Com 730 mil credores, situação da 123Milhas é crítica; entenda
Empresa, que pediu recuperação judicial, tem dívida de R$ 2,3 bilhões
A empresa de turismo 123Milhas, que pediu recuperação judicial nesta terça-feira (29) após ter suspendido emissões de passagens promocionais e descumprido passagens desse tipo já vendidas, tem uma dívida de R$ 2,3 bilhões, considerada impagável pelo mercado.
Ao todo, são cerca de 730 mil de credores, de acordo com pessoas familiarizadas com a situação. A empresa ainda não publicou a relação de credores.
A empresa, que pediu à Justiça de Minas Gerais uma tutela de urgência para se proteger contra a falência, afirma em sua petição inicial que sua situação de agravou nos últimos meses. Suas demonstrações contábeis, no entanto, mostram que seu modelo de negócios já enfrentava dificuldades há anos.
No primeiro semestre deste ano, seu prejuízo chegou a R$ 1,67 bilhão, enquanto a receita operacional líquida foi de R$ 148,49 milhões. As perdas desses primeiros seis meses foram 112 vezes maior do que os R$ 13,69 milhões registrados no ano passado inteiro.
Também em junho deste ano, o passivo circulante da empresa, ou seja, com vencimento nos próximos 12 meses, chegou a R$ 1,68 bilhão, ante R$ 1,12 bilhão em dezembro de 2022. Disso, R$ 774 milhões de dívidas estavam na rúbrica "contratos a emcarcar" e R$ 604 milhões na "parceiros operacionais".
Fornecedores eram credores de R$ 166 milhões. A empresa tinha a pagar, também, R$ 93,45 milhões em empréstimos e financiamentos até junho de 2024.
Para o advogado Ronaldo Vaconcelos, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócio do escritório VH, o desgaste de imagem da 123Milhas deve se agravar, o que, no setor de turismo, pode minar suas operações, já combalidas.
"Pedir recuperação judicial nesse setor é desafiador porque costuma afetar a credibilidade do negócio. Além disso, o modelo de negócio da 123Milhas já estava em crise. A tentativa da empresa é tentar renegociar a dívida e manter a operação, mas nesse segmento a credibilidade é crucial para que o consumidor compre as passagens", afirma Vasconcelos.
O advogado afirma que uma série de credores financeiros, inclusive bancos, devem aparecer entre os credores, uma vez que a 123Milhas antecipava os recebíveis das passagens.
A empresa não publicou a lista de credores sob o argumento de que a publicação de nomes contriaria a Lei Geral de Proteção de Dados. Vasconcelos explica que a lógica contraria a obrigatoriedade de publicação da listagem, prevista na lei de falências e recuperações judiciais.
Há ainda uma questão a se resolver na área de direito do consumidor, de acordo com ele. Quem comprou passagens futuras pode virar credor da empresa, mas não necessariamente, uma vez que a empresa ainda está operacional. De qualquer forma, credores sem garantia não têm prioridade no recebimento. Recebem depois dos trabalhistas e dos que têm garantias.
"A empresa pediu uma tutela de urgência, diferentemente do modelo da Americanas e da Oi, que solicitaram uma cautelar que antecipasse os efeitos da recuperação judicial para negociar com os credores. Aqui, a 123Milhas já pediu a recuperação, mas pediu que o juiz impeça cobranças desde já", explica Vasconcelos.
Para Ana Carolina Monteiro, sócia do Cascione, a recuperação judicial da 123Milhas precisará, para ser viável, de injeções de capital.
"Os credores financeiros, em especial os bancos, precisam entender se as dificuldades são uma situação de mercado ou se é pontual, apenas da empresa. De qualquer forma, a recuperação só vai se resolver se entrar dinheiro novo, o que pode se dar com a entrada de fundos de investimento. A marca 123Milhas é forte, reconhecida, tem valor", afirma ela.
Para tanto, porém, seria preciso reestruturar o passivo e negociar com os consumidores a eventual postergação de viagens, por exemplo.