade cristã do leste do Paquistão, atacada na véspera por muçulmanos. Mais de 100 pessoas foram detidas após incidentes violentos desencadeados por acusações de profanação do Alcorão.

Na quarta-feira, centenas de pessoas de confissão muçulmana tomaram as ruas de Jaranwala, nos arredores da cidade industrial de Faisalabad, no estado de Punjab. Várias igrejas foram incendiadas e um cemitério cristão, vandalizado.

"Alguns corriam descalços e outros fugiam (...). Tudo era um caos", disse Javed Bhatti, um pastor.

Ao menos quatro igrejas foram incendiadas, um cemitério cristão vandalizado; e sete casas atacadas, segundo a polícia.

O ataque ocorreu depois que um grupo de fanáticos religiosos acusou uma família de blasfêmia contra o texto sagrado do islã.

"Fotos e vídeos de páginas queimadas do Alcorão foram compartilhados entre os habitantes, e isso gerou indignação", disse Rana Imran Jamil, porta-voz dos serviços de emergência da cidade, na quarta-feira.

Um porta-voz do governo de Punjab disse em um comunicado que mais de 120 pessoas foram detidas e que a polícia estava procurando pela família acusada de blasfêmia. O governo provincial também anunciou a abertura de uma investigação.

Na manhã desta quinta-feira, centenas de policiais foram mobilizados para a área para tentar tranquilizar os moradores, que deixaram suas casas às pressas.

"Todos os cristãos abandonaram suas casas e fugiram" para o outro lado, declarou à AFP Fayaz Masih Khokhar, que chegou da cidade vizinha de Lahore para "ver a família e mostrar [sua] solidariedade" à comunidade cristã.

Yasir Bhatti, paquistanês cristão de 31 anos, contou que fugiu de sua casa, situada perto de uma das igrejas incendiadas.

"Quebraram as janelas, as portas e roubaram geladeiras, sofás, cadeiras e outros móveis para amontoá-los em frente à igreja e tocar fogo. Também queimaram e profanaram Bíblias", relatou por telefone à AFP.

Em meio ao pânico, moradores muçulmanos foram alertar seus compatriotas cristãos sobre o que estava acontecendo.

"Duas mulheres estavam correndo. Eu abri a porta da minha casa para elas e as deixei entrar. Elas estavam muito preocupadas, mas eu as acalmei", explicou Tariq Rasool.

Vídeos nas redes sociais mostram muçulmanos com alto-falantes instando os fiéis a agir.

"Os cristãos profanaram o Alcorão. Todos os religiosos, todos os muçulmanos, devem se unir e se concentrar em frente à mesquita. Antes morrer do que não se preocupar com o islã", afirma um religioso.

Um tema sensível
Vários representantes do governo condenaram a violência e manifestações foram organizadas em algumas cidades para exigir mais proteção para os cristãos.

O novo primeiro-ministro interino do Paquistão, Anwaar-ul-Haq Kakar, declarou-se "indignado" na rede social X (antigo Twitter) por esses eventos e anunciou "medidas severas contra aqueles que violam a lei voltada para as minorias".

"A triste situação atual do país exige que os líderes religiosos e personalidades de todas as religiões e confissões desempenhem um papel-chave e fundamental na preservação da unidade nacional", exigiu o bispo de Lahore, Nadeem Kamran, em um comunicado.

A questão da blasfêmia é especialmente sensível no Paquistão, onde até as acusações não comprovadas de ofensa ao islã podem motivar assassinatos e linchamentos.

A Comissão Independente de Direitos Humanos do Paquistão advertiu em várias ocasiões que as leis sobre a blasfêmia com frequência são usadas como uma arma contra as minorias religiosas e para ajustes de contas pessoais, e que este tipo de incidentes tem aumentado nos últimos anos.

Os cristãos, que representam cerca de 2% da população, ocupam um dos níveis mais baixos da sociedade paquistanesa e costumam ser alvo de acusações de blasfêmia sem fundamento.