Saiba como funciona o sistema no Brasil que gera lista de compatibilidade entre órgão e doador
Coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes, Daniela Pontes explica funcionamento e desafios do sistema
Existe diferença entre a rede particular ou privada? É possível direcionar um órgão para um paciente? O transplante de coração realizado pelo apresentador Fausto Silva gerou interesse no funcionamento sobre o Sistema Nacional de Transplantes. O comunicador conseguiu um órgão compatível 20 dias após entrar na lista de doação, levantando algumas dúvidas sobre como um órgão é alocado para o paciente.
Em conversa com o Globo, a coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes, Daniela Ferreira Salomão Pontes, a decisão sobre para quem vai cada órgão obedece a diversas regras e não é uma decisão de um funcionário ou dos médicos, mas de um sistema informatizado.
Neste ano, segundo dados do Ministério da Saúde, já foram realizados 11.908 transplantes no país. Desse número, 261 foram de coração, como no caso de Faustão. Por outro lado, 66.273 pessoas esperam por um transplante — 379 estão na fila por um coração. Mas, segundo Pontes, a “fila” não é exatamente uma fila em que quem entra antes consegue um órgão antes. É, na verdade, uma busca por compatibilidade. O objetivo não é apenas a realização de mais transplantes, mas também no sucesso deles, isto é, a sobrevida do paciente.
De acordo com a coordenadora, o sistema é composto por três lados autônomos: de um lado, a equipe de transplante. De outro, a equipe de doação. E, entre eles, esse processo é intermediado pela Central de Transplantes. Essa lógica se repete em cada estado, já que cada um conta com sua própria central.
Primeiro, os médicos responsáveis pelo transplante inserem os dados do paciente no sistema do Ministério da Saúde. Quando um órgão fica disponível para doação, os responsáveis por essa doação inserem seus dados no mesmo sistema. Após isso, o programa faz um “match” entre o órgão e os possíveis pacientes.
Como exemplo, no caso de Faustão, a equipe de transplante, no hospital Albert Einstein, inseriu seus dados no sistema no dia 8 de agosto. No último domingo, um órgão compatível apareceu, disponibilizado por outra equipe.
— Eles são autônomos nas suas atividades e têm a Central de Transplantes coordenando o processo. Então não é a equipe de transplantes que fala que quer transplantar o paciente A, B ou C e nem a equipe de doação que vai buscar o doador ideal porque quer atender o paciente tal. E, por fim, a Central de Transplante não gera uma lista manual, não é um funcionário que faz a seleção. A seleção é feita pelo sistema informatizado baseado nos critérios técnicos para cada tipo de órgão que a gente transplanta no nosso país.
Esses critérios variam de órgão para órgão. No caso do coração, explicou Pontes, eles incluem peso, altura, tipo sanguíneo e, claro, o estado de cada paciente. Aqueles em situação mais urgente têm prioridade.
— Quando a Central gera essa lista de pacientes aptos a receber a doação, ela faz contato com a equipe de transplante responsável pelo paciente. Ela passa para a equipe de transplante os dados daquela doação e só vai passar para o paciente seguinte se aquela equipe de transplante recusar aquela doação por qualquer motivo — afirma.
Para o transplante de Faustão, a compatibilidade gerada pela lista colocou o apresentador em segundo lugar. Como a equipe do primeiro colocado optou por não realizar o procedimento, o órgão foi para o apresentador.
Desigualdade geográfica e oportunidades de doação
O principal desafio do Sistema Nacional de Transplantes é em relação à desigualdade geográfica. Pesquisas sobre o tema apontam que, embora o processo, coordenado pelo Sistema Único de Saúde, seja um dos mais eficientes do mundo, ainda há problemas de acesso. Segundo Pontes, existe o interesse por conseguir mais doadores. A coordenadora explica, entretanto, que o SUS apenas oferece a oportunidade aos familiares, mas não faz o convencimento.
— A gente entende que é um gesto difícil, é difícil optar pela doação no momento do falecimento, a gente explica para a família todo o processo, mas cabe à família decidir.
De acordo com Daniela Pontes, o sistema é ramificado e, preferencialmente, os órgãos disponíveis em um estado são transplantados para outra pessoa naquele estado. Mas isso depende do acesso a equipes de transplante naquela localidade.
Todo serviço de transplante passa por um processo de autorização pelo Ministério e a competência da equipe para realizar o transplante. Como é um procedimento complexo, o nível de qualidade exigido costuma ser alto.
— A gente tem duas situações, o estado que tem equipe autorizada e o que não tem equipe autorizada. O estado que não tem equipe autorizada, os pacientes são encaminhados a centros próximos daquele estado para realizar a avaliação inicial e, se tiverem indicação de transplante, ser inserido na lista por meio de uma equipe habilitada — afirma Daniela.
Os dados de transplante comprovam isso: o Amazonas é o 14º estado mais populoso, mas o 21º em número de transplantes. A Bahia é o 4º estado mais populoso, mas 9º em número de transplantes. Por outro lado, o Distrito Federal é a 20ª unidade federativa mais populosa, mas o 11º em número de transplantes realizados em 2023.
— A gente tem várias oportunidades de melhoria no nosso sistema, é um sistema nacional, a gente quer que ele fique mais capilarizado, mas entendendo os desafios. Eu não consigo colocar um tratamento de tamanha complexidade num local com volume baixo de demanda, então a gente está sempre tentando administrar essa questão: onde devem estar o centro de alta complexidade.