Com ida à África, Lula se aproxima do 20º destino internacional em menos de sete meses
Presidente, que elegeu agenda externa como prioridade no começo do mandato, tem compromissos marcados na África do Sul, Angola e São Tomé e Príncipe
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca, neste domingo, para a Cúpula dos Brics na África do Sul — o próximo compromisso de sua movimentada agenda internacional neste começo de mandato. Desde que chegou ao Palácio do Planalto pela terceira vez, em janeiro deste ano, Lula elegeu a política externa como uma prioridade, passando por 16 países em pouco mais de sete meses, e ao fim da ida à África serão pelo menos 19.
Além do encontro na África do Sul, que acontece de terça a quinta-feira, o presidente também fará uma visita de Estado a Angola e participará da cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em São Tomé e Príncipe.
O retorno à cena internacional, contudo, coabita com saias-justas que vão da Venezuela à guerra na Ucrânia, razão de desconfortos entre o petista e o presidente do Chile, o também esquerdista Gabriel Boric. Na primeira passagem pelo continente africano, em julho, Lula afirmou em Cabo Verde que o Brasil tem "profunda gratidão ao continente africano por tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão”.
— Quero recuperar a relação com o continente africano. Nós, brasileiros, somos formados pelo povo africano. A nossa cultura, nossa cor, tamanho, é resultado da miscigenação entre índios, negros e europeus. E nós temos profunda gratidão ao continente africano por tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão no nosso país — afirmou.
As escorregadas de Lula ocorrem principalmente nas geralmente longas entrevistas coletivas que dá ao fim de cada viagem. Durante uma coletiva na cúpula entre a União Europeia (UE) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Bruxelas, também em julho, o alvo foi Gabriel Boric.
Boric criticara na terça-feira as negociações sobre a declaração final da cúpula porque “alguns não querem dizer que a guerra é contra a Ucrânia”. Em sua mira estavam países latino-americanos que impediram uma menção à Rússia e sua “guerra de agressão imperialista” contra o país de Volodymyr Zelensky. Em referência ao chileno, Lula afirmou que, quando era mais novo, tinha “pressa” tal qual o colega, mas que com o tempo aprendeu que há muitos interesses em jogo:
— Eu não tenho por que concordar com o Boric, é uma opinião dele. Foi extraordinária a reunião. Provavelmente a falta de costume de participar dessas reuniões faz com que um jovem seja mais sequioso, mais apressado, mas as coisas acontecem assim — afirmou ele.
Recuo sobre Venezuela
As divergências entre a dupla também se estendem à Venezuela, frente às diversas declarações e acenos de Lula que foram entendidos como pró-Caracas. Com uma boa relação histórica com o chavismo, o presidente recebeu o presidente Nicolás Maduro em Brasília em maio, para um retiro de chefes de Estado na região e afirmou que a Venezuela é “vítima” de “uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo”.
Entre os críticos domésticos e internacionais estava Boric: as violações dos direitos humanos no país de Maduro, disse ele, “não são uma construção narrativa”, mas sim uma “realidade”. Frente à péssima repercussão, Lula recuou na cúpula desta semana e sentou-se pela primeira vez com representantes da oposição e do governo da Venezuela, em um encontro organizado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que reuniu também o colombiano Gustavo Petro e o argentino Alberto Fernández.
O grupo defendeu que os venezuelanos cheguem a um acordo sobre a data e as regras para as eleições do ano que vem, condições para que haja “autoridade moral” de demandar o fim das sanções “absurdas” americanas, disse Lula. Para o petista, os venezuelanos “estão cansados (...) após tanto tempo de briga” em Caracas. A presença de Lula, na avaliação do Eliseu, mudou a dinâmica das negociações.
Outro impasse regional que causa dor de cabeça para o presidente é o acordo UE-Mercosul, que ficou escanteado na Bélgica diante da dificuldade de avanços significativos. As demandas ambientais no adendo apresentado pelos europeus, vistas como protecionistas pelos sul-americanos, e os termos sobre compras governamentais devem ser rebatidas em uma contraproposta a ser apresentada daqui a “duas ou três semanas”, disse Lula.
A guerra da Ucrânia também é uma fissura entre brasileiros e os europeus, com o presidente se recusando a aderir à enxurrada de sanções e a enviar armas para Kiev. Apesar de ter votado na Assembleia Geral da ONU para condenar a Rússia pela invasão, o Brasil adota uma posição de neutralidade no conflito, projetando-se como um possível mediador e vendendo a ideia de um clube da paz de nações sem interesses na disputa.
O desencontro de Lula e Zelensky durante a passagem dos dois pelo Japão na cúpula do G7, para a qual foram convidados, levantou dúvidas sobre a capacidade brasileira de fazer tal articulação, apesar de o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, ter visitado Moscou e Kiev. Meses antes, em abril, declarações do presidente brasileiro equiparando país invadido e invasor e culpando o Ocidente por prolongar a guerra geraram respostas da Casa Branca e de aliados europeus. Desde então, a retórica brasileira também recuou.
Os impasses, no entanto, caminham ao lado de uma reinserção brasileira na política regional e na cena internacional. Lula foi aos EUA em fevereiro, em um gesto de agradecimento pelo rápido reconhecimento do resultado da eleição do ano passado, e para discutir o fortalecimento da democracia duas semanas após ambas nações serem alvos de ataques golpistas. Dois meses depois estava na China, maior parceira comercial do Brasil, onde foi recebido com pompas por Xi Jinping, fez uma defesa da desdolarização e despertou críticas de que estava dando primazia a Pequim nas disputas geopolíticas com os americanos.