Críticas da esquerda e voto garantista marcam primeiro mês de Zanin no STF
Novo ministro proferiu 291 decisões até sexta-feira; entre os casos, suspendeu depoimento de réu alvo de delação premiada, prática criticada por ele na defesa de Lula na Lava-Jato
Sob o olhar atento de aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Cristiano Zanin entrou no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) para a sua oitava sessão de julgamentos, na quinta-feira passada, cercado de expectativas sobre qual posição tomaria a respeito da tese que estabelece um marco temporal para demarcações de territórios indígenas no país.
Àquela altura, caberia ao ministro desempatar o placar — estava em 2 a 2 — e, embora sua proximidade com integrantes do PT pudesse indicar um voto contrário, decisões consideradas conservadoras em seu início na Corte deixaram em dúvida boa parte da esquerda.
Ao completar um mês desde sua posse como ministro, neste domingo, Zanin trocou o status de “homem de Lula” e passou a acumular desconfianças entre os que apoiaram a sua indicação, vista como pessoal do presidente.
Até a sexta-feira, Zanin havia proferido 291 decisões. Na maioria das vezes, seguiu a jurisprudência da Corte, e apesar das criticas da esquerda, tem deixado em alguns casos uma marca do seu perfil garantista.
O ministro suspendeu, por exemplo, o depoimento de um réu delatado pelo ex-governador do Mato Grosso Silval Barbosa, porque o acusado não teve acesso ao conteúdo. As críticas às delações premiadas deram o tom da atuação de Zanin na defesa de Lula na Operação Lava-Jato.
O ministro também substituiu a prisão preventiva de uma mulher de 73 anos, acusada de calúnia por uma juíza, por medidas cautelares, como a restrição ao direito de acesso à internet. Em outra decisão, determinou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que analise um habeas corpus há oito anos e dois meses parado.
Mas as críticas às suas decisões foram a tônica deste primeiro mês. Na terça-feira, o ministro foi criticado pelo presidente da CPI do 8 de janeiro, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), por um habeas corpus concedido ao coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante da PM-DF.
O ministro deu a Vieira não só o direito ao silêncio no depoimento que prestaria na comissão, mas também o “de não ser submetido ao compromisso de dizer a verdade”. Maia considerou a decisão uma “inovação” e acusou o magistrado de liberar o militar a “mentir”. Apesar de rara, a medida já foi concedida esse ano pelo ministro André Mendonça, beneficiando convocados por outra CPI.
Nos dias que antecederam a análise do marco temporal, o ministro foi criticado por grupos progressistas após ter sido o único a votar contra a descriminalização da maconha no julgamento que discute critérios para diferenciar usuário de traficante. Também virou alvo da comunidade LGBTQIAP+ por ter sido contra a equiparação de ofensas a esse grupo à injúria racial em tipificações criminais.
Decisões do novo ministro
15/8 — PENA ABRANDADA: Substituiu a prisão preventiva de uma blogueira de 73 anos, acusada de calúnia por uma juíza, por adoção de medidas cautelares.
20/8 — PRESOS POR R$ 100: Manteve a condenação de homens que furtaram itens de um carro, avaliados em R$ 100. A defesa evocou o princípio de insignificância.
21/8 — DELAÇÃO PREMIADA: Suspendeu o depoimento de um réu delatado por um ex-governador porque o acusado não teve acesso aos depoimentos da denúncia.
23/8 — LGBTQIAP+: Votou contra a equiparação de ofensas direcionadas a pessoas LGBTQIAP+ ao crime de injúria racial. Foi considerado conservador.
24/8 — MACONHA: Deu o primeiro voto contrário à descriminalização do porte da maconha para uso pessoal. Posicionamento foi criticado pela esquerda.
31/8 — MARCO TEMPORAL: Votou alinhado ao governo, contra a tese de que indígenas só teriam direito a terras que já ocupavam na promulgação da Constituição.
Sem pressão
Os posicionamentos acenderam o alerta de entidades indígenas e em parte do governo. Na véspera da retomada do julgamento, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, foi ao gabinete de Zanin apresentar argumentos contrários à tese do marco temporal que, na prática, pode inviabilizar novas demarcações no país.
— Reforcei (a ele) que o STF é fundamental para a defesa e garantia dos direitos constitucionais dos povos indígenas — afirmou Guajajara ao deixar a reunião.
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No dia do julgamento, o voto contrário de Zanin foi recebido com alívio pela ministra, que acompanhava a sessão na Corte. Do lado de fora, gritos e aplausos de indígenas que assistiam aos argumentos do ministro por um telão instalado na Praça dos Três Poderes.
Apesar do início turbulento, o ministro disse a interlocutores não ter sido alvo de pressões por parte do presidente ou de seu entorno sobre como votar nas ações que analisa. Ele não esconde, porém, a relação próxima com Lula. No gabinete recém-inaugurado, exibe com destaque uma fotografia ao lado do petista no dia de sua posse no STF.
O GLOBO apurou que Zanin tem se aproximado dos demais magistrados — prova disso é que foi um dos convidados para o casamento de Luna Barroso, filha do vice-presidente do STF, Luís Roberto Barroso, no fim de semana passado.