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Crise e migração: abuso sexual infantil cresce na Venezuela

Cerca de 5.500 casos foram registrados em 2022, um aumento de 29% em relação ao ano anterior

Procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, fala sobre o crescimento dos casos de abuso infantil no país - Federico Parra / AFP

A Venezuela registra um aumento nos casos de abuso sexual infantil. A migração – que levou milhares de pessoas a deixar os seus filhos aos cuidados de terceiros – e a falta de aulas nas escolas públicas estão entre as principais causas.

Em alguns casos, dizem os especialistas, o abuso ocorre mesmo com o consentimento do cuidador, desesperado por um "pagamento" em comida ou dinheiro.

A Venezuela registrou 5.519 denúncias de abuso sexual infantil em 2022, 29% a mais que no ano anterior, segundo dados oficiais acessados pela AFP. Do total, 2.311 foram indiciados e 1.013 condenados.

Na última década houve mais de 17.000 indiciamentos e 5.196 condenações.

Um relatório da ONG Una Ventana a la Libertad (UVL) revela que o crime de abuso infantil é uma das seis principais causas de prisão.

Vulnerabilidade 
Cerca de 10 milhões dos mais de 30 milhões de habitantes da Venezuela são crianças e adolescentes, segundo a Unicef.

Os especialistas concordam que o abuso infantil ocorre "mais facilmente" quando os jovens estão em situações de vulnerabilidade.

A migração é um exemplo claro. Jovens que ficaram aos cuidados dos avós, vizinhos, tios ou familiares próximos porque os seus pais ou responsáveis diretos emigraram, fugindo da crise econômica, explica a criminologista Magally Huggins.

"Eles estão mais sozinhos, expostos à violência e aí vem o abuso, esse problema cultural que agora aumenta", alerta Huggins.

Outro motivo, acrescenta a criminologista, é a crise do sistema educacional. "As escolas (públicas) não funcionam, ou então funcionam um ou dois dias por semana", acrescenta, uma vez que os professores reduziram o horário de trabalho devido aos salários baixos. E muitos jovens ficam sem cuidados.

A Rede pelos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (Redhnna) também denuncia casos em que pais permitem os abusos em troca de dinheiro para conseguir alimentos, como "uma medida para enfrentar a crise econômica".

"Realmente vemos isso com muita frequência", afirma a assistente social Angeyeimar Gil, pesquisadora da Redhnna, que acompanha a situação dos direitos das crianças por meio das denúncias registradas na imprensa.

"Em muitas ocasiões (...) a mãe emigrou ou a mãe está trabalhando e não está presente em casa", continua Gil.

Visibilidade 
O procurador-geral, Tarek William Saab, disse à AFP que o projeto "Pedofilia é crime", lançado em 2021, "permitiu que as pessoas perdessem o medo" de denunciar. "Ele conseguiu fazer com que pessoas que não sabiam que eram vítimas ou que tinham medo" apresentassem "uma denúncia e obviamente esses casos não prescrevem".

"A visibilidade tem sido fundamental, tornar o fenômeno visível e falar sobre ele abertamente", afirmou.

No entanto, uma ex-policial, mãe de uma menina que teria sido abusada pelo pai, também funcionário, denuncia uma grave demora processual. A mulher conta que após fazer a denúncia foi pressionada e teve que pedir demissão.

"Eles falam: 'tem campanha', 'sim, denuncie, fale', mas esse foi o crime que eu cometi, de ter denunciado, de ter falado", conta.

O caso já se arrasta há um ano e quatro meses e ainda está pendente uma investigação sobre o ex-marido, que se declara inocente e está em liberdade.

A Child Rights International Network, uma rede que apoia a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, denunciou que a Venezuela é o segundo país da América Latina com menos medidas para prevenir o abuso sexual infantil.

Há "fraquezas e os funcionários não estão treinados para abordar e cuidar das vítimas de abuso sexual infantil", afirma a especialista em segurança cidadã, Francis Prieto.

Saab denuncia uma "politização" do tema e defende a sua gestão com 12.502 indiciamentos desde 2017, ano em que assumiu o cargo, e 4.295 condenações.