LITERATURA E CINEMA

Trinta anos de "Trainspotting": livro inspirou filmes com personagens problemáticos e carismáticos

Lançado em 1993, obra de estreia do escocês Irvine Welsh conquistou logo uma legião de fãs e haters

O 'time' de 'Trainspotting': Renton (Ewan McGregor), Spud (Ewen Bremner), Sick Boy (Jonny Lee Miller) Begbie (Robert Carlyle) - Divulgação

Nenhum leitor ficou indiferente a “Trainspotting”. Lançado em 1993 nos países de língua inglesa (a tradução brasileira só chegaria em 2004), o livro de estreia do escocês Irvine Welsh conquistou logo uma legião de fãs e haters.

Os dois grupos foram basicamente atraídos e repelidos pelos mesmos fatores. Havia o retrato hiperrealista da promiscuidade sexual e do uso de drogas pelos protagonistas, todos viciados ou simpatizantes da heroína.

Estava ali também uma narrativa fragmentada e a linguagem crua, repleta de palavrões e escatologia (no original, com o tempero extra de um hermético dialeto escocês), que hoje Welsh credita à sua inexperiência na literatura.

Além disso, pairava nas páginas a angustiante falta de perspectiva dos desocupados jovens de Edimburgo, capital da Escócia. Mark Renton e seus amigos Sick Boy, Spud e Begbie eram herdeiros dos quase 12 anos do neoliberalisno de Margaret Thatcher, que aumentou o abismo entre ricos e pobres britânicos.

Em 1996, sexo, drogas, palavrões e desesperança foram turbinados na adaptação para o cinema de Danny Boyle — que em 2009 ganharia o Oscar com um filme bem diferente, a fábula fofinha “Quem quer ser um milionário?” Na época, o longa chamou atenção pela linguagem visual e um ritmo próprios de videoclipe — vivia-se o auge da MTV. São apenas 93 minutos de duração, praticamente metade do tempo dos grandes lançamentos atuais.

Já a trilha sonora mesclava ícones dos anos 1970, como Lou Reed e Iggy Pop (não à toa, artistas que tinham sua história com substâncias ilícitas), com o que de melhor estava sendo produzido naquele momento no Reino Unido. Era um período especial em que se vivia o britpop, representados no disco por Pulp e Blur, e a chegada ao mainstream da música eletrônica, que se fazia presente com nomes como Underworld, Bedrock and Ice MC. O sucesso rendeu até um álbum de “trilha sonora alternavia” com músicas que inpiraram a criação tanto do livro quanto do filme.

O longa também tornou seu atores rostos conhecidos. Ewan McGregor, que viveu Renton, nem se fala: virou até o jovem Obi-Wan Kenobi da franquia “Star wars”. Já Robert Carlyle, o Begbie, brilhou logo em seguida liderando a turma de strippers de “Ou tudo ou nada” (1997), enquanto Jonny Lee Miller, o Sick Boy, deu uma sumida mas depois brilhou como um Sherlock Holmes atual na série “Elementary”. Do quarteto principal, só Ewen Bremmer, que vivia o atrapalhado Renton, brilhou menos em Hollywood.

Mais histórias
Boyle e o quarteto de atores voltaram a se encontrar na simpática e nostálgica sequência “T2 Trainspotting”, lançada em 2017. Enquanto isso, a história dos amigos já tinha sido aprofundada por Welsh nos livros.

Em “Pornô”, de 2002, o autor traz os quatro de volta em versão mais sóbria, mas nada madura. Em 2012, o escocês voltou no tempo e desvendou a infância e adolescência da turma em “Skagboys”, tendo como pano de fundo o início da decadência econômica da indústria e da região portuária de Edimburgo — que leva ao cenário de “Trainspotting”.

Begbie volta em 2016, em “The blade artist” (“o artista da lâmina, sem edição brasileira), vivendo na Califórnia. E todos se reúnem em “Dead man’s trousers” (“calças de um homem morto”, também não lançado no Brasil).

Pode-se argumentar que nenhum destes títulos nem o longa “T2” tiveram o impacto dos originais. Mas, no conjunto, traçam um retrato honesto (às vezes piegas, às vezes visceral) da amizamasculina ao longo de décadas. Disso, Welsh entende. Sua vida mudou após “Trainspotting”, mas, como disse na entrevista da página anterior, os amigos são os mesmos. (Emiliano Urbim)