Privatização

Zema entra em rota de coalizão com sua própria base para facilitar privatizações

Governador apresentou PEC que retira a obrigatoriedade de referendo popular antes da venda de estatais; líder do governo, João Magalhães, deu declaração favorável à projeto da oposição, mas recuou

Governador de Minas Gerais, Romeu Zema - Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil

O governador Romeu Zema (Novo) deu mais um passo em direção a sua meta em privatizar as estatais e apresentou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira a exigência de referendo popular e troca o voto qualificado (aprovação de 49 deputados) por maioria simples (39). O texto facilita os planos de Zema que miram as estatais de água e saneamento (Copasa), energia (Cemig) e desenvolvimento econômico (Codemig).

Como esperado, a proposta sofreu resistência no parlamento e provocou reação do próprio líder do governo, o deputado João Magalhães (MDB). Em coletiva de imprensa sobre o projeto, Magalhães afirmou ser favorável a uma proposta do parlamentar da oposição Professor Cleiton (PV) que visa federalizar as estatais Codemig e Cemig:

— Eu não sei se o governador vai aceitar a proposta, inclusive fui o primeiro a colocá-la em evidência em uma entrevista na TV ALMG. Acho que seria plenamente viável e (Zema) conseguiria uma arrecadação bem superior do que passar para a iniciativa privada — disse João Magalhães.

Posteriormente, em nota, recuou e disse que não havia se expressado bem sobre o assunto. Ao citar os projetos da oposição, afirmou que tinha a intenção de mostrar a "pluralidade" de debates sobre o tema no parlamento. Já, ao Globo, afirmou que a PEC representa um importante avanço para o desenvolvimento do estado:

— Essa medida não apenas estimula a eficiência econômica, promovendo maior eficiência operacional, mas também possibilita investimentos privados cruciais para o crescimento do Estado, contribuindo para a geração de empregos e o bem-estar de nossos cidadãos — disse.

Apesar do recuo de Magalhães, a PEC do governador não é bem aceita por todos os 57 deputados que integram a base de Zema e enfrenta resistências. Entre elas, a do presidente da ALMG, Tadeu Martins Leite (MDB):

— Os mineiros merecem que esta decisão seja tomada com muito diálogo, responsabilidade e cuidado com o que é patrimônio da população — disse.

Já a oposição prometeu obstruir os trabalhos para que a votação não ocorra. Em coletiva, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) afirmou que Zema está "na contramão do governo federal".

— O governo Zema tem medo de ser derrotado, se a proposta é tão boa para que facilitar condições de aprovação? Ele tem medo de que neste debate fique demonstrado o caminho errado que ele tenta trilhar para Minas Gerais — afirmou a petista.

Neste contexto, os deputados da base teriam não só que dar aval às privatizações, mas tirar o direito anteriormente concedido à população de opinar neste tipo de decisão. A hipótese de por fim ao referendo já havia sido proposta em discussões na legislatura passada pela Comissão Extraordinária de Privatizações, mas não avançou.

— A população de Minas é historicamente contra a venda de estatais, por isso nenhum parlamentar quer se comprometer com o tema. Além de que passar privatização exige uma transformação na legislação, e Zema já percebeu que não tem a quantidade de deputados para isso — afirma o cientista político Cristiano Rodrigues, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O posicionamento contrário é esperado, já que o tema não teve muito êxito histórico na ALMG. Apesar de criticar com frequência o serviço das estatais, Zema só chegou a enviar à Assembleia uma proposta de venda, da Codemig, que terminou arquivada pela Casa. A tramitação do Regime de Recuperação Fiscal que abre brechas para que estatais sejam vendidas também enfrenta entraves.

'Totalmente alinhados'
Procurado pela reportagem, o governo de Minas reforçou o interesse em desestatizar as empresas públicas. Em posicionamento oficial, a gestão de Zema afirmou que as privatizações melhorariam a administração das companhias, "que hoje se encontram engessadas pelas amarras burocráticas do Estado".

As propostas de federação citadas em coletiva pelo líder do governo não "resolveriam esse problema". "Esse objetivo será alcançado com amplo diálogo e respeito com a Assembleia Legislativa, e contará com a interlocução do nosso líder de governo, João Magalhães, ao qual estamos totalmente alinhados", diz trecho.