Fernando de Noronha será um grande laboratório de práticas sustentáveis
Ilha caminha para ser um local de iniciativas energéticas e ambientais inovadoras
Um lugar onde só circulam carros elétricos, a energia consumida é 100% limpa e renovável, os processos digitais são ampliados para evitar deslocamentos desnecessários e até mesmo os resíduos sólidos são totalmente aproveitados, inclusive, para gerar energia. Essa realidade, que até parece utópica, poderá ser encontrada em poucos anos logo ali, no arquipélago de Fernando de Noronha. Legislações e decretos pretendem transformar o local em um grande laboratório de práticas sustentáveis que podem ser replicadas também no continente.
Hoje, a realidade de Noronha é bastante diferente da vivenciada fora da ilha. Atualmente, por exemplo, 20% da energia consumida no horário de pico advém da geração solar. Mas ainda há uma dependência muito grande da usina térmica movida a biodiesel - cuja concessão termina em 2030. Até lá, os investimentos que já existem deve ser ampliados. De acordo com a Neoenergia, hoje existem duas usinas de geração solar fotovoltaica em terra; uma usina solar flutuante - responsável por 50% da energia fornecida à Compesa; dois bancos de baterias que acumulam energia em horários de menor demanda; uma planta voltada somente para a mobilidade elétrica; entre outros.
Transição energética
Uma outra unidade voltada para o abastecimento dos carros elétricos e outra usina flutuante estão nos planos da empresa a curto prazo. Desde agosto deste ano, os carros a combustão não podem mais entrar em Fernando de Noronha. E os que lá estão deverão ser substituídos até 2030. Com isso, em sete anos a ilha deverá ter concluído grande parte da sua transição energética, tornando-se um microcosmo que vai mostrar benefícios dessas políticas.
Segundo a tesoureira da Associação das Pousadas de Fernando de Noronha (APFN), Silvana Rondelli, a implantação de um sistema de energia solar está nos planos da maioria dos empresários. O custo, no entanto, é alto. No seu caso, ela fez um sistema de compensação, no qual implantou as placas em Gravatá para compensar o que consome na ilha. Isso porque o custo, que ficou em R$ 90 mil, ficaria 50% mais caro se fosse necessário levá-lo para Noronha.
Orientação ao turista
“Além disso, tomamos uma série de medidas, como instalar chaveiros eletrônicos que desligam a maioria dos equipamentos do quarto quando o hóspede sai; sensor de presença nos corredores e trocamos as lâmpadas comuns pelas de LED”, explica Silvana. Ela conta ainda que a grande maioria das pousadas, hoje, usa o sistema de aquecimento solar da água.
Porém, outra medida essencial que acontece na sua pousada é a orientação aos turistas sobre os cuidados que devem ser tomados com a natureza. “Mostramos a eles que devem tratar o lado de fora de suas casas da mesma forma que tratam o interior”, conclui.
De acordo com a Administração de Fernando de Noronha, ligada ao Governo do Estado, atualmente estão sendo elaborados estudos para ampliação da matriz energética solar e implantação de energia eólica. Nesse segundo caso, o cuidado é maior por conta da diversidade de aves que existem no local e que podem ser atingidas pelas pás das usinas. Além disso, os projetos de novas edificações no local só são aprovados mediante atendimento de alguns condicionantes de sustentabilidade, como uso de energia solar e reaproveitamento de águas pluviais.
Problemas cotidianos
Para quem pensa que Fernando de Noronha está livre do ataque humano ao meio ambiente, está muito enganado. Apesar de ser considerado um verdadeiro paraíso pernambucano, brasileiro e mundial - com regras e leis que, em tese, levariam os visitantes e ilhéus a serem mais responsáveis -, o local ainda sofre com o descarte de lixo impróprio, tanto do ponto de vista do tipo de resíduo como do local.
Na ilha, é proibido fazer coisas como jogar lixo, ponta de cigarros e outros detritos na rua e no mar. Isso não impede, no entanto, que o morador Túlio César tenha colecionado números desagradáveis ao longo dos quatro anos de existência do seu projeto, Minuto Noronha. Ele próprio explica na rede social do Minuto: “Decidi realizar ações pessoais de catar o lixo, pois sempre quis fazer e sempre houve choque com os horários das ações que eventualmente ocorriam”, conta.
Ele já contabilizou, por exemplo, mais de 4 mil garrafas de vidro e 5 mil latas. Além de outros resíduos considerados proibidos. Sempre em locais como praias ou áreas de mata. Para Túlio, a ideia é que cada um ajude um pouco nessa coleta e, sobretudo, siga as regras sobre o descarte. Ao todo, são geradas cerca de 200 toneladas mensais de lixo. Boa parte dele precisa ser levada para o Recife de navio.
Plástico Zero
Outra questão crucial para Fernando de Noronha é a proibição da circulação de plástico. O Decreto Distrital 02/2018 proíbe a entrada, o uso e a comercialização de descartáveis plásticos de uso único em Fernando de Noronha. A norma entrou em vigor em 11 de abril de 2019. O decreto inclui nessa lista garrafas plásticas de bebidas com capacidade inferior a 500 ml; canudos plásticos descartáveis; copos plásticos descartáveis; pratos plásticos descartáveis; talheres plásticos descartáveis; sacolas plásticas; embalagens e recipientes descartáveis de poliestireno expandido (EPS) e o poliestireno extrusado (XPS), popularmente conhecidos como isopor, e destinados ao acondicionamento de alimentos e bebidas.
Também estão inclusos outros produtos descartáveis compostos por polietilenos, polipropilenos e similares. O desrespeito à norma, em casos de estabelecimentos comerciais, pode gerar multa, suspensão ou até cassação do alvará de funcionamento.
“É preciso termos uma política eficiente de não trazer para a Ilha produtos que, de uma forma ou de outra, podem prejudicar o meio ambiente”, ressalta o diretor do Lab Noronha, Sérgio Xavier - recentemente nomeado coordenador-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente. O Lab é uma iniciativa sua voltada para a chamada economia regenerativa.
“A ideia é pensar e desenvolver iniciativas e modelos de negócios que, ao mesmo tempo em que gerem renda, resolvam um problema social ou ambiental. É uma nova forma de pensar a economia”, ressalta Xavier - que realizou um evento reunindo entidades que atuam em Noronha, representantes da administração e ainda do Governo Federal para tratar da questão dos plásticos. Atualmente, inclusive, o Brasil está discutindo a criação de um tratado mundial para abolição dos plásticos que deve ser concluído até o final de 2024, por determinação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Bioarquitetura
Outro exemplo que ele dá é o da bioarquitetura - que planeja os espaços para garantir, por exemplo, uso maior da iluminação natural; o conforto térmico e ainda incluir sistemas de captação de água da chuva. O próprio local de funcionamento do Lab vai se tornar um exemplo disso - já que está sendo instalado em uma área degradada da Ilha, mas que vai trazer toda essa inovação.
“Uma das ideias do Lab é pegar um problema de Noronha e trazer um especialista para criar uma solução. A partir daí podemos, inclusive, pensar nesse local como um destino de turismo tecnológico, onde as pessoas vão fazer questão de conhecer”, avalia Sérgio Xavier. A expectativa é que o espaço fique pronto em setembro.