Arquivos no celular de Cid mostram "périplo" de ex-ajudante de ordens para vender joias após viagem
Tenente-coronel salvou contato de joalheria em Miami e manteve fotos de presentes empacotados
Um contato de telefone na agenda do tenente-coronel Mauro Cid reforçou a suspeita de investigadores de que ele tenha usado uma viagem oficial aos Estados Unidos para negociar a venda de relógios e joias presenteados a Jair Bolsonaro por autoridades estrangeiras. Arquivos armazenados na nuvem do celular do ex-ajudante de ordens, obtidos pelo Globo, mostram que no dia 14 de junho de 2022 ele registrou em seu aparelho um número associado a "Mark Miami Diamond Club".
O telefone é o mesmo da joalheria Diamond Club, que fica em Miami, na Flórida, especializada na venda de joias e relógios. A data em que o registro do contato da loja foi incluido no celular coincide com o período em que Cid estava nos Estados Unidos, após acompanhar Bolsonaro na Cúpula das Américas, em Los Angeles. Procurada, a defesa de Mauro Cid não retornou aos contatos.
Na ocasião, o então presidente embarcou no dia 8 de junho para os Estados Unidos e, após participar do evento em Los Angeles, cruzou o país norte-americano para participar de uma motociata com apoiadores em Orlando, no dia 11 de junho, um sábado. Bolsonaro voltou ao Brasil naquele mesmo dia. Cid, entretanto, ficou.
Segundo a investigação da Polícia Federal, nos dias seguinte nos Estados Unidos, Cid passou a se deslocar pelo país atrás de joalherias na tentativa de vender os presentes de luxo recebidos por Bolsonaro. Na segunda-feira, 13 de junho, por exemplo, o tenente-coronel esteve em um shopping da Pensilvânia, onde, de acordo com a apuração, vendeu dois relógios recebidos por Bolsonaro: um Rolex e um Patek Philippe por mais de R$ 300 mil.
A PF identificou o deslocamento após os registros do celular do militar apontarem que ele pesquisou o endereço da loja na Pensilvânia e depois se conectou à uma rede de Wi-Fi no local. A investigação apontou também que Cid enviou o endereço da mesma loja ao segundo-tenente Osmar Crivelatti, assessor de Bolsonaro, em março deste ano, quando tentavam reaver os relógios. A operação para recuperar os itens tinha como objetivo atender ao determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), que ordenou a Bolsonaro a devolução dos presentes.
"A busca e navegação do referido endereço coincide com o endereço enviado por Mauro Cid para Osmar Crivelatti, às 11h29 em 08 de março de 2023, quando estavam tentando reaver os itens do denominado 'Kit Ouro Branco' para devolvê-los ao Estado brasileiro, por determinação do TCU", afirmaram os investigadores.
O kit ouro branco é composto por um anel, abotoaduras, um rosário islâmico e um relógio da marca Rolex, de ouro branco, entregue ao ex-presidente, quando de sua visita oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019.
No dia seguinte em que esteve na Pensilvânia, Cid voltou à Florida, onde, segundo os investigadores, foi a um endereço em Miami para tentar vender os outros dos itens do kit. A PF identificou que o militar esteve em uma joalheria na qual teria deixado exposto à venda o restante das joias.
Foi nesse mesmo dia, 14 de junho, uma terça-feira,, que Cid cadastrou em seu celular o contato da loja "Diamond Club". Segundo detalhes do arquivo, o contato foi salvo às 14h daquele dia.
O tenente-coronel só retornou ao Brasil uma semana depois, no dia 21 de junho, em voo de carreira com destino a Brasília.
Presentes de Nova Delhi
Além dos arquivos que indicam a busca por joalherias nos EUA, a memória virtual do celular de Cid também traz fotos de malas, objetos empacotados e presentes recebidos pela Presidência em viagens oficiais e incorporados ao acervo de Bolsonaro. Três deles que aparecem nas imagens foram pedidos de volta pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) na última semana.
São eles: uma réplica do Palácio Taj Mahal feita de mármore branco, cujo valor foi estimado pelo Gabinete de Documentação Histórica em R$ 59.469; uma escultura de cavalo prateada feita de cristais e mármore preto, que vale R$ 8.981; e um sol esculpido em um quadro de ossos de camelo, de R$ 7.164.
O subprocurador Lucas Furtado listou esses três bens como exemplos de itens "de alto que valor" que "deveriam ser incorporados ao patrimônio público". Na representação ao TCU, ele pede a "devolução imediata" de todos os presentes dados por autoridades estrangeiras ao ex-presidente.
Cid está preso desde 3 de maio, quando foi alvo de operação da Polícia Federal que investigava supostas fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente e de pessoas ligadas a ele. O ex-ajudante de ordens da Presidência também é alvo do inquérito que investiga a venda de joias presenteadas por autoridades estrangeiras ao Estado brasileiro.