SAÚDE

"É muito difícil ficar na espera": relato de mulher transplantada que teve a mesma doença do Faustão

Em entrevista ao Globo, Clarissa Abbadie Auler, 44, fala dos sintomas da insuficiência cardíaca, como foi a espera por um coração e a vida depois do transplante

Clarissa Abbadie Auler após realizar o transplante de coração - Arquivo pessoal

A gaúcha Clarissa Abbadie Auler tinha 39 anos quando foi diagnosticada com insuficiência cardíaca, a mesma doença que levou agora o apresentador Fausto Silva ser internado e entrar para a lista de espera de transplante de órgão.

Ela teve de colocar marca-passo para conseguir esperar a chegada de um coração novo — o processo na lista de espera levou cerca de dois meses e meio. E, assim como o comunicador, Clarissa, também tinha prioridade devido à gravidade de sua doença.

Hoje, ela está bem, trabalha com moda e até participa de competições de natação pelo Brasil.

— Fico muito triste quando vejo que uma pessoa conhecida, como o Faustão, está precisando (de transplante), mas acaba dando uma visibilidade à questão da doação de órgãos. Quero mostrar que há esperanças e passar para a família dele que vai dar tudo certo. Assim como eu, ele também vai conseguir um coração — declara.

Confira o relato de Clarissa:

“Nunca tive nenhum problema de saúde durante a minha infância e início da fase adulta. Namorei, fiz faculdade de direito, me casei, tive um relacionamento de oito anos, viajei bastante, sempre fiz muita academia. Fazia aquelas aulas de exercícios localizados, dançava e praticava natação. Sempre gostei.

Até que em 2017, me separei e comecei a rever minha vida. Saí da área de direito e fui em busca do sonho de trabalhar com moda. Consegui um emprego em uma loja de departamento famosa em Porto Alegre, cidade onde moro atualmente. Eu trabalhava nos bastidores, recebia os novos funcionários.

Foi em um desses tour com os novos funcionários que me senti mal pela primeira vez. A loja tinha cinco andares, trabalhava no último e subia todos os dias de escada. Não pegava elevador porque sempre gostei de me movimentar e exercitar. Em 2018, já estava com 39 anos, não conseguia mais subir todos os lances. Ficava muito exausta e lenta.

Um dia, tive uma bronquite asmática e fui para o hospital. O pneumologista disse que eu precisava consultar um cardiologista. Achei um pouco de exagero na época e resolvi deixar quieto. Alguns meses depois, enquanto mostrava a loja para outros funcionários, tive um tipo de queda de pressão e quase desmaiei.

Acabei não sendo efetivada nessa loja porque meu rendimento caiu. Precisei voltar a morar com os meus pais e eles achavam que eu estava com início de depressão, porque estava sempre muito cansada, não tinha ânimo para nada, não conseguia mais dormir. E em uma determinada noite, quando fui me deitar, não consegui. Era como se estivesse sufocando.

Passei por diversos hospitais, fui parar no Instituto do Coração em Porto Alegre, mas nenhum deles sabia me dizer o que eu tinha de fato. Até que um amigo meu, que é cardiologista, me examinou. Já estava com as extremidades do corpo, como as mãos e os pés, muito inchados. E recebi o diagnóstico de insuficiência cardíaca, que é a mesma causa da espera pelo coração do Faustão.

Ela normalmente é considerada secundária, as gestantes, por exemplo, precisam ter cuidado para não desenvolverem a doença. Porém, no meu caso, os médicos não conseguiram identificar a causa primária. Em alguns casos o coração incha e fica grande, e eles chamam de “doença do coração de boi”, mas no meu caso ele só ficou insuficiente. Ele não conseguia expelir sangue para as necessidades vitais do corpo, o que acabava congestionando o meu sistema, levando-o a outras complicações, como água no pulmão — que gera dificuldade de respirar e a sensação de afogamento que eu sentia quando me deitava.

Cheguei a um estado deplorável. Descer da cama já me fazia gastar energia e cansar, não conseguia mais andar sozinha, escovar os dentes, pentear o cabelo, tudo era sinônimo de muito esforço e cansaço. Tive de dormir sentada por seis meses.

Foi quando comecei o tratamento. Primeiro, os médicos entraram com medicação de outubro a dezembro de 2018. Foi um período muito difícil para mim, não tinha esperanças de que sairia de lá com vida, ou que eu tivesse algum futuro promissor. Emagreci muito, de 65 quilos fui para menos de 50 em um mês. É uma doença que te debilita muito.

Em janeiro de 2019 coloquei um tipo de marca-passo que possui quatro cabos que ligam ao coração e ele o ajuda a bater de forma mais sincronizada. É como se reiniciasse o coração para que ele começasse a bater melhor e de novo.

Em maio, entrei na lista de espera do transplante. Meus médicos avisaram que era o melhor caminho para a melhora. E o SUS é o real princípio da igualdade. Não tem essa questão de quem tem dinheiro, classe social, raça, todo mundo é um só. Assim como o Faustão que agora também está na lista de espera, eu também fiquei aguardando o transplante.

É muito difícil ficar nessa espera. A gente não sabe se o órgão vai vir amanhã, demorar alguns meses ou até anos. Eu demorei dois meses e meio até o meu órgão chegar, e fui uma das pessoas com prioridade em razão da minha doença. É uma mistura de sentimentos. A gente fica nessa ansiedade diária. Tem casos em que, infelizmente, o coração não chega a tempo, outros são mais rápidos. Depende da disponibilidade, por isso é tão importante a doação de órgãos, as campanhas de doação, porque quando as pessoas comentam e falam sobre isso com seus familiares é mais fácil.

Depois do meu transplante, eu já estava com 40 anos, comecei o tratamento pós transplante, que são os medicamentos imunossupressores. Quando estava tudo indo bem, meu organismo começou a rejeitar o novo coração. Passei a sentir os mesmos sintomas de antes: cansaço, exaustão, dor, parecia que estava sufocando e começando tudo novamente. Precisei fazer uma nova cirurgia para desobstruir e não fechar as válvulas sanguíneas do coração. Graças a Deus não precisei de um novo transplante.

Desde então, estou muito bem. Tive que mudar algumas coisas na minha vida e na minha rotina. Não bebo mais bebidas alcoólicas, minha vida é muito mais regrada com a alimentação. Este ano voltei a nadar. Participei da competição Rainha do Mar em Copacabana, no Rio, e ganhei medalha dos 500 metros. Voltei a estudar e faço design de moda. Trabalho em uma loja de roupas, passo a maior parte do tempo de pé. As vezes tenho que sentar e descansar, mas não é um problema.

Acredito muito no transplante de órgãos, sou ativista da causa. Assim como eu, Faustão vai conseguir um coração”.