LITERATURA

Irvine Welsh lança novo romance, ataca de DJ e conta o que mudou na sua vida após "Trainspotting"

Autor escocês, que se diz 'domesticado' aos 64 anos, volta com 'Longas lâminas', policial sobre assassinato de parlamentar racista, xenófobo e homofóbico

Irvine Welsh - Divulgação

Pense numa estreia marcante. Em 1993, após uma juventude entre bandas punk, pequenos delitos e subempregos, o escocês Irvine Welsh lançou seu primeiro livro — de cara, um clássico. “Trainspotting” capturou leitores e, ao virar filme, em 1996, espectadores do mundo inteiro.

A narrativa frenética sobre uma turma barra-pesada da cidade natal do autor, Edimburgo, chacoalhou os jovens dos anos 1990 como uma dose de andrenalina — ou de heroína, mais ao gosto de seus personagens.

Trinta anos e 11 livros depois, Welsh, agora com 64 anos, anda dizendo que está “domesticado”. Mas ainda guarda algo daquele jovem punk. Notório crítico dos políticos britânicos, ele já começa seu novo livro matando um deles.

No início de “Longas lâminas”, romance policial recém-lançado no Brasil pela Rocco, o corpo de um parlamentar racista, xenófobo e homofóbico é descoberto castrado e abandonado em Edimburgo. É um caso para o detetive Ray Lennox — que já fora coadjuvante em “Filth” (de 1998, sem edição brasileira) e protagonista em “Crime” (2008).

Durão, desbocado e instável, sempre em busca de bebida e cocaína, Lennox não é nada avesso a quebrar alguns protocolos e narizes para avançar suas investigações. Mas o bad cop não é de todo ruim. Quando as pistas o levam à comunidade trans da cidade, o machão contraria o estereótipo e se alia ao grupo marginalizado.
 

A seguir, trechos da conversa por e-mail em que Welsh falou de sua escrita, seu intenso hobby de DJ, sua passagem pelo Brasil em 2016, política britânica atual e como “Trainspotting” mudou sua vida — e do que não mudou.

Você diz que não fez nada além de escrever durante a pandemia. Como é agora sua rotina de escrita?
Na real, não existe uma rotina. A cada projeto, eu faço de uma maneira um pouco diferente, porque a rotina me entedia um pouco. Alguns livros surgiram em vários lugares diferentes, outros foram todos escritos em um único lugar. Basicamente, porém, eu apenas escrevo. Quando chegar a cerca de 20 mil palavras, lerei e decidirei do que se trata. Então, planejo a partir daí.

Soube que, quando os lockdowns no Reino Unido finalmente acabaram, você retomou um antigo hobby: ser DJ na noite. O que te atrai para esse ambiente, habitat de vários de seus personagens?
Tudo me atrai na cena dos nightclubs.

E o que você toca?
Ouço todo o tipo de música, mas toco principalmente house, techno e disco. E nunca gravo um set, sempre toco ao vivo. Agora, o hobby ficou sério: montei uma gravadora de dance music chamada Jack Said What ano passado. Estamos indo bem.

Em “Longas lâminas”, você contou com a consultoria de pessoas trans para avaliar as cenas que se passam na comunidade trans. Que tal a experiência?
A consultoria foi brilhante. Era importante estar atualizado de tudo. Mas não trato esta parte do livro com alarde porque vejo a comunidade trans como qualquer outra.

Comparando com seus primeiros livros, mais caóticos, os livros do detetive Lennox se baseiam muito mais no enredo. É porque a ficção policial exige?
Sim. Apesar de eu entender, na essência, esses dois livros que você mencionou como sendo thrillers existenciais, eles pendem para o romance policial, um gênero em que o enredo é praticamente tudo.

“Longas lâminas” tem temas pesados, um detetive traumatizado e cenas macabras. Mas também alguma comédia. Pode falar desse mix?
Se você mostra às pessoas temas sombrios, precisa ter um pouco de humor e leveza para tornar estes temas toleráveis ao leitor. O humor reduz a tensão. E incentiva a virada de página.

Por falar em humor, foi divertida sua passagem pelo Brasil, na Festa Literária de Paraty (Flip) de 2016?
Foi fabuloso. Lembro-me de beber em um bar maluco naquela vila colonial com todos aqueles fabulosos personagens locais.

Como alguém que se diz um escritor britânico da classe trabalhadora, o que acha da política britânica hoje? Hoje, não importa, em todos os lugares a política se resume a diferentes grupos de pessoas muito ricas ou seus agentes procurando ferrar com os cidadãos do resto do mundo.

E, como escocês, o que acha da luta da Escócia para se separar do Reino Unido?
A política tem que ser o mais local possível. Temos de nos livrar de horríveis e antigos estados imperialistas, com elites entrincheiradas, e dividi-los em territórios onde os cidadãos possam ver seus representantes nos olhos.

Trinta anos depois de “Trainspotting”, quais as principais mudanças na sua vida? E o que não mudou?
Tenho mais dinheiro. Sou mais reconhecido por estranhos. Viajo mais. O que não mudou: tenho basicamente os mesmos amigos.

Em 2022, havia duas equipes de documentaristas seguindo você. Como isso interferiu no seu dia a dia?
Não foi uma imposição, eu permiti. E eles eram boas pessoas. O primeiro filme vai sair este mês, no Festival de Edimburgo (“Choose Irvine Welsh”, referência a um monólogo de “Trainspotting” em que as frases começam com “choose”, “escolha”). O próximo, onde eles realmente me seguiram, sai no meio do ano que vem