ENTREVISTA

"Queria que se mantivessem mulheres nos ministérios, é preciso ter mais equilíbrio", diz Ana Moser

Ministra rechaça assumir o comando de autoridade Olímpica e diz que vai ter uma nova conversa com Lula na terça-feira

Ana Moser - Paulo Pinto/Agência Brasil

Depois de ser demitida do Ministério do Esporte após a reforma ministerial que abriu espaço para Centrão no governo, Ana Moser falou da frustração pelo pouco tempo que teve para pôr de pé políticas públicas que vinha desenvolvendo.

A ministra acredita que o fato de não ter filiação partidária foi um dos fatores que pesaram para a sua saída, diz que ficou de fora das negociações e admite que a “governabilidade falou mais alto” na decisão do presidente Lula.

Ela não deve estar em Brasília para a entrega do cargo ao seu sucessor. Para Ana Moser, não faz sentido criar o cargo de autoridade olímpica e afirma que não está tratando de um novo espaço no governo.

Veja abaixo a entrevista completa:

A senhora ficou oito meses a frente do ministério. Qual peso da sua saída na interrupção de políticas de esporte que vinha desenvolvendo?
Algumas coisas, sim, outras não podem parar e não têm por que parar. Como por exemplo a lei de incentivo, que semana que vem é o prazo final de entrega dos projetos a serem analisados. É um processo que tem que tomar muito cuidado e precisa continuar. Outros nesses processos como liberação de recurso para várias obras. Então tem um fluxo mensal de execução dos projetos de obras e repasse de recursos. Até julho estávamos com mais de 60% das emendas individuais processadas. Então isso é algo também que não tem razão para parar. Agora, outras coisas, não. A própria implantação do Sistema Nacional de Esporte que estávamos montando, a política que era algo novo. Algo que não era da estrutura já do ministério. Algumas políticas não serão com certeza encaminhadas ou terão dificuldade de encaminhar porque era algo que estava em construção. O ministério é muito amplo e tem muitas frentes de atuação e a continuidade disso será dada.

Ao longo desse processo, o presidente demonstrou muita indecisão em quais pastas mexer para abrigar os partidos do centrão. O que a senhora acha que pesou na decisão dele para mexer justamente no Esporte?
Não sei avaliar e dizer. É uma articulação e uma negociação muito do Planalto, e das muitas lideranças dos partidos da coalizão. Tem questões que são muito próprias dessa política e que passam ao largo do que é a nossa atuação dessa pasta específica do esporte. Com certeza não sou uma pessoa de partido. Não tenho filiação. Minha relação é realmente com a causa e com o entendimento técnico da atividade e uma construção de uma relação com o próprio Congresso. Tem estratégias de financiamento que estão muito dentro do próprio Congresso. Então essa é uma relação que todo o governo vem construindo e a gente construiu também no Ministério do Esporte. Tem questões que são mais da relação partidária e aí por eu não ter essa filiação pode ser um fator. Mas com certeza não foi uma decisão fácil, apesar de ter o seu processo, essa reforma ministerial que vem se arrastando há dois meses, mas realmente chegou na nossa relação nas últimas duas semanas. A conversa foi feita só nesta semana então tem muito também de plantação de notícia.

O fato de não ser filiada contribuiu para sua saída?
É um dos fatores, sim, com certeza.

Não faltou ao governo enxergar o Esporte de forma mais estratégica?
Isso é um desejo. E se tem uma frustração é essa, a falta de tempo até para ajudar a aumentar a relevância do esporte. O esporte tem uma estrutura ainda muito frágil em termos institucionais e o momento era de construção dessa institucionalidade e para se tornar algo uma ação social com maior relevância do que tem hoje. Essa sempre é a luta e foi a luta dentro desse tempo. Não é um caminho simples, não. Não é algo que está posto. Nós não temos uma cultura de prática esportiva no país. Apesar do esporte ser um fenômeno muito amplo, mas é presente na sociedade em termos numéricos, muito pouco. Apesar de passar bastante na televisão no dia a dia das pessoas, cerca de 70% da população é sedentária. É um universo ainda a ser fomentado e ampliado o acesso, a oportunidade das pessoas terem acesso. Essa é a construção a ser feita. A gente tinha uma visão, agora vai ter outra assinatura, mas buscando essa realização da ampliação e do avanço do esporte no país.

Em julho, o presidente chegou a lhe dizer, numa conversa no Planalto, que a senhora não precisava se preocupar e deveria continuar trabalhando. Mas seu ministério estava, sim, na mesa de negociações com Republicanos e PP. E, agora, o presidente precisou do seu cargo. A senhora acha que o presidente errou nessa condução?
Quem sou eu para jugar o presidente Lula nessa relação. Com certeza, não foi algo fácil. A intenção era a inicial de acreditar e de acreditar na visão de ampliação do Esporte e acreditar na minha condição de realizar isso. Sei que ele tinha essa vontade, mas teve decisões políticas a tomar. Então isso é uma relação e uma escolha. Tem que fazer escolhas. É lógico que eu sinto porque acredito no potencial do Esporte. Por isso que estava na frente, por isso que larguei o que eu fazia à frente do Instituto Esporte Educação, para investir nessa política ampliada, mas as escolhas são muito mais complexas que simplesmente o querer. A governabilidade falou mais alto. Tem objetivos maiores aí a serem protegidos. Então o presidente Lula conversou isso comigo e colocou essas questões, lógico que eu fiz a defesa da minha visão, mas a decisão é do presidente e temos que respeitar e apoiar com votos para que essas políticas se mantenham.

Houve uma decepção com o desfecho desse processo?
Houve uma vontade de que fosse diferente. E essa vontade se mantém. É preciso entender o contexto geral, e o desejo lógico é que isso possa avançar num outro momento, que se possa ter uma ampliação, um equilíbrio, condição de continuidade dessas construções sociais. A minha vontade é que tivesse continuidade, participação maior, se mantivesse a presença de mulheres nos ministérios, porque é preciso ter mais equilíbrio e inserção de diversidade dentro dos locais de poder e dos fóruns de decisão. Vou buscar recolher as forças assim, organizar novas estratégias para alcançar novos avanços.

A senhora é a segunda ministra mulher a ser retirada do governo em oito meses de governo. Embora haja um compromisso de Lula em aumentar a representatividade, as mulheres foram as primeiras a serem retiradas. Como avalia isso?
Nós temos uma situação social, onde sim, a mulher tem menos lugar em áreas como a política, como o setor jurídico, a área esportiva. Tem uma preponderância masculina nesses lugares muito grande. É preciso que isso avance. Nós desenvolvemos uma proposta de estratégia do desenvolvimento do futebol feminino exatamente porque enxergamos que é preciso em vários locais inserir as mulheres. Isso é uma busca que se persegue.

Muitas pessoas criticaram presidente por não ter feito um agradecimento público ao seu trabalho no governo. A senhora concorda com essas críticas?
Ele agradeceu pessoalmente. Na semana que vem, provavelmente na terça, teremos uma conversa de fechamento. Tem prazo na semana que vem ainda de entrega do final do que é a sanção e regulamentação em alguns projetos de lei para complementar a Lei Geral dos Esportes. Ele se comprometeu a dar esse fechamento e deve acontecer isso na terça-feira antes da posse.

A senhora vai estar na posse do novo ministro?
Provavelmente não, devo ficar em Brasília até terça-feira.

A senhora foi convidada para outra posição no governo ou para ser autoridade olímpica?
Não fui convidada para nenhuma posição. Mas a questão da autoridade Olímpica é uma daquelas questões que estava muito mais na imprensa do que na realidade mesmo, porque não existe autoridade Olímpica. O esporte olímpico é gerido pelo COB, pelas confederações, então é uma estrutura consolidada até ligada às federações internacionais. A gestão é feita por eles com recursos públicos garantido para o planejamento. Isso é uma estrutura consolidada, não faz sentido essa autoridade olímpica em termos de qualquer tipo dentro de uma estrutura do esporte do país. Minha experiência em gestão desde em 2001 é na área social, meu vínculo é muito mais em esporte para todos. Não vim por cargo, vim pela causa.

O ministro Alexandre Padilha disse que a senhora vai continuar colaborando com o governo e com políticas de esporte. Como senhora vê isso acontecendo ao deixar o cargo de ministra?
Há 20 anos foi minha primeira reunião que eu tive no ministério, depois dos jogos de Sidney em que o Brasil não ganhou nenhuma medalha de ouro e foi vice-campeão em tudo. Essa momento teve uma comoção nacional e o ministério chamou especialistas no Brasil inteiro para fazer uma discussão sobre esporte. Sempre participei de três conferências nacionais, sempre de maneira voluntária como ativista, como empreendedora social à frente do Instituto. Sempre tive atuação intensa, eu sabia muito bem o que poderia contribuir para o esporte do país e eu sempre coloquei à disposição de maneira voluntária, por isso que eu cheguei até o ministério. Foi uma experiência curta, gostaria que tivesse sido mais longa para poder entregar muito mais do que do que foi feito.

A senhora se imagina dentro do governo em outra posição?
Não estamos conversando sobre isso, não é cargo que estou atrás. O Ministério do Esporte estará com outra gestão a partir da semana que vem.